Crítica: Serial Kelly

O saudoso jornalista Paulo Cavalcanti, que era conhecido como a internet antes da internet, tamanho conhecimento sobre qualquer assunto, teve uma época de ironia pura e foi crítico de cinema do jornal  Notícias Populares. Era comum ao analisar filmes como O Sétimo Selo, de Ingmar Bergman, fazer críticas curtas e grossas do tipo: “Filme chato onde cavalheiro joga xadrez com cara vestido de morte”. Ou filmes como Teorema, de Pier Paolo Pasolini: “Filme em que bonitão come todo mundo da mesma família”. Enfim, assistindo Serial Kelly, do diretor Renê Guerra, dá vontade de acionar o modo Paulo Cavalcanti, falando sem ironias e com seriedade, resumiria uma crítica assim: “Filme ruim, fuja”. Mas não tenho o brilhantismo do Paulo e não sou tão maldoso assim  e vou tentar resenhar esse filme pavoroso que estreia nessa semana nos cinemas brasileiros.

 

A sinopse conta a história de Kellyane, um misto de cantora de tecno brega, quenga e justiceira, que ao mesmo tempo que busca ascensão na sua carreira, acaba cometendo alguns crimes pelos caminhos do interior do Alagoas. Tendo como escudeiro o seu cacho, Tempero, e sendo explorada tanto por empresários do ramo, cafetinas e pastores, ela é perseguida por uma policial dura na queda, que mesmo pretendendo colocá-la na cadeia, quer defender a sua caça do sensacionalismo midiático da pitoresca história.

Enfim, juro que tentei, no início achei a premissa fantástica: uma serial killer do sertão acabando com os cabra da peste safado que encontra pelo caminho e a polícia atordoada, atrás da tal cantora que intercalava sua carreira pelos inferninhos das inóspitas regiões, com suas cruéis mortes. Em suma, um terrir do sertão, com uma cantora atriz simpática e talentosa como a Gaby Amarantos. Mas o filme segue tudo ao contrário. Tenta dar uma seriedade sem sentido a um roteiro mal-acabado, sem pé nem cabeça e dividido por capítulos, feito pelo diretor e Marcelo Caetano, numa trama que em nenhum momento engrena. Ou seja, não tem mistério, não funciona como policial, comédia zero, não prende a atenção e nem o carisma da Gaby funciona. Vá lá, tem como méritos algumas belas paisagens da região muito bem fotografadas por Pedro Urano, e por incrível que pareça, o melhor do filme é  a trilha sonora, com deliciosos hits tecno bregas, músicas bregas clássicas do passado e uma versão de Psycho Killer, dos Talking Heads, como tema da primeira serial killer brasileira, a tal da Kelly.

 

Gaby Amarantos, uma grande cantora brega do Brasil, já mostrou seus dotes como apresentadora e atriz, mas no filme, que podia ser sua consagração, nos apresenta uma personagem engessada, sem graça, com motivações dúbias e, infelizmente, desperdiçando um grande papel, já que talento ela tem, porém com um roteiro desses nem Meryl Streep faria muita coisa. Igor de Araújo, o “Tempero”, malandro que vive às custas de Kelly, é outro estereótipo mais do mesmo, sem graça alguma, que diga-se de passagem até tenta dar uma dignidade pro papel, mas a falta de talento impede do personagem sair do lugar. Paula Cohen, como a policial Fabiula, que persegue a assassina em série, simplesmente coloca no liquidificador todos os estereótipos da “tira” de filme estadunidense e nos apresenta uma personagem sem sal, abusando de clichês que já vimos mil vezes. Então, além de uma trama ruim, temos um elenco que fez de tudo para piorar o filme .

Serial Kelly afunda completamente numa história que pretende se levar a sério demais, tenta usar a exploração masculina como escape dos crimes violentos de Kellyane, que em outra situação e enredo poderíamos até torcer pela assassina, mas aqui torcemos sim pelo fim do filme, além de usar muito mal o paralelo da carreira da artista que quer fugir saindo em turnê e conseguir o sucesso a qualquer custo. Mas o maior pecado da película é desperdiçar a simpática e talentosa Gaby Amarantos num papel esquálido, robótico e totalmente sem graça, pra não dizer patético. Enfim, Serial Kelly é aquele filme que se tinha como pretensão usar as belezas do estado do Alagoas e um trampolim musical para as deliciosas versões do tecno brega da cantora, acaba sendo um aborrecimento tedioso de menos de uma hora e meia (ainda bem que é curto). Como diria o Paulo Cavalcanti, talvez no resumo do filme se limitaria a dizer: “Ruim”.

 

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