Crítica: Toc Toc Toc – Ecos do Além

Quem nunca, senhoras e senhores, no quentinho acolhedor de uma cama, na calada da noite, no silêncio absoluto, ouviu barulhos estranhos, como batidas, ranger de portas? Ou ao levantar para assaltar a geladeira ou tirar água do joelho, nunca pensou ter visto um vulto misterioso no fundo do corredor, ou alguma coisa estranha em algum canto da sala? Pois então, esse excesso de imaginação, que às vezes carregamos nos medos noturnos, bem explorados no cinema, pode render bons sustos. Que é o que acontece com Peter, atormentado menino que ouve batidas na sua parede, na estreia de terror da semana, Toc Toc Toc – Ecos do Além (Cobweb, 2023), perturbador filme dirigido por Samuel Bodin.

O já citado Peter tem uma vida, digamos, infernal. Seus pais parecem não bater bem da cabeça, ou super protegendo o menino ou o castigando. No colégio vive à mercê de bullyings diários, onde só tem acolhimento pela nova professa, Divine. E para piorar, começa a ouvir batidas na parede do seu quarto por toda a noite e vozes que clamam por ajuda. Ao avisar para os pais, acaba sendo mais castigado ainda, mas aos poucos, Peter começa a ser dominado por aquela estranha voz, que vai fazer tudo para ser libertada das paredes e acaba manipulando o perturbado menino, que de extrema paz, passa a cometer ações violentas e perigosas.

Fazia muito tempo que não via um filme de terror no cinema que praticamente nos seus 90  minutos de exibição, não dá praticamente folga alguma para o espectador. Com um tom pesado, suspense à flor da pele e uma história triste, o garoto Peter vive uma vida bem difícil, o filme vai construindo um clima sombrio, de tensão e medo quase o tempo todo. Peter vive num ambiente hostil, tanto no lar, quanto na escola, quase sem saída e, aos poucos, a sua única companhia é aquela voz tensa que o chama na noite através de toques na parede. O filme tem a trama inspirada num conto de Edgar Allan Poe, Coração Delator (The Tell-Tale Heart), que o roteirista Chris Thomas Devlin usou como premissa para as insuportáveis e angustiantes batidas ouvidas pelo pequeno Peter. A produção também tem o dedo dos onipresentes Evan Goldberg e Seth Rogen, que milagrosamente apenas produzem a película, pois temos pouco do estilo dos dois na pesada trama.

E tudo ajuda na criação do medo, além dos barulhos noturnos, pesadelos, uma casa escura de madeira, um misterioso desaparecimento, trilha sonora sinistra com caixinhas de músicas e cantos de ninar, escadarias, porões, portas que se batem, aqueles clichezinhos básicos estão todos presentes. Um filme com cara dos anos 1970 e 1980, mas repaginado para os dias de hoje, que mesmo com todo esse amontoado de ingredientes de bolo para fazer medo, o que poderia ser um desastre se mal desenvolvido, Toc Toc Toc consegue se tornar um assustador filme de terror. Ajuda muito também o fato dos pais do menino serem sinistros e pouco amigáveis, dando mais clima para a impotência e solidão total do pequeno Peter.

Pais esses interpretados por Lizzy Caplan, como Carol, e Antony Starr, como Mark, um casal com uma química bem equilibrada, com toques de maldade, negligência infantil e envoltos em mistérios pregressos. Peter é interpretado pelo talentoso Woody Norman (que recentemente fez o filme Demeter, uma nova adaptação de Drácula), que sofre horrores tanto com a sua terrível família, como com um colega mala da escola e agora ainda tem que enfrentar aquela terrível voz. Divine, sua professora, é interpretada por Cleopatra Coleman, em um papel mais discreto, mas tem uma interessante cena da captura da aranha na escola, que ao invés de matá-la, resolve libertá-la para a natureza, metáfora com o que pode vir no filme.

Uns podem torcer o nariz para a parte final do filme, onde temos conhecimento do que atormenta o menino, com um final apressado e abrupto. Sim, talvez a tal criatura poderia ter sido mais elaborada, tanto na personalidade, quanto na aparência, mas o terceiro ato é uma sangueira das boas, violência extrema, que não poupa ninguém, misturando vingança, estar no local errado na hora errada, muita correria, cabelo ao vento e desespero, tudo isso num sombrio cenário, com uma fotografia quase na penumbra, que realça o ambiente soturno da casa e os terríveis segredos que residem por lá.

Toc Toc Toc – Ecos do Além me surpreendeu positivamente. É raro um filme com tantas referências e artifícios que todo mundo já utilizou, ainda criar certa tensão. Também é um filme triste, pesado e com boas cenas de sustos, uma atmosfera bem construída que desagua num final que uns podem odiar, mas outros, como eu, adoraram. Se gosta de um filme de terror, vá sem medo (ou pronto para ficar com medo), que garanto que não irá se arrepender. Só não se assuste se ouvir o seu nome na noite e misteriosas batidas por volta das 3 da madruga…

 

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