Xande de Pilares com seu show Esse Menino Sou Eu no Araújo Vianna

Na virada do século passado, passado um certo modismo e saturação midiática do pagode dos anos noventa, muitos conjuntos perderam a força, o ritmo começou a esvair na grande mídia e os novos tempos parece que se voltariam ao passado recente do samba, com o sucesso consolidado de nomes como Jorge Aragão e Zeca Pagodinho. Surfando contra a corrente, um grupo de pagode que balançava as festas do Arranco Toco do Engenho de Dentro, no Rio de Janeiro, que em 2000 começou a aparecer com Zé do Caroço, de Leci Brandão, com roupagem moderna, mas bebendo nas fontes do melhor do samba do Rio, o Revelação começou seu estrelato.

Mais precisamente, com o segundo disco, o grupo entrou no novo século como um dos maiores expoentes da nova geração do pagode. Até 2014 o grupo era comandado por Xande de Pilares, um dos grandes cavaquinistas do samba, compositor e a cara do grupo. Mas chegou o momento da ruptura e o cantor resolveu seguir novas paragens em carreira solo e a banda, sabiamente, com algumas mudanças, segue na estrada. Xande, com uma festejada carreira solo, no início do ano gravou um DVD no Rio com o espetáculo Esse Menino Sou Eu, passando a limpo sua fase Revelação, carreira solo e clássicos das rodas de samba e pagode. Esse show sexta passada aterrissou no Araújo Vianna, em Porto Alegre, numa ventosa e atípica noite fria em novembro na capital e o NoSet teve o privilégio de cobrir o show.

Um bom público, mas longe de lotar o auditório e com um show marcado, curiosamente, para às 21h30min, lamentavelmente começando pelas 22h, a super banda do cantor e Xande entram no palco fazendo todo mundo levantar e cantar ao som de É Capitão, onde o cantor convida a todos para curtir uma inesquecível noite de samba. O show é dividido por blocos, com músicas emendadas umas às outras. Nesse, por mais de 25 minutos, quase sem parar, emenda sucessos da sua carreira e clássicos do Revelação. Segue Samba Bem Bom, Preciso te Amar, Compasso do Amor, Grades do Coração, Esqueci de te Esquecer, Coração Radiante, entre outros, num medley de tirar fôlego, mostrando o melhor do cantor. Animado, a cada cinco minutos gritando “É Gaúcho, Tchê”, às vezes de forma irritante, mas compensado pela simpatia e energia do Xande. Vale destacar a incrível banda de apoio, com uma base rítmica fantástica, cavaco, violão de seis e sete cordas, bateria, teclado, baixo e flauta e dois backings vocals ótimos, seu irmão Wanderson e a talentosa Carla Prieto.

Segue os blocos com canções como Gratidão e Clareou, mais um bloco, o do amor, com Saudade de Amor, Só de Camarote, A Pureza da Flor e Mulher Traída. Em ritmo frenético, explica sua parceria com seu ídolo Zeca Pagodinho, Enquanto Deus me Proteja, classudo samba da dupla. Segue com Do Jeito que a Vida Quer, do Benito di Paula, em que explica que é uma das primeiras músicas que ele aprendeu a tocar. Revisita o maior sucesso do início de carreira do Revelação, Deixa Acontecer, pra delirio do auditório. Não é nenhuma novidade que o público ficou de pé o tempo inteiro, corroborando minha tese que artista popular é que sim tem fã e público que vai curtir e se divertir, ao contrário da MPB e seus malas habitués das cadeiras coladas… enfim, segue com Medo de Amar, de 2008, do antigo grupo e emenda uma homenagem aos seus ídolos do pagode dos anos 1990, Zeca Pagodinho, Cacique de Ramos, Fundo de Quintal e Jovelina Pérola Negra. Num animado pot-pourri amarrou as canções Faixa Amarela, Brincadeira Tem Hora, Bagaço da Laranja, Vai Lá Vai Lá e encerrou com Irene. Depois dessa viagem pelos anos 1980 e 1990 do pagode carioca, faz uma viagem ao nordeste com Marinheiro Só, lembrando a Quelé Clementina de Jesus, Muié Rendeira, Chuá Chuá, Gostoso Demais e termina com Eu Só Quero um Xodó.

Com Velocidade da Luz Xande relembra um dos maiores sucessos do Revelação, cantada em uníssono por um Araújo com samba no pé e na alma,seguida por Só Depois. Como ponto negativo pode-se dizer da má equalização do som. Um dos grandes problemas do Araújo com o samba é isso, como temos muitos instrumentos de percussão, a voz é jogada pra cima e fica estridente, aguda e exagerada e Xande grita demais, em alguns momentos desagradando os ouvidos. Uma constatação que levo dos shows de samba de roda e pagode no auditório é que ainda falta alguma coisa pra termos um som de qualidade. Mas segue o baile, com a divertida Vacilão, ganha a plateia e com a linda homenagem ao mestre Arlindo Cruz, interpreta com maestria O Show Tem que Continuar. Xande brinca com a plateia, versa, improvisa, mexe com colorados e gremistas, enche o saco com o grito “É Gaúcho, Tchê” e tem seu momento Sambô tocando Sina, de Djavan.

Então o cantor sai de cena e deixa os seus backing cantarem. Carla Prieto interpreta Canta e Encanta e depois o hino O Que É o Que É, de Gonzaguinha, depois seu irmão Wanderson, de bela voz, canta Temporal, do Art Popular, indefectível clássico do estilo que fala do apogeu. A dupla mostrando talento solo e autoridade para comandar a massa. Xande volta e canta Meu Lugar, de Arlindo Cruz, depois lembra do início do Revelação, fala como Porto Alegre acolheu a banda nos primórdios e interpreta Talvez, do primeiro disco, seguindo com Fala Baixinho, de 2012. Greve de Amor e Pétalas de Rosas, do Art Popular, seguem o script, mas quando o cantor vai pra galera e encontra um senhora na primeira fila, faz questão de levá-la ao palco, que sentada, é reverenciada por Xande, ele canta Anjo Só, depois canta, em especial pra ela, Como é Grande o meu Amor por Você, do rei Roberto Carlos, em um dos grandes momento de emoção do espetáculo, fazendo o cantor chorar.

No que parecia o encerramento do show, chama a sua banda e cada um munido de um tamborim, chamam na batucada e à capela o hino Tá Escrito, pra delírio da galera, literalmente botando o público abaixo, cantando o contagiante e positivo refrão. O que segue é carnaval do Xande, em que mistura clássicos como Samba de Arerê, Xangô do Salgueiro, samba enredo da Salgueiro de 2019, É Hoje, Vou Festejar, Muito Axé, Zé do Caroço, enfim, uma festa sem hora pra acabar, pois já se passaram mais de duas horas e meia de show e estava no início do sábado.

Quem pôde presenciar esse menino, esse cara, ou simplesmente Xande de Pilares, saiu satisfeito, teve uma aula de simpatia (às vezes até demais…), talento, canções imortais, clássicos do samba e a certeza de que estamos diante de um dos maiores talentos da outrora nova geração. Um cara que começou na base, no respeito, na disciplina, respira música (pena que não tocou cavaco, porque é um dos grandes ases do instrumento desse país), sabe unir a modernidade sem ferir a tradição, e sabe como poucos conduzir mais que um show, e sim uma festa, que quem compareceu saiu feliz, renovado e tendo a certeza que o samba de verdade balança, mas jamais morre. Com caras como Xande, levantando a bandeira do samba e pagode, estamos cientes de que estamos com um digno porta-bandeira… mas podia maneirar no “É Gaúcho Tchê”… mas como diria a frase clássica, ninguém é perfeito.

 

 

Crédito das fotos: Vívian Carravetta

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