Crítica – The Flash. O Flashpoint de Andy Muschietti é muito mais do que fan service

Antes de começar a crítica propriamente dita do filme, preciso alertar aos leitores sobre um dos fenômenos acerca do longa-metragem. Na verdade, mais do que um alerta, esse é um esclarecimento indispensável sobre o próprio Flash e as versões que alguns espectadores e fãs dos quadrinhos aguardavam.

Bem, o Flash tem várias versões nos quadrinhos, filmes e séries. Há uma variação que vai desde o velocista dramático (Crise nas Infinitas Terras), passamos pelo herói mais focado em ser herói (a série The Flash) e há aquele que é quase um pária na Liga da Justiça (a série animada homônima). Isso, entretanto, não é obrigatoriamente um caminho a ser trilhado pela versão do cinema. Não há uma regra sobre como fazer uma personagem ou um modelo que precisa ser seguido.

A versão cinematográfica da DC, transposta por Zack Snyder, trouxe a nós um herói ainda em desenvolvimento, imaturo e divertido. Isso não é uma sentença para dizer que ele precisa ser sempre assim, mas é válido lembrar que o público de cinema (ou streaming) nem sempre conhece as origens das personagens de uma obra baseada em quadrinhos. Logo, mudanças ou explicações quase sempre estarão presentes em adaptações. 

Como sempre, vamos ao trailer para que aqueles que ainda não assistiram ao filme tenham uma melhor compreensão da crítica. 

Qual a trama de The Flash?

Alguns aguardaram (equivocadamente) por uma versão exata daquilo que foi visto em Flashpoint. Isso, sejamos honestos, seria de uma incoerência absurda, sobretudo quando analisamos os filmes anteriores que se ligam a este. Não houve um preparo nos filmes do DCU para a saga Flashpoint, fato que impede a adaptação dessa obra.

Sendo assim, The Flash segue por um caminho “próximo” à saga dos quadrinhos, porém com vida própria. Não se trata, portanto, da saga Flashpoint, fiquem avisados.

Em sua essência, o roteiro mostra, basicamente, o herói na busca por ter de volta sua mãe que foi assassinada. Isso ganha vulto quando o pai do Barry é injustamente acusado de ser o responsável por isso. 

A trama se desenvolve – na verdade – a partir do descobrimento do Flash de sua capacidade em voltar no tempo. Contudo, como esperado, nem tudo corre bem e começamos a verdadeira aventura no multiverso. E para sair bem dessa história, Barry (Ezra Miller) terá que contar com novos amigos que acabam por se tornar os responsáveis por alguns dos melhores momentos do longa. 

Barry jovem.

Muitos não compreenderam a versão jovem do Barry. Alguns odiaram por se tratar de um adolescente que se torna chato por ser mais falante do que o Grilo Falante. Entretanto, essa versão mais nova de Barry Allen é proposital. Ela é uma crítica direta aos que vivem como se não houvesse amanhã, uma crítica ao jeito louco de viver dos jovens e, ao mesmo tempo, um lembrete sobre como é a maioria dos garotos. 

Jovens, via de regra, têm características similares: a falta de responsabilidade, o protecionismo dos pais, a hiperatividade e tudo mais que vem no pacote. São impulsivos, irritantes e imprevisíveis… assim como nós mesmos já fomos um dia. Não é uma crítica ao jovem em si, mas apenas uma contestação sobre os efeitos da pouca experiência e do imediatismo característico dessa fase da vida.

O jovem Barry é um lembrete para o adulto sobre a importância do amadurecimento, assim como serve para destacar que esse amadurecimento só acontece por meio da tentativa e erro, pois todos sempre estamos em um contínuo processo de aprendizado.

Todas as passagens com os dois “Barrys” são, em sua essência, amostras das dificuldades existentes entre pessoas de gerações diferentes. Mesmo sendo o mesmo indivíduo, há peculiaridades e experiências que os distanciam. Aprender a conviver com isso é uma das lições contidas no filme.

Ver os dois é um claro lembrete para nós, já adultos, sobre todas as inconsistências e dúvidas que habitavam nossa mente quando éramos mais novos. 

Supergirl e Zod.

Não há spoiler ou novidade quanto à presença da Supergirl (Sasha Calle) e ao retorno de Zod (Michael Shannon). Ambos são kryptonianos, porém há uma passagem que destaca o fato de que isso não os torna iguais. Kara é a representação do melhor que a civilização daquele mundo poderia criar, enquanto Zod é um vilão baseado em princípios ideológicos que, para ele, justificam o extermínio e a violência contra seus inimigos (qualquer semelhança com o líder do Terceiro Reich é mera coincidência). Aliás, a desculpa da retomada de uma raça pura não está presente em The Flash e Homem de Aço por acaso, já que essa ideologia presente em Zod é também similar à de Hitler, não apenas contra os judeus, já que ciganos, imigrantes e até inimigos políticos foram vítimas dele. 

Uma das vítimas de Zod neste filme chocará o público, sobretudo pela forma como ele a matou…

Kara é a melhor versão da Supergirl no cinema. Ela é vítima de uma raça que não confiou nela, uma mulher torturada por anos e que poderia se tornar uma ameaça para a Terra, mas prefere seguir o caminho dos bons. Sasha surpreende com sua atuação consistente e auxiliada pelos efeitos visuais que, novamente, a tornaram a melhor Supergirl que já vi.

O Batman (de Michael Keaton)

Após marcar presença como o Homem-Morcego em dois filmes (1989 e 1991), Michael Keaton se distanciou da personagem. Entretanto, não há dúvidas de que uma grande parcela dos fãs do Batman (nos cinemas) considera o ator como o melhor Batman/Bruce Wayne.

Gosto demais dele como o Batman, mas também curti as versões de Ben Affleck e Robert Pattinson. São versões destoantes e complementares…

Agora um fato precisa ser destacado: essa versão do Batman em The Flash é simplesmente sensacional. Seja na versão Bruce Wayne ou como o próprio Morcego, o fato é que Keaton tem um carisma absurdo e dá vida à personagem com extrema facilidade. 

Com o uso de ótimos efeitos visuais, esse Batman convence e deixará saudades. Aliás, o trio composto por Flash (os dois), Batman e Supergirl geram alguns dos melhores momentos de toda a trama. 

O mais irresponsável, o maior sacrifício.

Barry passa o filme inteiro na busca pela correção de um passado. Esse, acredito, é o maior sonho de qualquer pessoa: poder voltar e corrigir os erros. Voltar no tempo para dar um último abraço, não dizer aquelas palavras que magoaram, fazer uma ligação para quem amamos, poder ficar mais tempo por perto… são tantas as falhas que poderíamos evitar, mas que jamais teremos chance em corrigir. O tempo é cruel e inclemente. O tempo não retrocede, fato que essa obra de ficção faz questão de arremessar em nossa face.

Aproveite ao máximo as pessoas que ama, dedique-se mais aos que ainda estão com você, já que quando as perderemos ou quando nos perderão é uma questão que somos incapazes de responder.

A imprevisibilidade do futuro e a certeza do passado devem, para os que buscam aprender, servir como ferramenta de crescimento pessoal.

Barry aprendeu com o máximo de sofrimento. mesmo com a existência de uma versão mais jovem e aparentemente irresponsável, não há como negar que essa versão faz o que pode para agradar e cumprir com as ordens de seu “eu” mais velho. Há muitas lições mostradas durante a convivência dos dois… e outras lições espalhadas pelo filme.

Lições.

As antigas histórias sempre vinham com um ingrediente que era usado para melhorar ou ao menos incentivar a melhora daqueles que as ouviam: era a chamada “moral da história”. 

The Flash tem alguns pontos controversos e até mesmo pontos técnicos que não atenderam às expectativas, porém ninguém pode criticar o filme em seu ponto focal, isto é, em sua mensagem que está embutida na trama. É entretenimento com conteúdo, apesar do esforço que muitos fazem para não enxergar isso.

E é claro que um dos pontos principais precisa ser relembrado aqui: a luta de Barry Allen para “evitar” o assassinato de sua mãe. Qual o bom filho que não gostaria de ter a oportunidade de viver mais ao lado de sua mãe? Isso ganha amplitude quando o filho em questão já perdeu a mãe ou o pai, pois a dor é gigantesca. Só para evidenciar, uma das cenas fez com que várias pessoas no cinema chorassem. 

Obviamente que muito desse drama se deve às ótimas atuações de Ezra e da atriz Maribel Verdú (a mãe de Barry, Nora). Maribel já mostrou seu talento ao interpretar uma mulher que ajuda a menininha do filme O Labirinto do Fauno.

Outro ponto muito importante é a valorização da amizade e do trabalho em equipe. Ajudar – mesmo pondo a si mesmo em risco – é uma atitude muito presente no longa-metragem.

Por fim, como já destaquei mais acima, o aprendizado obtido do convívio entre os jovens e os mais velhos é algo importantíssimo que ganha pertinência nessa obra.

Efeitos visuais.

Antes de mais nada, esclareço que os efeitos visuais presentes nas cenas onde Barry está na Cronoesfera é proposital. Andy Muschietti afirmou isso recentemente e informou que a visão “com CGI visível” é uma estratégia para mostrar ao espectador a visão do próprio Flash.

No mais, gostei bastante das demais aplicações dos efeitos visuais. As cenas de combate são muito boas, a corrida do Flash e as cenas dos Batman e da Supergirl impressionam. A exceção, sendo honesto, fica por conta da cena dos bebês. Aliás, o final da cena dos bebês é uma das partes mais divertidas que vi no longa-metragem, o que destaca o quanto não me incomodou esse “relaxamento” no CGI desta parte.

A única cena que me causou desconforto foi a do Batman de Ben Affleck em uma passagem pós-perseguição. A máscara do Batman está absolutamente estranha, mas nada que prejudique a ação em si. Óbvio que alguns fãs remeteram imediatamente ao Superman de bigode (removido digitalmente) mostrado na versão Joss Whedon e corrigido em Liga da Justiça – Snyder Cut. Não há qualquer explicação plausível para essa forma estranha da máscara e do rosto de Ben Affleck como Batman, infelizmente.

P.S.: o termo Cronoesfera também está presente no filme Alice através do espelho

Referências.

São várias as referências contidas em The Flash. Há ligações com a Liga da Justiça de Zack Snyder, os filmes Batman (1989) e O Homem de Aço (2013), diálogos que remetem à animação Superamigos, cenas de hipervelocidade inspiradas no Mercúrio, do filme X-Men: Apocalipse, entre outras. A própria Kara é muito próxima da Supergirl vista em O Cavaleiro das Trevas III, de Frank Miller, ao menos no quesito uniforme, mas também remete à heroína em Injustice. 

Como complemento, há várias aparições que agradarão aos fãs dos heróis no cinema e nos quadrinhos. Algumas são tão marcantes que a vontade é pausar o filme (sic) e voltar para ver, algo impossível, pois o filmes está em cartaz apenas nos cinemas (e vale ser visto nas telonas).

A citação ao multiverso é uma clara alusão ao clássico dos quadrinhos “Crise nas infinitas Terras”, assim como outras produções que lidam com o tema.

O universo cinematográfico também está presente em The Flash. Footloose, Top Gun e, em especial, De Volta para o Futuro são obras citadas. 

E por falar em Eric Stoltz, esse é um dos nomes mais citados (fora do universo do filme), já que ele é o cara que interpretou Marty McFly em De Volta para o Futuro. Não entenderam? Bem, Stoltz chegou a interpretar McFly, mas foi substituído. Para compreender melhor essa piada assista ao próximo vídeo…

Nota final.

The Flash não é um filme que ficará marcado como uma obra-prima do gênero “super-heróis”, porém tem muitos pontos positivos e foi corajoso ao abordar temas relativamente complexos. A inclusão de uma Supergirl à altura da personagem e a presença de várias surpresas ao longo do filme são pontos extremamente positivos.

As falhas de CGI em certos pontos são, essencialmente, um incômodo, ainda que não atrapalhem a experiência de assistir à obra.

Diante da expectativa gerada por várias críticas (positivas e negativas) e pelos famigerados trailers, creio que muitos vieram aguardando outro filme espetáculo, assim como foram alguns da DC e da Marvel. Mas nem sempre um bom filme é sinônimo de ação desenfreada e efeitos visuais milionários. 

Claro que The Flash poderia ter evitado os pequenos erros que viraram motivo de grandes críticas. Não tenho dúvidas sobre o conhecimento da Warner e de produtores de Hollywood acerca da total ausência de paciência e compreensão por parte da esmagadora maioria do público. Logo, se o filme não for tão bem nas bilheterias, deixemos os agradecimentos aos empresários da Warner que, novamente, optaram pelo descaso às contínuas críticas dos fãs. 

Como já deixei nítido, eu gostei do filme e sei que há falhas. Entretanto, as falhas não foram suficientes para me impedir de sair feliz da sessão de cinema. Algo tem que ficar claro: cinema é essencialmente entretenimento; e The Flash é um bom entretenimento. 

P.S.: o filme inclui participações (virtuais) mais do que especiais. 

P.S.2: a cena pós-crédito soa um tanto estranha, mas há indícios de que possa estar ligada às futuras produções de James Gunn. Quanto aos créditos, estes, sim, valem a pena.

 

 

 

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