Operação Valquíria

 

 

        Operação Valquíria [Editora Record, 2009] é um livro com um título e três subtítulos. Na capa, o primeiro subtítulo é o complô contra Hitler. O segundo, memórias de um conspirador. O terceiro, a verdadeira história do filme estrelado por Tom Cruise. Como fica evidente, o lançamento procurou aproveitar o sucesso do filme homônimo, lançado no ano de 2008 e estrelado por Tom Cruise.

Curiosamente, nenhum dos títulos ou subtítulos reproduz o nome verdadeiro da obra, Nós Queríamos Matar Hitler [tradução livre de wir wollten hitler töten]. O livro é um relato, em primeira pessoa, de Philipp Freiherr Von Boeselager, o último dos conspiradores envolvidos na trama que quase resultou no assassinato de Hitler em 20 de julho de 1944.

Para aqueles que gostam de história, em especial da época da Segunda Guerra Mundial, o livro é um pequeno achado. Dá um enfoque diverso daquele que geralmente temos do conflito. Um enfoque alemão. Mais do que isso, um ângulo da aristocracia alemã, que desprezava Hitler, a quem chamavam pejorativamente de “cabo”. Esta mesma aristocracia, em sua arrogância e ignorância, seria arrastada pela popularidade e sucesso do Führer, transformando-se em um dos seus instrumentos no maior conflito da história da humanidade.

Philipp era um nobre da região da Renânia. Quinto filho de uma família de nove, morava em um castelo cercado por um bosque intocado. Ali, aprendeu a caçar desde pequeno, na companhia do irmão George, dois anos mais velho. Os dois, com uma educação cristã e humanitária, acabaram seguindo carreira em um regimento de cavalaria, a mais fidalga das porções do exército. E assim acabaram envolvidos na invasão da França e, depois, no flanco oeste, tanto na invasão, quanto na retirada da Rússia.

Philipp Freiherr Von Boeselager

 

O maior interesse da narrativa é a ausência de visão política que Phillipp demonstra tanto no período anterior quanto no período posterior ao início da guerra. Vivendo praticamente isolado, primeiro

General Henning von Tresckow

em sua família, depois no internato e, por fim, no regimento da cavalaria, tinha pouca ou nenhuma opinião sobre Hitler e os nazistas. Há, claro, as ressalvas que praticamente todos os aristocratas faziam à figura pequena, levemente cômica, mas arrebatadoramente popular do Führer. Essa ressalva preconceituosa estava longe, contudo, de uma ser uma ideia clara a respeito dos efetivos objetivos e meios de Hitler.

 

Tanto Phillipp quanto George tiveram carreiras militares de excelência. O primeiro foi ferido a bala cinco vezes, em ocasiões diversas. O segundo foi condecorado pelo próprio Hitler, em janeiro de 1942. São narradas, de forma sucinta, as diversas batalhas nas quais estiveram envolvidos. É especialmente impactante a descrição do inverno de dezembro de 1941. Naquele mês, a ofensiva alemã deteve-se na periferia de Moscou, subjugada pelo inverno russo. Temperaturas que atingiam -40º, ausência de equipamentos, a entrada dos Estados Unidos no conflito e uma larga contraofensiva russa viraram, definitivamente, a sorte na guerra.

 

Calafetávamos as menores aberturas, forrando as roupas com jornal, papel de embalagens, trapos. Jornal nas cuecas, jornal em volta das pernas, em volta do tórax. O saldado alemão transformava-se em homem inflável. (página 56)

 

O livro deixa claro o conflito entre o exército alemão, cuja maioria das patentes mais altas era ocupada por aristocratas, e a SS, o braço militardo partido nazista, majoritariamente comandado por “plebeus”. O exército controlava a frente de batalha e a primeira faixa da retaguarda. Todos o resto era área de atuação da SS, que realizava a limpeza étnica e combatia as guerrilhas e eventuais revoltas. O que, para nós hoje é evidente, no relato de Phillipp mostrou-se uma surpresa. Somente no final do ano de 1942 teve ele certeza de que a SS realizava assassinatos em massa, por orientação de Hitler e do seu círculo mais próximo.

 

Doravante, eu tinha diante dos meus olhos a prova do abominável. Não se tratava então de fatos isolados cometidos por indivíduos delinquentes. Era um plano rigoroso avalizado pelas mais altas instâncias. Era preciso render-se à evidência: O Estado, em seu conjunto, estava carcomido pelo vício e pelo crime. E o Exército, em seu silêncio e obediência, tornava-se cúmplice do sistema. Hoje em dia esses fatos nos cegam com a sua evidência, Não era assim, em absoluto com os indivíduos daquela época, persuadidos de que a Alemanha era um modelo de civilização, incapaz de cair numa ditadura, muito menos num totalitarismo assassino. (páginas 84-5)

 

 

Coronel Claus Stauffenberg, o primeiro à esquerda.

Somente então, Philipp e George concluíram que Hitler deveria ser eliminado, juntando-se à conspiração urdida pelo General Tresckow.

Muito embora não existam spoilers em livros de narrativa histórica, deixo de descrever os acontecimentos posteriores, para preservar um pouco do mistério para aqueles que não conhecem os desdobramentos.

Operação Valquíria é um livro rápido, de leitura fluída, que se mostra tanto uma história interessante, beirando a ficção, quanto um importante referencial sobre o exército alemão no curso da Segunda Guerra Mundial.

 

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