Encontro Histórico – Replicantes e Ratos de Porão no Opinião, em Porto Alegre

O tempo às vezes define quem fica para a história, ou quem só fez parte da história. E o primeiro domingo de agosto foi uma noite de celebração da longevidade de três ícones musicais e culturais do país. Primeiro, o Bar Opinião, templo sagrado de Porto Alegre, completando 40 anos de serviços prestados à cultura no Brasil, segundo, Os Replicantes, uma das maiores bandas de punk rock nacional, com 39 anos de carreira (2024 promete) e, em terceiro, os Ratos de Porão, com 41 anos de muito hardcore, punk rock e música extrema que já ultrapassou fronteiras se tornado uma das mais influentes do mundo. E essa junção de Bar Opinião recebendo o encontro histórico dos Replicantes com os Ratos de Porão, com uma casa lotada, mostrou a força do som pesado nacional e a admiração e respeito do público pela história dessas duas bandas icônicas. E o NoSet estava lá conferindo essa domingueira punk.

Para abrir a festa, Os Replicantes subiram ao palco quase que pontualmente as 19 horas (sinal dos tempos ou marcas do tempo, no passado um show de punk rock começar em ponto era quase heresia em terras gaúchas) e o quarteto formado pelos irmãos Cláudio (guitarra) e Heron Heinz (baixo), Cleber Andrade na bateria e por Julia Barth, desde 2006 nos vocais da banda, mostrou uma aula de como fazer o simples há 40 anos, mas com a qualidade e visceralidade de sempre. Empilhando clássicos de várias fases da carreira, como Boy do Subterrâneo, Sandina, Nicotina, Só Mais Uma Chance, Ele quer ser punk,Censor, Mentira, algumas mais recentes mas não menos potentes, como Libertà, Punk de Butique,Alguém Explica, Maria Lacerda, Feminicídio ( com uma interpretação visceral e marcante da Julia Barth)e com espaço para seus sucessos Surfista Calhorda, Hippie Punk Rajneesh, em uma hora de show tivemos uma aula intensa de punk rock feito como deve ser. É inegável como os irmãos Heinz hoje são bons músicos, em 40 anos evoluíram demais e o batera Cleber Andrade tem uma precisão e pegada eficiente, mas é Julia Barth que comanda a massa, interpretando os clássicos da banda pré sua fase e o material do seu tempo com um poder, empoderamento e uma voz de trovão raivoso excepcionais. Não vejo mais Os Replicantes sem a presença da Julia. E entre outros petardos e porradas, a banda fecha o show com Festa Punk,clássico do seu segundo disco, seguidas por Go Ahead a maravilhosa A Verdadeira Corrida Espacial. Uma hora de história viva, renovada, aprimorada mas sem jamais perder a essência do punk rock raiz. Impagável a camiseta de Julia Barth, com a  frase na parte de trás: “O Diabo veste farda”. Atitude, competência e provocação, a razão de ser do estilo.

Mas pra fechar essa noite de comemoração da longevidade e vitória de quem está há décadas levantando a bandeira do punk e hardcore, completando 41 anos de porrada sonora, os Ratos de Porão, por volta das 20h30min subiram ao palco do Opinião. Juninho no baixo, com uma bandeira do MST cobrindo o seu amplificador, Boca, um dos melhores bateristas do estilo do Brasil, Jão, cada vez melhor na guitarra e, é claro, a entidade João Gordo, detonando o crossover punk e harcore que os fizeram uma das maiores bandas do planeta. 

Por pouco mais de uma hora, sem tempo pra respirar, tocaram dezenas de clássicos como Alerta Antifascista, Aglomeração, atacam de Amazônia Nunca Mais, Farsa Nacionalista, Lei do Silêncio( todas as três do clássico disco Brasil de 1989) Ignorância, Morte ao Rei, Descanse em Paz, Necropolítica, Crucificados Pelo Sistema,Vivendo Cada dia mais Sujo. Com João Gordo mesmo nitidamente sentindo o peso nas costas da idade, mas com mais energia que no show dos 40 anos, ele teve tempo para agradecer Porto Alegre, brincar com os otários que fazem pix pro Bolsonaro, fez seu discurso antifascista e ainda elogiou a renovação do público que, segundo ele, a cada show tem mais caras novas dispostas a ver os dinossauros em ação. Mas como o negocio não parava, vieram ainda as versões em português dos Ratos pras músicas da banda finlandesa Terveet Kadett, emendando pérolas como Fei e Burro e Rosca Solta. A cada show o Jão manda cada vez melhor na guitarra, com timbre pesado absurdo e aliado a uma puta técnica, Juninho faz o que o baixista de HC tem que fazer e Boca parece um relógio humano com tamanha precisão e pancadaria na bateria. Segue a podreira com Caos,Guerrear,Realidades da Guerra, Conflito Violento, Onisciente Coletivo,Difícil de Entender, Toma Troxa, e Expresso da Escravidão. Ainda tempo para o mega  clássico Beber Até Morrer, e fechando o show com Paranoia Nuclear e Crise Geral.Uma viagem sonora de peso na discografia da banda, recheada de clássicos fazendo um Opinião lotado delirar, fazer mosh, poguear, berrar e curtir a lenda que é o Ratos de Porão.

Em uma noite quente de um agosto de inverno em Porto Alegre, presenciamos duas das maiores bandas deste país, que mesmo passando décadas, mudando formação, dando pausas, continuam produzindo, gravando e mantendo a atitude e energia que carrega o sentimento punk, com engajamento político, protesto, dedos nas feridas, mostrando que em 40 anos as pautas infelizmente ainda são as mesmas e a música pode ajudar a apontar o caminho. E as duas bandas mesmo quarentonas ainda tem muito o que falar com muita lenha pra queimar na cena.

Crédito das fotos: Lauro Roth

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