Show de Marisa Monte em Porto Alegre

Se eu pudesse definir a cantora Marisa Monte em duas palavras eu usaria suavidade e elegância. A cantora carioca sempre pontuou suas interpretações em um lirismo vocal agravável e, com algumas exceções, sempre apresentou um repertório acessível, com grandes canções populares, mas sempre com seu primor e sofisticação artística que só a Marisa pode transmitir. Sexta passada Marisa Monte apresentou o seu novo espetáculo, Portas, o primeiro de uma trinca de shows no templo da música porto-alegrense, o Araújo Vianna, e nós da NoSet estivemos presentes nessa primeira noite para conferir o primeiro show da cantora aqui em Porto Alegre em mais de 10 anos (ela esteve algumas vezes com o Paulinho da Viola e com os Tribalistas).

Em uma noite típica de fim de inverno gaúcho, com muito vento, mas um céu estrelado, um público ávido pela musa lotava o auditório e pontualmente ela começou o espetáculo. Com direção de arte de Bat Zavareze, com imagens desenvolvidas na obra Fundos, da artista plástica Lucia Koch, e com cenário projetado por Claudio Torres, a banda e Marisa entram ao palco com a canção Pelo Tempo Que Durar, mas o show começa pra valer com a bela  Portas, homônima do último disco da cantora, de 2021. Marisa surge com uma coroa estilizada e um vestido brilhoso deslumbrante, tal como uma rainha da música desfila sua voz impecável com uma banda escolhida a dedo por suas qualidades técnicas. Quanto Tempo segue o baile com mais uma do disco novo, essa em parceria dela com Pedro Baby e seu escudeiro atual, o multi-instrumentista Pretinho da Serrinha. Mas a plateia vibra é com o sucesso de 1994, do disco Verde Azul, Anil, Cor de Rosa e Carvão, a lindíssima Maria da Verdade, do tribalista e parceiro Carlinhos Brow. Vilarejo segue o show, essa do Inifinito Particular, de 2006, com alguns resquícios tribalistas da artista. Uma coisa não podemos negar, Marisa Monte além de cantar, ela encanta, hipnotiza a plateia com sua discreta elegância, seu jeito particular de cantar e sua performance, quase como sereia que domina o palco, como poucos no Brasil. O cenário é um show à parte, cada canção com luzes diferentes, com clima à meia luz, simulações parecendo que a profundidade do palco era menor, ou que às vezes ela estava cantando em um quarto de um apartamento.

A Língua dos Animais segue o show, essa com parceria do outro tribalista Arnaldo Antunes e Dadi Carvalho, seu baixista, no palco. Aliás, como a cantora cita, e Caetano o imortalizou na sua música O Leãozinho, como a gente gosta de ver o Dadi, uma lenda viva da música brasileira, um dos melhores baixistas desse Brasil e de uma simpatia incrível. Salve Dadi! Infinito Particular, de 2006, essa dos três tribalistas, é executada com uma maestria incrível e tendo Praia Vermelha como a próxima canção. Ainda Bem, de 2011, de O Que Você Quer Saber de Verdade, faz o auditório cantar junto, em mais umas das canções da faceta romântica da cantora e que, emendada com seu super hit de 1991, Beija Eu, dá o clima romântico perfeito para o show da Marisa. Muita gente acha que Marisa Monte, como em meados dos anos 1990 ousou e fez discos fortes e criativos, hoje tende a fazer e interpretar canções mais fáceis, românticas, o que seria um desperdício de talento, mas Marisa sempre aliou a sua tradição, requinte, com uma veia popular e nunca deixou de falar de amor de maneira acessível para seu público, doa a quem doer. Totalmente Seu segue o script, abrindo para ultra popular Ainda Lembro, parceira dela com Nando Reis, de 1991, em mais uma prova de sua popularidade conquistada em décadas, com o povo cantando e dançando de pé. O Que Me Importa abre para o seu momento belo, em que faz a sua incrível interpretação de Preciso Me Encontrar, de Candeia, que foi imortalizado na voz de Cartola, samba de luxo. Aliás, a sua banda, com Dadi no baixo e cordas, Davi Moraes na guitarra, o trio de naipe Antonio Neves, Eduardo Santos e Oswaldo Lessa, Chico Brown, piano, violão e guitarra, e Pretinho da Serrrinha na parte rítmica e cavaquinho, serve como escada para as interpretações divinas da artista, uma super banda, mas que não usa e abusa de arranjos megalomaníacos, é discreta (até demais). Ordens ou não da chefe, apesar de talento puro, é comedida, mas muito bem valorizada pela artista. Marisa é artista no rigor da palavra, canta magistralmente, toca, compõe, dança, troca de roupa para suas performances, conversa com a plateia, é simpatia pura, sempre mantendo sua sublime elegância quase blasé, mas contagiante.

O show segue com a lindíssima Vento Sardo, parceira dela com Jorge Drexler, abrindo as portas para dois sucessos radiofônicos A Sua, com ela tocando violão e cantando sublimemente e Depois, a divertida ode otimista  ao fim de um relacionamento, com um dos arranjos mais bonitos de seu cancioneiro. Déjà Vu e Calma, do último disco, esfriam um pouco o público, mas Eu Sei, sucesso do Mais, de 1991, e o mega hit Velha Infância, de 2002, dos Tribalistas, já agitam novamente a calorosa plateia. Com mais duas do disco Portas, Feliz, Alegre e Forte e Elegante Amanhecer, onde ela chama Pretinho da Serrinha para tocar cavaquinho, numa homenagem de uma portelense e um imperiano à escola de samba da Águia de Madureira. Marisa então homenageia o Império Serrano no samba enredo de 1976, Lenda das Sereias do Mar, hoje já um patrimônio da obra da cantora, que como uma rainha Iemanjá, de branco e coroa, desfila e inspira no belíssimo samba.

Na Estrada, aquele sucesso que embala os bares e violões pelo Brasil afora faz todo mundo cantar junto, seguida de Não Vá Embora, com aquele arranjo pesado da banda, com nuances e quebradas, faz o povo delirar. Ela fecha o set com Magalambares, de 1996, do seu chapa Carlinhos Brown, faixa do incrível disco Barulinho Bom. É claro que fazendo trocadilhos com a canção dela, ninguém queria que ela fosse embora e ela e banda voltam pro bis com uma surpresa ao povo gaúcho, cantando Felicidade, de Lupicínio Rodrigues, lindíssima canção do cancioneiro do compositor porto-alegrense e que ficou maravilhosa de se ouvir na voz suave de Marisa. Já Sei Namorar, sucesso absoluto dos Tribalistas fecha o show com o Araújo de pé e para finalizar Marisa Monte embala um Bem Que Se Quis, sucesso que começou tudo na sua carreira, em 1989. Cantando à capela, com um coral afinado, ela conduz a música até certo ponto, que tem a plateia tomada de emoção cantando e, com as luzes apagadas, sai de cena sutilmente, com os fãs terminando a canção, um belo e surpreendente momento, discreto, sofisticado, uma síntese de Marisa Monte.

O show Portas é uma experiência visual, sonora, embalado por antigas e novas canções, com uma banda que prima pela discreta elegância, uma cantora que tem uma das vozes mais lindas do Brasil e escolhe a dedo o repertório. Não teve medo de ousar, e por mais que muitos critiquem o lado mais popular dela, às vezes taxada de brega por falar de amor na língua dos meros mortais, ainda é um exemplo de requinte sonoro, joia rara, um show para cartar junto, dançar, observar, admirar, aplaudir e se apaixonar cada vez mais por Marisa Monte.

 

Crédito das fotos: Vívian Carravetta

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