Crítica: Resistência

Desde que Hal 9000, há 22 anos (tá, vá lá, em 1968…), resolveu tomar as rédeas da nave espacial, tocando o terror e morte na tripulação da Discovery, o cinema de ficção científica sempre nos apresentou a revolta das máquinas contra seu criador, como uma das maiores ameaças da vida humana na Terra. E, honestamente, em tempos de ChatGPT e a inteligência artificial mostrando suas garras, realmente não sabemos, como diria aquele famoso samba: o que será o amanhã? Pegando esse gancho, de um futuro onde não sabemos que tipos de consequências teremos com a Inteligência Artificial (IA), essa semana temos como uma das estreias mais aguardadas o filme Resistência (The Creator, 2023), onde o diretor Gareth Edwards apresenta um conflito pouco amistoso entre o ser humano e a inteligência artificial.

Logo somos apresentados a um cenário, por volta dos anos 2030, onde a inteligência artificial convive e muito bem com o ser humano. Substitui trabalhadores, compete em corridas, alguns robôs formam elites como soldados praticamente indestrutíveis e o melhor: sem medo de qualquer situação. Só que demos muita confiança a tal IA e um dia “acidentalmente”, um botão é apertado em Los Angeles e 10 milhões de pessoas são dizimadas na explosão de uma bomba atômica. Devido a esse descontrole, os Estados Unidos resolvem aniquilar a IA da vida cotidiana, mas na Grande Ásia, ela ainda tem guarida, e é lá que se descobre que existe um tal Criador, uma força da IA, que construiu uma arma mortal que pode aniquilar a Terra de vez. Para isso, Joshua, um ex-agente amargurado pela perda da esposa anos atrás, é mandado com uma elite de soldados para destruir o tal Criador pelas terras asiáticas.

Gareth Edwards está de volta, tentando dar fôlego ao gênero ficção científica e assina o roteiro junto com Chris Weitz, dessa inventiva história que faz um espécie de mix de muita coisa que o gênero já nos apresentou, e que devido a nossa proximidade atual com a IA, a obra tem crescimento em relevância. Sem dúvida alguma, os dois principais méritos do filme são as belas imagens, tanto de paisagens naturais com tomadas aéreas marcantes e efeitos caprichados, explorando as naves, a tal máquina de destruição, os robôs soldados, e é claro, as sequências de combate do filme. Já estava sentido falta de ação bélica nos filmes, a tal guerra entre humanos ou seres de IA e seus defensores não poupa grandes embates, bombas, explosões, tiros e pouca piedade de ambos os lados. E não podemos deixar as referências de lado. Desde Blade Runner, com sua pitada amarga de futuro, a magia juvenil de Star Wars, filmes de guerra no Vietnã, mostrando os abusos dos estadunidenses nas invasões a territórios asiáticos, rebelião de máquinas ao melhor estilo Exterminador do Futuro, robôs com cara de Short Circuit, Akira e até uma salvação humana, ou arma com aparência do menino dourado, clássico de Eddie Murphy dos anos 1980. Uma miscelânea de referências muito bem aproveitadas com um excelente trabalho visual e efeitos especiais padrão Guerra nas Estrelas, o que com certeza vai fazer uma legião de fãs felizes, que encherão a boca para dizer que estamos diante do melhor filme do ano.

Menos, né? O filme é interessante, ilustra esse assunto de extrema importância, que é como a IA vai dominar (e já está dominando) nossas vidas em um futuro muito próximo. Mas acaba fazendo de forma um tanto quanto rasa essa associação, pescando referências e tendo quase zero novidade no desenvolvimento da trama. A questão Josuha também é algo que é de uma pieguice sem cabimento. A perda da mulher grávida logicamente é um trauma insuperável, mas o desenvolvimento da trama descamba quase pra um mar de lágrimas, com previsíveis situações, onde toda a motivação dele contra as tais máquinas se esvai em busca da esperança de ter de volta a sua família (e com música comovente do Hans Zimmer para facilitar as lágrimas). Fora o padrão Disney e seus artifícios para vender o produto internacionalmente, usando os estereótipos do homem como o responsável por toda a maldade e os Estados Unidos como o único vilão da trama, pois não soube lidar com a IA, sendo que o convívio entre máquinas e humanos é perfeitamente harmonioso na Ásia. Filme feito para exportação total.

Nas atuações destaque para John David Washington, como o amargurado Joshua, responsável pelas melhores cenas de ação da trama, mas caindo quase em caricatura no final piegas ao extremo. Gema Chain, como Maya, sua esposa, tem participação boa quando “viva”, com uma breve mas marcante passagem que descamba novamente no final. Temos ainda o indefectível Ken Watanabe, como Harun, líder da defesa da Grande Ásia e destaque também para Allison Brooks Janney, como a oficial Howell, disposta a tudo para aniquilar qualquer vestígio de IA no planeta Terra. A menina Madeleine Yuna Voyles, como Alfie, a salvação (ou destruição da Terra), também tem seu charme, mas como falei antes,  muitas vezes lembra o personagem do filme O Rapto do Menino Dourado, de 1985. 

Resistência (outro título patético em português, se fosse O Criador seria muito mais adequado…) é uma agradável ficção científica, com um liquidificador bem batido do melhor que o cinema do gênero produziu, visualmente é um deslumbre e tem grandes batalhas campais de tirar o fôlego, mas peca por um roteiro com nenhum pingo de criatividade, explora emoções baratas, luta por redenção, alicerces familiares, culpa o homem por quase tudo, alivia para alguns lados na trama, enfim, o que encanta, como na parte de diversão  visual e ação, naufraga em um roteiro previsível, piegas e muitas vezes sonolento. Mas é claro que vai agradar fãs de Star Wars e afins, que andam órfãos nas telonas de grandes épicos do tipo. E provocando, talvez, se os roteiristas tivessem colocado no ChatGPT uma ideia de roteiro para um filme com esse tema, talvez tivéssemos algo mais criativo e menos mais do mesmo…

 

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