Lulu Santos apresenta seu show Barítono, em Porto Alegre

E 2023 marca o ano em que o glorioso Luiz Maurício Pragana do Santos completa 70 anos. Mais conhecido como Lulu Santos, ou seja, um dos cantores que mais souberam transformar em músicas o conceito de pop no Brasil, completa sete décadas de vida, e é claro, não pensa em parar. Mas mudou. Depois de anos, viu que tinha dificuldades de atingir tons agudos de sucessos dos anos 1980  e 1990 e se reconheceu um barítono. Um intermediário tom de voz que beira para o mais grave. E Barítono é o nome da turnê de comemoração do Lulu, 70 anos de amor à música, recheada de sucessos e com suas músicas todas transpostas e registros vocais mais confortáveis com a aceitação do tom ideal do artista. Mas para quem é fã do Lulu, isso pouco importa e a tour chegou esse fim de semana para o Araújo Vianna em Porto Alegre, com duas datas de promessa de lotação máxima, na nave espacial da Redenção. E a primeira delas, no sábado, teve a  presença do NoSet, que conferiu essa nova fase do Lulu de pertinho.

Mais uma noite fria no julho porto-alegrense e com um palco fechado por lençóis pretos, dando ar de mistério ao show, um gigantesco público se acomodava pelo Araújo, confirmando a previsão de casa abarrotada. E por volta das 9h10min caem as cortinas e sua banda entra em cena, com um funk que abre os caminhos para a chegada de Lulu quebrar  tudo com Toda Forma de Amor. Nota-se, obviamente, o que já acontecia no seu acústico e como anunciado por ele, um tom mais cômodo na execução da canção, mas nada que a plateia em polvorosa se preocupasse. Quase que como num medley, ele emenda Um Certo Alguém e O Último Romântico em sequência. Agora vamos combinar, que artista consegue abrir um show com três petardos pop desse quilate e tendo mais 20 músicas ainda pra tocar? Só o Lulu mesmo.

Depois do início apoteótico, com direito a plateia de pé desde o primeiro acorde e iluminando o auditório a mando de Lulu, ele manda ver com Sincero, pérola pop do seu disco Normal, de 1985. Adivinha o Quê segue o baile, com aquele clima classudo e sexy,  com direito a solo de guitarra de Tavinho Menezes, o faz tudo da banda do Lulu. Tudo Azul, um dos primeiros hits do cantor, com citação à música Assaltaram a Gramática, dos Paralamas. Em seguida homenageia Rita Lee com uma versão sensual de Caso Sério. Diga-se de passagem, Lulu sempre foi um exímio guitarrista, compositor incrível e bom cantor. A tal baixada de tom nas canções, ao contrário de muitos, não me abalou tanto, ele tem uma voz correta e conseguiu transpor com estilo seus sucessos, ajudado por seu escudeiro, o cantor, dançarino e simpatia Robson Sá e o super baixista Jorge Ailton, que brilham nos backings. Aliás Jorge toca um contrabaixo como uma elegância e precisão exemplar, além de ter uma voz muito boa e o Robson é um show à parte.

Tempos Modernos faz a casa cantar junto (que música dele não faz todos com mais de 30 anos cantar junto?) em um revival ao início dos anos 1980, e a próxima, mantendo o clima Tudo Com Você (aquela que não era pra ir pra Nova Iorque). Na próxima canção Lulu explica toda a sua nova fase vocal, que lhe permite tocar uma canção que não tocava faz muito tempo e ele gosta muito, Esse Brilho no Teu Olhar, de 1983.

Não tem como não elogiar a qualidade do som do espetáculo. Muitos artistas andam zelando muito mal pelos ouvidos do público, com péssimas equalizações, sons embolados e vocais estourados, mas Lulu Santos e sua equipe nos apresentaram um som delicioso de se ouvir e curtir, profissionalismo de quem entende do riscado. Segue o show com Tudo Bem, de 1989, do disco Amor e Arte, uma das mais bonitas do cantor. Segue A Cura, música de 1988, que em 2020 embalou o período de enfrentamento ao Covid. Mas  que falar de Apenas Mais uma de Amor, onde o cantor mostra sua habilidade musical sublime, tocando violão e fazendo todo mundo cantar? Não tem nenhuma canção escolhida ruim, claro que sua fase entre 1982 até fim dos anos 1990 foi o auge total e ele acertadamente (apesar de criticado por não fazer coisas novas ou músicas que não entrem mais nas bocas da galera) premia seus fãs com essas canções que marcaram a vida de tantos brasileiros, uma delas é Um Pro Outro, que divide o vocal com seu quase irmão, o baixista Jorge. Pop perfeito e de qualidade. Entrando naquele ritmo de night dance, emenda Sábado à Noite, propícia para a ocasião e com aquela sonoridade dos anos 90, flertando com o eletrônico e samplers, ajudado muito por seu tecladista e responsável por afins sonoros, Hiroshi Mizutani. Condição segue o set, talvez uma das primeiras canções do artista a flertar com batidas mais eletrônicas, essa do disco Lulu, de 1986. Aviso aos Navegantes segue o rumo do momento do show e Já É, canção mais nova do set, de 2003, fecha o script inicial do show.

Depois disso Lulu faz uma coisa que poucas vezes vi qualquer artista fazer na vida. Além de apresentar a sua banda maravilhosa (não citei no texto o gigante baterista Sérgio Melo, que dispensa adjetivos), fez questão de destacar toda a equipe técnica que montou o seu show, a galera da graxa, uma das que mais penou nos tempos de pandemia, sem eventos para se sustentar. Em sinal de agradecimento chamou todos ao palco e falou o nome de um por um, num momento de extrema emoção, pois só quem sabe como é fazer música sabe a importância dessa galera.

Assim Caminha a Humanidade, ou a música da Malhação, faz o auditório Araújo Vianna quase ir abaixo, com a galera tirando pé do chão. A calmaria zen surfista vem com a sua fase guitarra havaiana, com Lua de Mel, emendando com um medley com Sereia, De Repente Califórnia e Como uma Onda no Mar, não tem como não citar o Fausto Silva, o show parecia ter o maior coral do Brasil. Momentos de luxo da música brasileira na nave encravada no meio do Parque Farroupilha.

Certas Coisas, do seu início de carreira, faz o povo cantar junto, dançar colado e venerar a força da poesia do artista que antes de tocar Tão Bem explica que mesmo que essa letra hoje não tenha mais representatividade na sua vida, faz questão de não revisionar o passado e de apresentar a música para quem o fez ser o que é. Dada as explicações, não tem como não dizer que foi uma das mais cantadas pela plateia. Casa, aquele arrasa quarteirão de 1986, parece uma música feita ontem, de tão forte e popular ainda. E para fechar o show, Lulu ataca com sua homenagem ao mestre Tim Maia, com o sucesso Descobridor dos Sete Mares, que fez muita gente resgatar o síndico e também deu uma guinada na carreira do artista, além de um novo público nos anos 1990, fazendo o Araújo parecer um Disco Inferno Club dos anos 1970, fechando com brilhantismo seu show.

Lulu completou 70 anos em forma, elegante, fino e sincero, com um show excepcional, com som de primeira e um belíssimo cenário, uma banda que dispensa apresentações e um repertório que jamais cansa, um dos maiores hitmakers do Brasil, e com certeza, um dos maiores guitarristas dessa terra, sabe usar como poucos técnica e timbres, mistura a modernidade do instrumento sem abandonar a pegada clássica. Se está cantando mal… enfim, não vi esse show, assisti a um artista que sabe se doar ao seu público. Inclusive soube mais uma vez se reinventar e apresentar esse show recheado de sucessos com um Lulu mais maduro, com voz mais grave, mas que não perde o brilho jamais, e Porto Alegre e o estado todo, com sua simbiose com o artista, é algo difícil de descrever. Vida longa ao Lulu e ao pop perfeito, a gente agradece!

 

 

Crédito das fotos: Vívian Carravetta

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