A guerra dos sexos. Uma história real sobre a quebra de um tabu.

A luta por igualdade é algo que afeta a sociedade há séculos. Sempre houve minorias cujos potenciais foram postos de lado. Mais do que isso, muitas minorias tiveram suas capacidades e forças minadas no ponto onde é quase impossível reverter os resultados: na mente. Mulheres passaram séculos sendo tratadas como donas de casa cujo único propósito era o de cuidar do lar e ser uma boa esposa; negros até quase o final da década de 1980 ainda eram vistos (mesmo que de forma disfarçada) como meros fornecedores de mão-de-obra, incapazes de ascender; imigrantes eram taxados por características estereotipadas; homossexuais eram encarados como um câncer a ser extirpado. Enfim, minorias e grupos perseguidos estavam à margem da sociedade e, teoricamente, ficariam assim para sempre.

Felizmente as coisas evoluíram. Mulheres têm quase todos os direitos do homem, gays são livres para amar, negros estão no poder e mostraram que a capacidade não está na cor da pele, imigrantes são exemplos de como se vencer na vida… mas isso ainda esconde uma grande gama de preconceitos.


Agora, o que dizer da situação das mulheres nos anos de 1970? Apesar de algumas novidades como o direito ao voto, o uso das minissaias e outros, ser mulher era uma constante fuga da imagem que foi estabelecida por gerações. Mesmo mais avançadas, modernas e independentes, a verdade é que muitos seguimentos da sociedade ainda as viam como organizadoras do lar, nada mais.

A questão estava em como quebrar esse paradigma. Seria preciso coragem, vontade e algo que atraísse a atenção de todos, assim como acontecia na antiga Roma onde os gladiadores atraíam multidões. E é nesse ponto que chegamos. Billie Jean King (Emma Watson) é uma tenista que não se acanha diante dos poderosos. Billie Jean é uma vencedora por natureza, capaz de encarar homens poderosos e não recuar, como faria a maior parte das mulheres. Ela não aceita a submissão e a forma como são tratadas as mulheres.

Billie Jean é uma tenista de renome. Suas vitórias lhe renderam prêmios antes inconcebíveis, entre eles um de 100 mil dólares (uma soma muito maior do que o valor representa hoje). Ela se encontra com Jack Kramer, um ex-jogador e atual comentarista que é muito influente na Liga de Tênis. Jack ameaça Billie com a exclusão dos principais torneios, fato que se consuma. Fora dos torneios, Billie Jean se une a Gladys (Sarah Silverman que está muito parecida com a Fernanda Torres) e algumas tenistas famosas e competentes. Elas formam um torneio paralelo e isso desperta a raiva de alguns e a atenção de Bobby Riggs, um tenista aposentado que vive de apostas e seu faro para negócios. Eis o estopim para a “guerra dos sexos”.

A trama é baseada na história real da contenda entre a feminista Billie Jean King e o machista (na verdade ele é mais um showman) Bobby Riggs. Mas há fatos que antecedem essa partida histórica. E esses fatos é que dão um toque especial para Guerra dos Sexos.

Máscaras.

Billie Jean e Bobby Riggs têm suas personalidades expostas pela mídia. São famosos, bem sucedidos e vivem suas vidas relativamente em paz. Entretanto há sempre um lado escuro das vidas das celebridades que desconhecemos.

Billie Jean é casada e passa boa parte de seu tempo fora do lar. Ela não tem filhos e seu esposo compreende os esforços que devem ser feitos para que ela seja bem sucedida. Apesar da distância e do pouco contato, eles se amam.

Bobby Riggs é um pai de família que tenta manter a antiga fama a todo custo. Sua percepção para boas jogadas é inacreditável. Comparativamente, guardadas as devidas proporções, ele é um fanfarrão no padrão de Connor McGregor nos dias atuais. Sua ânsia por dinheiro também. O problema está no relacionamento com sua esposa Priscilla (Elisabeth Shue) que sofre com o jeito criança dele e sua gana por apostas.

Ainda que Billie Jean seja uma mulher bem sucedida, logo percebemos que há algo incompleto em sua vida. É nesse ponto que os roteiristas acrescentam – de forma bem suave e poética – a jovem cabeleireira Marylin (Andrea Riseborough). Marylin se aproxima de Billie Jean e isso provoca, temporariamente, um caos na vida e no coração dela.

Billie e Bobby são pessoas excelentes, mas vivem sob uma máscara difícil de manter.

Interpretações.

Todo o elenco do filme é simplesmente sensacional. A impressão que tive é a de que estava vendo um documentário, tal o nível de perfeccionismo adotado pelos diretores, roteiristas e elenco. As caracterizações (que só ganham força graças às interpretações) de Billie Jean e Bobby Riggs são impagáveis. A imersão de todos para que essa obra fosse o mais próxima da realidade é algo impossível de descrever. É preciso ver para crer, como diria Tomé.

Cenas inteiras foram reconstruídas à perfeição. Isso comprova a vontade em apresentar um filme feito com pesquisa, cuidado e sobretudo competência. Mas não se preocupem que os âncoras do filme não são destaques absolutos. O roteiro fez com que cada personagem ganhasse seu devido destaque e isso deu espaço para que atores e atrizes mostrassem seu potencial, principalmente Andrea Riseborough, Allan Cumming, Bill Pullman e Sarah Silverman. Óbvio que todos são importantíssimos para o resultado excelente que está em exibição.

História X Filme.

Muitos fatos históricos foram reproduzidos à perfeição em A Guerra dos Sexos. Outros, contudo, ganharam um tom mais íntimo, fruto da imaginação dos roteiristas, já que são acontecimentos onde apenas os envolvidos eram as testemunhas.

A evolução cronológica do filme também tem algumas inconsistências que são necessárias, já que é impossível condensar anos de narrativa em apenas duas horas sem que se façam algumas adaptações. Ainda assim não há nada que tire a credibilidade da trama e, sobretudo, as lições embutidas no longa-metragem.

Personagens reais são mostrados como a cabelereira Marylin Barnett, a editora da revista World Tennis, Gladys Heldman e o produtor de eventos Jack Kramer. Barnett foi realmente amante de Billie Jean, Gladys promoveu a liga feminina de tênis e usou a simbólica adesão de US$ 1 para divulgação e, por fim, Kramer era realmente um cara radical em suas opiniões sobre as mulheres.

Apesar dos tempos (mais ou menos) politicamente corretos de hoje, houve mesmo no início dos anos 70 um torneio patrocinado pelo cigarro Virginia Slims. Assim como a Marlboro e outras marcas de cigarro patrocinaram esportes por décadas.

O evidente desgaste de Larry King (Austin Stowell) diante da situação em que foi envolvido está bem representado e destaca o empenho dele para manter a carreira da esposa. Isso não ficou tão evidente na época por motivos óbvios.

Uma coisa fica garantida aos que assistirão A Guerra dos Sexos: o prazer de ver um ótimo filme.
Fiquem agora com algumas cenas históricas e o trailer.


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