Zezé di Camargo e Luciano apresentam show comemorativo aos 30 anos da dupla em Porto Alegre

Certa feita li que até 2005 a dupla Zezé di Camargo e Luciano jamais tinha tocado na capital do Rio Grande do Sul, Porto Alegre. Tudo mudou com o filme Dois Filhos de Francisco, onde a história dos irmãos, imortalizada num inesquecível filme, fez os sertanejos subirem de patamar e serem olhados com outros olhos pela crítica. Em suma, precisou Maria Bethânia gravar É o Amor para os goianos ganharem um novo status. Depois disso, passaram a ser habitués de casas de espetáculo em capitais, com ingressos mais caros e público mais selecionado. Mesmo assim, o ranço com o popularesco da dupla ainda povoa a mente dos críticos e imprensa, ainda mais por razões às vezes pessoais com os artistas. Enfim, Zezé di Camargo e Luciano estão completando 30 anos de carreira (32 anos na verdade) e desembarcaram na outrora pouco hospitaleira Porto Alegre, e em um Auditório Araújo Vianna lotado de fãs, fizeram seu show de comemoração com os gaúchos. E nós do NoSet vamos contar para vocês o que achamos dessa noite.

Em diversas coberturas de shows nota-se que muita gente da plateia às vezes está mais no show para aparecer. Principalmente quando bambambãs da MPB tocam, muitos pagam ingressos caríssimos para apenas dizer que foram ver o tal fulano, pouco conhecendo a obra do artista. No caso de Zezé di Camargo e Luciano é completamente diferente. O povo gosta deles, cria uma expectativa, tem fã-clube, ou seja, são a síntese dos cantores populares. Por volta das 21 e 30 a banda entrou no palco e mandou ver numa trilha instrumental para abrir alas pra dupla, que começa o show com um antigo sucesso de Patrícia Marx, Sonho de Amor. Com um arranjo pesado, quebradas de bateria e muita guitarra, característica da dupla, já começam o show, literalmente, conquistando a massa. Destaque para a simpatia e vitalidade da dupla. Emendam um sucesso de 1994, quando vendiam milhões, na mesma pegada Como um Anjo. Aí a dupla dá aquela pausa e faz o que mais gosta nos shows, bater papo e contar causos. Zezé puxa um Querência Amada, hino não oficial do Rio Grande, de Teixeirinha, pra êxtase do público e contam histórias, mexem com a rivalidade dos times da capital, elogiam o Araújo Vianna, enfim, ficamos íntimos da dupla. Mas é um show, né? Então, os dois seguem com a balada Vivendo por Viver, de 1996, em uma delicada intepretação. Você Vai Ver, a belíssima canção de Carlos Colla, transforma o auditório num grande baile, tamanha força da canção. Os anos 1990 estão de volta com Toma Juízo e Preciso ser Amado, essa segunda, como sempre falo, poderia ser gravada pelo Bon Jovi em 1989 que não faria feio.

Mas feio, infelizmente, estava o som. A banda é fantástica, mas o som estava muito alto, distorcido às vezes e os microfones da dupla estouravam e nessas duas canções, onde Zezé tem que estourar a voz, nota-se que os agudos incríveis dos anos 1990 ficaram no passado e o esforço do cantor é angustiante pra tentar chegar às notas. Sorte que uma dupla de backing vocals e Luciano, que cada vez canta melhor, conseguem cobrir as eventuais falhas de Zezé. Axl Rose e o já citado Bon Jovi também sofrem desse mal, hoje não conseguem mais cantar como antes, e no caso de Zezé é uma pena, mas não diminui a arte do cantor. Enfim, segue o show com Tarde Demais, de 2000, num medley com Tão Linda e Tão Louca, de 2010, todas cantadas a plenos pulmões por um público apaixonado pelos cantores. Pra Não Pensar em Você, de 1998, segue o show com aquele arranjo meio hard rock e letra apaixonada, em mais um momento que Luciano segura a voz das falhas de Zezé.

Chega então o momento rancheiro da dupla, mais uns dedos de prosa, os cantores conversam com o público, chamam o naipe para frente e emendam o clássico sertanejo A Estrada da Vida, de Milionário e José Rico, com aí sim Zezé cantando à vontade e soltando sua voz (por mais que alguns alegam ter algum playback…) nesse hino sertanejo. Do Outro Lado da Cidade, sucesso na voz de Guilherme e Santiago, de 1994, segue o mesmo ritmo com muito sopro, gaita e vocais agudos. Dois Corações e uma História, sucesso de 1999, mostra mais uma vez a força da dupla em baladas fortes que estão na boca da plateia. Sem Medo de Ser Feliz e Me Leva pra Casa é aquele momento do show que o povo vai ao banheiro ou busca algo para beber.

A Ferro e Fogo sim, com a sua força do arranjo, faz o auditório ir abaixo novamente. Aliás, digna de nota é a qualidade dos músicos, baterista super técnico quebrando tudo, super guitarristas com solos e riffs melódicos, o baixista Hélio Bernal, que há décadas é responsável pela direção musical dos espetáculos da dupla, tem um baixo seguro, além de backing vocals incríveis, naipes e teclas afiados, em suma, uma big band moderna, com arranjos diferenciados, que sempre marcaram presença nas gravações dos irmãos Camargo. Destaque para grandes telões simulando paisagens, relógios e no caso dessa última canção, fogo.  Menina Veneno, sucesso de Ritchie, que completa 40 anos, é entoada com animação pelo público e por um Zezé maneirando mais na voz.

Na Hora H e Mentes Tão Bem dão uma freada na empolgação, mas antecedem aquele momento chave do show. Zezé pega o violão, chama o irmão, juntos lembram de quando tudo começou, com muita prosa e numa conexão incrível, comandam a massa para ligar seus celulares para iluminar É o Amor, o início de tudo, quando os filhos de Francisco conquistaram o Brasil. Numa interpretação mais intimista, esse que talvez seja um dos maiores hinos da música realmente popular brasileira, deixa o povo em êxtase e emocionado. No Dia em que Saí de Casa, imortalizada no filme de 2005, também é um dos momentos emocionantes do show, cantada em uníssono e com muita ternura pelos ardorosos admiradores dos manos Camargo. Segue o show com Flores em Vida, sucesso mais recente e um repeteco de Sonho de Amor. Realmente, eles devem gostar muito dessa canção, enfim… Pra encerrar o show, o Araújo vira uma festa sertaneja dos anos 1990, com a contagiante Mexe que é Bom, fazendo o povo dançar. Incrível a simetria do público com a dupla, como falei antes, ali tinham fãs, gente que queria ver os artistas, cantar e se emocionar, gente que aproveita cada momento de ligação com seus ídolos, e nesse show do Zezé di Camargo e Luciano, isso é uma constante. No final, a banda manda mais um instrumental e Zezé ainda tem tempo pra se defender de levianas acusações contra ele e Luciano, mostra todo seu lado evangélico, entoando louvores e os dois agradecendo a Deus pelos 30 anos. Honestamente, achei que poderiam ter aproveitado e ter tocado mais umas duas canções, enfim, final desnecessário.

Zezé di Camargo e Luciano 30 anos é um show para fãs, desfilando em duas horas sucessos um atrás do outro, com uma super banda e uma simpatia e energia incríveis, fizeram uma noite de março em Porto Alegre ser inesquecível. Claro que não podemos passar pano para as falhas na outrora incrível voz de Zezé di Camargo que sofre as consequências do tempo e o som que estava extremamente alto, além da presepada do final de louvores. Mas como pontos positivos podemos citar: a emoção de ver essa dupla que está na história da música popular brasileira, de ver como Luciano evoluiu como artista, hoje toca bem violão, guitarra semiacústica e canta cada vez melhor, além de ser de um carisma incrível e Zezé, apesar dos pesares, ainda encanta, com uma presença de palco marcante e uma voz que não desgruda dos ouvidos de quem gosta de se emocionar e ser feliz. Pena de quem menospreza e desperdiça a chance de cobrir esses dois gênios populares, mas azar é deles, porque nós do NoSet estamos sempre pelo bom espetáculo e registrar momentos históricos da música é uma das nossas missões e paixões.

 

Crédito das fotos: Vívian Carravetta

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