Crítica – Telefone Preto 2
Há quatro anos, quando o telefone do insalubre local de cativeiro que Finney estava preso tocava, ele não dizia um alô sem resposta e sim ganhava ótimas dicas de garotos que tinham sido vítimas do mascarado sequestrador. Misturando filmes de serial killer com sobrenatural, O Telefone Preto (Black Phone, 2021), crítica aqui, foi uma gratíssima surpresa daquele ano, com uma história que se passava nos anos 1970 e terminava com um final feliz, ao meu ver, definitivo. Aí aquela pergunta que não quer calar: precisava de uma continuação? Bem, o diretor Scott Derrickson achou que sim, e nessa semana estreia, quatro anos depois, O Telefone Preto 2 (Black Phone 2).
O ano é 1982, quatro anos após os acontecimentos do primeiro filme, Finney está mais crescido, mas logicamente ainda não superou o terror que passou nas mãos do sequestrador. Mas é sua irmã mais nova, Gwen, que começa a ter sonhos estranhos, que envolve sua falecida mãe em um acampamento nos anos 1950, garotos mortos lá, e claro, a presença do psicopata. Sonâmbula, sempre é acudida pelo irmão em locais inusitados, mas em um desses sonhos, descobre que a solução é ir até o tal acampamento cristão que sua mãe era monitora quando jovem. Os dois, mais o namorado dela Ernesto, irmão de Robin, uma das vítimas há quatro anos do assassino, acabam se voluntariado para serem monitores no local, que é encravado nas montanhas de neve do Colorado, para acabar de vez com o mistério que tanto perturba a jovem Gwen.

Sou daquela ideia de que essa ânsia por continuações acaba podando a criatividade do cinema. Se O Telefone Preto (2021) não era nenhuma obra-prima, ao menos deixava dúvidas no ar se o sobrenatural sugerido era apenas cria da imaginação do sofrido Finney. Em O Telefone Preto 2, Scott Derrickson chuta o pau da barraca e escancara de vez os fantasmas. Sim, por que o sequestrador não poderia ser nada além de um fantasma na continuação, já que foi morto pelo garoto. Só isso já transforma o filme em mais um genérico e pouco imaginativo filme de terror. Como se não bastasse, com uma inspiração descarada em Freddy Krueger, o malvado psicopata atormenta em pesadelos a pobre Gwen. E não só atormenta, faz de gato e sapato dela, que fica cheia de marcas, hematomas e ensanguentada com as agressões que sofre nos sonhos. Um cópia descarada do psicopata das garras afiadas. Tudo isso muitas vezes conduzido por imagens propositalmente granuladas, dando aquele ar de filme em VHS e também mistura um pouco de Sexta-Feira 13, tendo um acampamento isolado de inverno, onde uma nevasca o deixou sem condições de fugir. Ou seja, quase que dava pra fazer um novo crossover Freddy x Jason.

E o roteiro também explora uma conexão espiritual na trama. Gwen, guiada pela mãe, serve como uma libertadora de almas, no caso, os meninos mortos naquele local, tudo isso, com muita fé cristã, frases feitas e analogias ao céu para chegar à redenção e o inferno como aprisionamento de espírito. Mas todos esses dilemas profundos são apresentados de uma maneira que beira à caricatura e faz a gente não levar muito a sério. E as subtramas também fazem o filme parecer mais denso do que é, fugindo do simples e complicando a trama, deixando um monte de arestas soltas e mal explicadas. A trilha sonora de Mark Korven homenageia, até demais (leia-se cópia), a atmosfera oitentista, mas não causa o impacto desejado. Em suma, mesmo com a boa vontade e ousadia de tentar dar uma amplitude maior à trama do original, que era um genial jogo psicológico entre vítima e agressor, O Telefone Preto 2 erra muito mais que acerta, e mesmo utilizando os mesmos protagonistas do original, a ideia de uma sequência, ainda mais nesses moldes, não convence mesmo, nem quando todos os mistérios são revelados de uma maneira tão expressiva, perdendo o ar da graça da trama.

Mason Thames e Madeleine McGraw, seguem com seus papeis (quatro anos mais velhos) de Finney, o garoto que matou o diabo, e ela a menina que é perturbada por vozes, sonhos e corpos mutilados. Thames é mais coadjuvante na trama e Gwen tem um papel mais complexo e físico, porque sofre um bocado com o sequestrador, mais uma vez interpretado por um mascarado Ethan Hawke, sempre ameaçador e com aquela voz sinistra. Miguel Mora faz o água de salsicha Ernesto, que literalmente não ajuda em quase nada no filme, Demián Bichir interpreta Armando, o supervisor geral do acampamento e Arianna Rivas tem o papel de Mustang, sua sobrinha. Jeremy Davies novamente interpreta Terrence, o pai alcoólatra em recuperação dos irmãos Finney e Gwen.
O Telefone Preto 2, ao invés de uma chamada promissora, está mais para um trote desagradável, essa linha cruzada com o sobrenatural e cenário dos anos 1980 parece mais uma cansativa chamada ocupada que não sai do lugar, ficando nítido que uma continuação, ou melhor, uma nova tentativa de ligação no telefone preto soa mais com um verdadeiro engano.
