Crítiica: Eduardo e Mônica

No final de 1981, Fê Lemos e Renato Russo, depois de muitas desavenças, resolveram enfim acabar com o Aborto Elétrico, seminal banda punk rock de Brasília. Mas Renato não ficaria muito tempo parado e, com violão em punho, passou o ano de 1982 abrindo os shows da rapaziada da Colina com a alcunha de Trovador Solitário. No melhor estilo Dylanesco, Renato, com formato acústico folk, entoava suas canções como Eu Sei, Química e uma verdadeira preciosidade: Eduardo e Mônica, a canção sobre o casal que só pôde dar certo pelas coisas feitas pelo coração e fazia a cabeça das plateias na época. Em 1986, já como frontman do Legião Urbana, Renato gravou a canção no clássico disco Dois e a música (com algumas alterações da letra original) virou um sucesso nacional e virou sinônimo de animação em rodinhas de viola, onde bastavam pessoas alegres, um violão e alguém que o tocasse, pra Eduardo e Mônica ser hit certeiro. Muito se falava que a canção daria um filme e René Sampaio, 35 anos depois, transporta a célebre história para as telonas com o seu Eduardo e Mônica, que depois de inúmeros adiamentos, estreia essa semana nos cinemas.

A história é aquela que todo mundo que um dia ouviu a música já conhece: Eduardo, um adolescente de 16 anos, certinho e careta, um dia, numa festa estranha, conhece Mônica, uma menina mais velha que ele, intelectual, estudante de medicina, artista, ativista política e os dois, contrariando qualquer probabilidade, ficam juntos em um relacionamento em que trocam experiências, aprendizados, companheirismo, brigas, mas sempre a paixão, e logo depois, o amor prevalecem.

René Sampaio já tinha entrado com tudo no universo das canções legionárias adaptando em 2013 para o cinema Faroeste Caboclo. Se na sua primeira inserção nos apresenta um filme irregular e pouco marcante, na sua segunda tentativa de adaptar uma música do Legião, René acerta bem mais.  Com um roteiro de Matheus Souza e colaboração de mais algumas mãos, como Claudia Souto, Jessica Candal e Michele Franz, o diretor nos dá sua versão sobre o casal mais “diferentão” do cancioneiro brasileiro. E claro que para preencher quase duas horas de filme, os roteiristas tiveram que adicionar alguns personagens a mais no filme, temos o amigo do Eduardo, o Inácio (Victor Lamoglia), temos o avô do Eduardo, Seu Bira, militar aposentado que criou sozinho o garoto. Também somos apresentado a Lara (Juliana Carneiro da Cunha), elegante médica e professora, mãe de Mônica, que está sempre preocupada com a busca irresponsável (aos olhos dela) da independência e liberdade da filha.

O filme começa muito bem com diversas referências a trechos da letra, muito clima oitentista, uma bem amarrada história de amor, mas aos poucos se perde um pouco no ritmo, se tornado lento demais e abusando de um certo sentimentalismo dramático que pouco condiz com a interpretação que eu tinha da canção. Sempre imaginei Eduardo e Mônica um clima de comédia romântica, alto astral e divertida, só que na visão do diretor, ele explora bastante as tais barras, dramas e perdas dos personagens, tendo um lado até meio sombrio e pesado. Enfim, é apenas como ele e os roteiristas perceberam a canção, com uma eficiente adaptação e apesar de se perder no segundo ato da película, consegue se recuperar e tem belo desfecho.

Gabriel Leone está excelente como Eduardo. Ele mostra bem a mutação daquele garotinho bobo que era e acaba amadurecendo com a vivência e as experiências que vai vivendo com a amada, tudo isso sem nunca perder sua essência e tocante sensibilidade. Já a excelente Alice Braga parece um pouco travada na sua interpretação de Mônica, talvez a visão montada pelo roteiro, de uma Mônica mais séria, egoísta, soturna e realista demais tenha prejudicado a liberdade da atriz, que mesmo assim tem uma atuação boa. Vale ressaltar o empoderamento quase sem querer que Mônica tem no relacionamento, ela consegue ajudar a moldar o novo Eduardo, mostrando sem forçar a barra, um novo mundo que para ele era apenas uma distante realidade, um pouco a sua maneira independente, dona de si mas extremamente cativante.

O tom de nostalgia do filme também fascina muito. Era incrível acreditar que relacionamentos sobreviviam a trocas de telefones (esperar pela resposta), recados da secretária eletrônica podiam definir um futuro e cartas eram um meio imprescindível de comunicação. Fica meio surreal imaginar que alguém poderia ir de Brasília ao Rio de Janeiro de ônibus para visitar a amada e não avisá-la… enfim, surpreendentes anos pré-históricos sem internet. A fotografia de Gustavo Habda também abusa dos planos imensos da capital do Brasil, tomadas com muita iluminação natural e um tom sombrio na fase pesada do filme, diria “dark” (afinal a Mônica gostava da Bauhaus, né?). A trilha sonora também é um achado e nos deleita com clássicos dos anos 1980, com Titãs, Tim Maia, The Cure, The Clash, Pretenders, uma versão de London London (super sucesso de 1986) com violão e voz de Gabriel Leone, A-Ha , Bonnie Tyler, entre outros. Falando em Bonnie Tyler, a cena em que Eduardo sobe ao palco numa festa de moderninhos (ou gente esquisita) e canta Total Eclipse of the Heart (segundo a Mônica, um hit cafona) é uma das mais divertidas do filme.

René Sampaio consegue nos mostrar um filme mais hermético e bem encaixado do que o Faroeste Caboclo. Conta uma história mais redonda, muito bem filmada, com muita paixão e uma química boa dos protagonistas, doses de humor, certa critica política (afinal o Brasil recém tinha saído da ditadura e muitos ainda sofriam com os dramas e outros ainda eram viúvos dela), um cenário nostálgico dos anos 1980, e mesmo com uma perda da mão em certo momento do filme e abusando de um drama pouco condizente ao clima alegre e divertido da canção, tem tudo para conquistar as plateias ávidas por uma bela fábula de amor, mesmo que essa seja de um casalzinho totalmente diferente, mas extremamente apaixonante. E como o próprio Renato Russo sempre dizia, fez a música pegando um pouco de cada personalidade dos seus amigos, tão diferentes em pensamentos e atitudes, mas que quando a paixão batia todas essas tais incompatibilidades iam ralo abaixo e o que imperava era o amor.

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