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Crítica: O Dublê

Nos celebrados anos 1980, uma série (que na época chamávamos enlatados americanos) fez muito sucesso no Brasil. Tendo como trilha de fundo da abertura da série, o country The Unknown Stuntman, Lee Majors (que também cantava a tal canção) estrelava Duro na Queda (The Fall Guy). Ele era Colt Seavers, um dublê de cinema, acostumado a cenas intensas e perigosas, que nas horas vagas era um caçador de recompensas que auxiliava pessoas juradas de morte e buscando foragidos perigosos, usava suas técnicas aprendidas nos filmes de ação. Lee Majors, que já foi O Homem de Seis Milhões de Dólares em série homônima de sucesso nos anos 1970, ficou muito famoso no Brasil. A camionete que ele usava no programa, uma GMC Sierra, virou febre, inclusive tornando-se brinquedo pela saudosa Glasslite. Heather Thomas, a protagonista da série, também virou musa no Brasil como Jody Banks. E para saciar nossa nostalgia, em 2024, o diretor David Leitch, que já foi dublê de Brad Pitt e Jean Claude Van Damme, resolveu filmar O Dublê (The Fall Guy, 2024), uma homenagem à série oitentista e à classe dos dublês.

Colt Seavers é um famoso dublê. Conhecido no meio, faz as cenas de ação do astro de filmes de ação e pancadaria Tom Ryder. Colt também namora a operadora de câmera Jody Moreno e está feliz com a carreira. Até que um grave acidente o faz sair de cena por um bom tempo. Mais de um ano depois do fato, a produtora de Tom Ryder, Gail, convida Colt para fazer parte de um filme que está sendo rodado na Austrália. Lá descobre que Jody é a diretora do filme, uma ficção científica de amor chamada Metalstorm, reacendendo sua paixão. Mas o grande problema é que Tom Ryder sumiu de cena, desaparecendo do set de filmagem e Colt é intimado a achar o astro, se metendo em diversas enrascadas pelas ruas de Sydney e só suas habilidades como dublê podem ajudar a resolver o caso.

David Leitch conhece do riscado. Sendo o “stuntman” de gente famosa, resolve ao mesmo tempo homenagear a oitentista série, como toda a classe quase invisível dos dublês de filmes de ação. E ele não faz feio. Com roteiro intenso de Drew Pearce, o filme tem uma história com belas reviravoltas, muito humor, cenas de ação empolgantes, romance e uma trama típica de mocinhos e vilões. Em suma, David apresenta tudo o que o público quer para uma divertida sessão de cinema. E ao contrário de seu filme anterior (Trem Bala), o diretor consegue dosar bem as cenas onde o amor está no ar, as pitadas cômicas e as vigorosas cenas regadas a perseguições, pancadaria, tiros e explosões. Tudo muito bem calibrado usando da metalinguagem para nos mostrar a importância de profissionais que se arriscam nas telonas para ficarmos impressionados com passagens fantásticas de pura adrenalina.

Mas o filme teria outro charme se não tivéssemos Ryan Gosling como Colt. O ator, que anda na crista da onda pelo seu ótimo papel como Ken, esbanja todo seu carisma e bom humor na construção de seu personagem. Colt Seavers é um cara de bem com a vida, bem humorado, apaixonado por Jody (chora ouvindo Taylor Swift ao lembrar da amada) e um tanto quanto ingênuo. E nas cenas onde o pau come solto também manda bem, com sua jaqueta do Miami Vice, se metendo em perigosas e explosivas confusões. Emily Blunt também está ótima, mostrando através da passagem do tempo, que como de uma inocente assistente de câmera, passou para uma empoderada diretora de um filme de ficção científica. Mas mesmo assim ainda é apaixonada por Colt, com direito a cantar Against All Odds, de Phil Collins num karaokê lembrando a ausência do amado (que ao mesmo tempo estava numa perseguição frenética pelas ruas de Sydney, em uma das melhores cenas do filme). Hannah Waddingham também está bem como a manipuladora produtora Gail.

A trilha sonora também é outro golaço da trama. Recheada de clássicos dos anos 1980, mas com destaque da música I Was Made For Loving You, do Kiss, tocada incessantemente como trilha principal, ajuda a dar aquela empolgação que só os hits daquela época provocavam. As cenas de alto impacto também são ótimas, com muitos carros explodindo, indo para os ares, passagens com helicópteros e arriscadas subidas, gente pegando fogo, sequências na água com lanchas e tiroteios e muita porrada comendo solta. David usa todos os elementos para gabaritar o que de melhor um filme do tipo pode nos presentear.

O Dublê é uma ode aos bastidores do cinema. Suspiramos por nossos atores preferidos (menos o Tom Cruise, né?, ele não usa dublês…), mas os invisíveis profissionais que matam um leão por dia são muito pouco reconhecidos, não concorrem aos Oscar e estão constantemente lesionados. E David Leitch presta com louvor essa homenagem tanto à série (vale a pena ficar até o pós creditos para matarmos as saudade de dois ícones), como a esses super-heróis anônimos que também são lembrados com as cenas em que participaram ao lado dos créditos, numa espécie de making off dos momentos mais explosivos do do filme. Tudo isso conduzido com uma intrigante e mirabolante história, com um homem inteligente, repleto de piadas, tiradas rápidas e trocadilhos certeiros, e o principal é a diferença para um filme desse estilo: a escolha do casting. No caso, a inclusão de Ryan Gosling, com seu bom humor e encanto é o diferencial para o sucesso e diversão garantidos da película. Um filme pipoca caprichado, no tom ideal para uma tarde ou noite de passatempo empolgante no cinema. Vá a aproveite!

 

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