Crítica: Rivais

No mundo do tênis Challengers são torneios menores da ATP que servem tanto como trampolim para novos atletas que querem chegar em posições de ranking para disputas competições de Grand Slams, quanto para atletas que por muito tempo circularam pelos grandes torneios e hoje em baixa, precisam ganhar pontuação e galgar posições na lista de tenistas e voltar para o circuito mais alto da modalidade. Partindo da premissa, de uma competição do estilo Challengers, em New Rochelle, em Nova York, o diretor Luca Guadagnino nos apresenta um voleio certeiro em seu novo filme Rivais (Challengers, 2024), com estreia nesta quinta-feira.

Rivais começa diretamente da quadra de tênis. Dois tenistas, Patrick Zweig e Art Donaldson se enfrentam na final do Challenger de New Rochelle sob os olhares da ex-tenista Tashi Duncan. Zweig é um tenista fracassado que literalmente não tem onde cair morto e arrisca suas últimas fichas no tênis. E Donaldson é um ex-campeão que hoje está em decadência e devido à ideia de sua mulher e treinadora, Tashi, resolve começar debaixo para voltar ao topo. Só que há uns 15 anos, Zweig e Donaldson eram jovens tenistas e melhores amigos, e ambos eram apaixonados por Tashi Duncan, que era uma tenista prodígio que teve sua carreira interrompida por uma grave lesão. Como cenário, esse casual encontro anos depois, os três precisam resolver e aparar arestas do passado, tanto no âmbito afetivo quanto no esportivo, em um clima de enorme tensão e desejo.

Luca Guadagnino, conhecido por seus filmes intensos (Um Mergulho no Passado, Me Chame Pelo Seu Nome, Até os Ossos), transpassa para a telona o roteiro de Justin Kuritzkes, um triângulo amoroso carregado de paixão, histórias mal resolvidas e tendo como pano de fundo a plasticidade e competitividade do tênis. Rivais é um filme que emana sensualidade, hormônios e sexualidade e não perde a elegância nunca. Misturando passado e presente, numa primorosa edição, conta uma história que se mistura com o esporte. Talvez o tênis seja o esporte mais plástico e hedonista de todos (no simples, é claro), onde a boa forma, a técnica e a intensidade são fundamentais para chegar à vitória, e no caso aqui, os três atores literalmente são corpo, mente, suor e paixão. Somos, como em grandes partidas do esporte, espectadores dessa incrível e requintada história de três atletas ligados pela atração, tanto sexual quanto a vontade de vencer. Mas o que funciona demais no filme é a química contagiante dos três atores. O filme necessita apenas dos três personagens e uma quadra de tênis.

Josh O’Connor está excelente como o talentoso e um tanto autossabotador Patrick. O ator consegue demonstrar a transformação, desde a sua fase jovem, quando era um talento nato e esperança das quadras com sua personalidade forte e autoconfiança até sua vida atual, em que é um verdadeiro perdedor, mas que mesmo assim, ainda tem lampejos de arrogância. Mike Faist, como o ex-campeão Art Donaldson, também está ótimo no papel. Ainda carrega a sombra esportiva do amigo, mesmo com seu presente vitorioso, mas que tem na carreira seu maior troféu, a tenista Tashi. Mas quem comanda a partida é Zendaya. Desde quando faz o papel da jovem Tashi até a madura treinadora, mãe e esposa, a atriz literalmente tem os dois amigos, atletas e rivais na mão. Com seu poder de persuasão, que basta uma ordem ou apenas um olhar, Zendaya tem uma das melhores atuações da carreira, carregando o filme para si, pintando e bordando dos dois amigos, com seu charme e poder de controle das situações. 

Mesmo que só com o tempero do triângulo amoroso que causa frisson no filme já nos bastasse, a película nos brinda com um show de imagens de partidas de tênis. Usando e abusando de uma trilha sonora pulsante, com timbres graves e eletrônicos, as partidas e sets jogados tem uma plasticidade e intensidade vibrantes. Câmeras com closes, tomadas que pegam os atores por baixo, ângulos em plano aberto e a cada troca de bola dos jogadores, sentimos o suor respingando devido ao esforço, ouvimos o gritos e gemidos da quadra, as batidas da raquete na bola, tudo isso num balé plástico de tirar o fôlego. Tudo é minucioso no filme, desde a direção de arte, que com sutileza mostra os pulos temporais com precisão e capricho, até a elegância fora de quadra do trio, com ênfase no charme dos protagonistas. E temos até Caetano Veloso na trilha, com a música Pecado, muito bem encaixada em uma das cenas mais importantes da trama.

Rivais já é, com certeza, um dos melhores filmes do ano, e talvez um dos melhores filmes de Luca Guadagnino, que aqui parece ter encontrado a fórmula quase perfeita de uma trama que une um roteiro caprichado, atuações de luxo, toda a sensualidade e paixão à flor da pele que é característica das suas obras e uma produção que não deixa nenhum detalhe passar, de um primor técnico exemplar.

Se pudesse tentar resumir Rivais em apenas uma passagem do filme, iria para a  cena em que Tashi, ou melhor Zendaya está sentada na plateia, no centro da arquibancada, assistindo ao jogo de óculos escuros com todo o seu garbo, apenas observando seus dois troféus degladiando por cada ponto na quadra, quase como marionetes do poder sutil e dominante de Tashi Duncan. Um momento que pincela a trama repleta de controle, suor e voluptuosidade.

 

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