Raça Negra 40 anos no Araújo Vianna

“O mundo todo canta Raça Negra”, assim é o slogan atual dos pagodeiros paulistas. Hoje essa afirmação parece óbvia, embora um pouco pretensiosa. Sabemos que até coreanos e japoneses cantam algumas canções do grupo paulista, comprovado em vídeos da internet, se o planeta Terra todo canta não sabemos, mas no Brasil, ao menos desde 1991, sim, todos cantamos Raça Negra. Se no início dos anos 1990, quem fora do meio popular dizia que curtia os pagodeiros era execrado e chamado de brega, hoje em dia isso tudo se acabou, e com sua aura cult ninguém mais tem vergonha de dizer que Raça Negra é bom demais. E a banda, que não tem nada com isso, aproveita esse novo status. Fazendo parte das comemorações dos 40 anos do conjunto, eles se apresentaram mais uma vez em Porto Alegre, em mais uma noite de Araújo Vianna lotado. Estivemos lá conferindo esse momento único da música brasileira.

Casa cheia, sexta-feira agradável, plateia com uma expectativa enorme em mais um show do Raça Negra. O grupo que revolucionou o pagode, com um sambalanço, com influências de Tim Maia, Jorge Ben Jor e Bebeto, letras de dor de amor e que deixou de lado o cavaquinho, abrindo caminhos para o teclado e naipe de metais furiosos (deixando os puristas desesperados), subiu ao palco depois das 21h30min para delírio dos presentes.

Com um palco com inúmeros telões, com ares de superprodução, Luiz Carlos, com sua elegância típica, medalhão de ouro e dormência ocular característica (ele não abre os olhos), começou o show com É Tarde Demais, de 1995, música segundo Guinness mais tocada em apenas um dia no planeta todo. E é claro que o povo cantou junto o maior sucesso da banda quarentona. No embalo dos medleys seguem com um contendo Sozinho, Estou Mal e Volta, todos sucessos românticos da época em que Itamar era presidente, o Real estava começando a sair do papel e o pagode romântico paulista dava a graça em todos os programas de televisão. E o Raça Negra logicamente, vendia milhões de discos.

Em uma homenagem ao gênero que na mesma época vendia milhões como o pagode, atacam de Solidão, sucesso de Leandro e Leonardo, composto por Zezé di Camargo, emulando a época que o pagode e o sertanejo (só faltou o axé) batiam todos os recordes de vendas de discos no Brasil. Luiz Carlos se anima um pouco, pega o microfone na mão, chama as dançarinas e canta Te Quero Comigo e em seguida Lá Vai Ela.  Com Maravilha a galera se empolgou de novo e com Preciso Dar um Tempo o show dá aquela primeira, digamos assim, murchada. Fica nítido que Luiz Carlos anda em marcha lenta, sua voz inconfundível cantando é difícil de entender quando fala, e a própria banda tem diminuído o andamento das músicas, as deixando menos empolgantes, o que tornou o show um tanto quanto irregular, até por que o público já não tinha mais aquela juventude que tinha nos anos 1990 e queria mesmo era sucessos.

A galera se emociona com o sucesso Cigana e com a empolgante e dúbia Deus me Livre (“Deus me livre te amar, mas eu te amo…”, alguém explica isso?). Surpreendente mesmo é a versão de Pescador de Ilusões, do Rappa, que até que deu um belo samba rock. Costumo dizer que o Raça Negra é o pai do Sambô, porque sempre fez versões em pagode de sucessos fora do samba que funcionaram muito bem. Jeito Felino, super clássico dos anos 1990 (aquele do azul do mar…) faz o Araújo suspirar com o romantismo sofrido da banda (que também inventou a sofrência, por que não?) e a outra do set é Só Com Você, mais recente (e chata) que gravaram com Jorge e Mateus.

O baile do Raça segue com Me Leva Junto Com Você, A Vida Inteira, Inquilino (aquela da casa de aluguel), Ainda Amo Você. Aquela sequência que dispersou legal o público, que sentou nas cadeiras, foi ao banheiro, e como o vocalista do Raça Negra, foi molhar a palavra sorvendo chopps e assemelhados. Mas voltando ao grupo, Luiz Carlos é o Raça Negra, desde a fundação em 1983, o cantor segue firme como porta-voz do grupo. Difícil saber quem eram os outros integrantes do grupo, mas com destaque para o baterista Fininho, de longa data na banda e exímio talento, e Fernando Monstrinho na percussão. Fora eles, um grande conjunto de apoio com violão com aquela pegada samba rock, naipes bem executados, contrabaixo no balanço, teclados melódicos e backing vocals afiados, uma big band e tanto.

Com Oi (Estou te Amando) o Raça levanta de novo a galera e segue com Pedindo a Sua Volta e Problema Meu. E chega o momento que Luiz Carlos chama ao palco um afilhado musical seu, o cantor Evandro Júnior. O cara canta bem, boa pinta, mas Luiz o deixa na fogueira quando canta sua música de trabalho, a romântica Vem Aqui (acho que é isso) e a plateia não entende nada. Pra tentar ganhar o povo, canta um Pense em Mim, do Leandro e Leonardo. Mas o mais surreal é que ao voltar, Luiz Carlos manda o pupilo insistir mais uma vez com sua canção, tentando que a galera fixe a letra. Um momento de vergonha alheia e tanto, com a galera dispersa, mas na educação dando força pro rapaz. Infelizmente sucesso não se cria assim, mas sorte para o Evandro. Falando em sucesso, Luiz Carlos agora, depois de molhar a garganta, vem mais animado e emenda dois. Doce Paixão e aquele que foi o início de tudo, Caroline, no primeiro disco de 1991 (curioso como a banda formada em 1983, só gravou em 1991, oito anos depois).

Segue o show com Correnteza do Amor e dois covers em medley, É o Amor, do Zezé di Camargo e Luciano, e Será, do Legião Urbana. Uma das característica do grupo é que em cada disco eles gravaram uma versão pagodeira de algum sucesso de outro gênero. Você Não Sabe de Mim, Somente Você e Vida Cigana, tocadas em sequência, mostram o quanto o show é capenga, e que tem muita música fraca do grupo que são compensadas por ótimas como É Tarde Demais, mega sucesso, tocada novamente e cantada mais uma vez com muita emoção pelas 4 mil pessoas. E, logicamente, para encerrar a banda toca seu maior sucesso popular. Na época era considerado de mal gosto, hoje é cultuado e quase um hino sem fronteiras dos brasileiros. Falo de Cheia de Manias, com direito à introdução pomposa da banda, efeitos nos telões e um Luiz Carlos fazendo passinhos com as dançarinas. Aqueles momentos que valem o show e a espera, finalizando mais uma apresentação do Raça Negra. A única contradição é que no discurso de encerramento, o vocalista pede que sejamos felizes, mas pensando bem, se ouvirmos as músicas do Raça, que são de uma melancolia incrível, às vezes fica difícil, enfim.

Raça Negra é o Luiz Carlos. O que fica complicado acreditar que um cara tão meia fase, mesmo com um voz indefectível mas tão fraquinha, e uma animação tão contida tenha virado um pop star. Mistérios e provas que o sucesso é algo de difícil compreensão. O Raça Negra marcou história, conseguiu vencer o tempo, o preconceito e hoje tem um status que não tinha no passado, mesmo quando vendia milhões de discos e tocava direto nos rádios. Todos amam o Raça Negra mesmo, tem o respeito e um show competente, embora em muitas vezes tedioso e no piloto automático, mas vale o registro e a admiração pra quem está há 40 anos na luta e mantém uma marca e um estilo que mudou a música brasileira e meio que sem querer ressuscitou o samba (mesmo fugindo totalmente do gênero) para o brasileiro nos hoje distantes, mas inesquecíveis anos 1990.

 Crédito das fotos: Vívian Carravetta

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