Crítica: O Pior Vizinho do Mundo

Todo mundo tem um vizinho chato. É impossível viver em sociedade e não ter, em um raio de 300 metros (às vezes é muito mais perto), uma pessoa que vive no seu prédio, rua, bairro, que não teste todos os limites da paciência e desconhece todos os códigos morais de cordialidade, gentileza e convivência. E por incrível que pareça, estreia nessa semana nos cinemas do Brasil, um Tom Hanks vivendo um vizinho que extrapola os limites do insuportável, falo da adaptação do livro e do filme sueco O Pior Vizinho do Mundo (A Man Called Otto, 2022), com direção de Marc Forster.

Otto é um sessentão que vive só em um bairro condomínio do subúrbio de Pittsburgh. Espécie de xerife voluntário do local, se irrita com qualquer coisa, desde um saco de lixo mal amarrado, um carro estacionado, nem que por minutos, em local inadequado ou animais e crianças barulhentas. As minúcias que coordenam sua vida o fazem ser um velho rabugento e insuportável e, devido a seu drama pessoal, tem vontade de dar cabo a sua vida. Mas a chegada de novos vizinhos, a otimista e alegre Marisol, o marido e as filhas, dão uma guinada na história do calejado Otto, que vê naquela família um sopro de vida, uma chance de se considerar útil novamente e repensar suas manias e chatices.

O Pior Vizinho do Mundo é a segunda adaptação para o cinema do livro A Man Called Ove, do escritor sueco Fredrik Backman, tendo sua primeira adaptação em 2015, pelo diretor sueco Hannes Holm. Voltando a adaptação estadunidense, com direção de Marc Forster e roteiro adaptado de David Magee, chega a ser curioso, o carismático e bom moço Tom Hanks interpretar o suprassumo do mau humor do personagem de Otto. Mas talvez pela experiência adquirida fazendo o malvado Coronel Parker, empresário do Elvis na recente biografia cinematográfica, Hanks consegue passar todo seu carisma, de ser um dos maiores atores da história, para o sofrido personagem.

O filme, apesar das doses de humor, é um drama bem costurado. Foster consegue nos fazer odiar o Otto desde os primeiros minutos, mas aos poucos vai nos mostrando a transformação do sujeito, um homem apaixonado, que cuidou até o fim da vida da sua esposa, e não sabe lidar com o luto, se apegando, tanto materialmente quanto espiritualmente a sua esposa. Através de flashbacks vamos conhecendo o jovem Otto, o quanto ele era apaixonado por Sonya, que uma tragédia mexeu com a vida deles e o quanto ele jamais superou a tudo isso. E toda essa rocha depressiva e sisuda é quebrada com a chegada de Marisol, radiante imigrante mexicana com raízes salvadorenhas, que mesmo sendo maltratada pelo vizinho, nunca baixa a guarda, enfrentando e fazendo Otto enfim sair da casca e dar valor à vida.

Hanks, como sempre, mesmo fazendo papel de homem mau, não conseguimos ficar com raiva dele, a simpatia e talento do ator são perfeitos na transmutação do personagem, que cedendo aos poucos, não vira da noite para o dia no vizinho mais simpático do mundo. Um papel, que dado para outro ator, talvez carecesse de humanidade e firmeza, coisa que Hanks tem de sobra. Mariana Trevinõ está excelente como Marisol, a vizinha mãe de duas filhas e grávida de um terceiro, que serve como o equilíbrio certo na trama, devido a sua alegria, amor à vida, representando aquela vizinha quase perfeita. Uma química exemplar entre os dois protagonistas. Pena que Truman Hanks, filho do homem, que faz o Otto jovem, não consegue passar autenticidade nos flashbacks da vida passada do personagem, prova que às vezes nem todo filho de peixe, peixinho é.

O Pior Vizinho do Mundo é uma obra que emociona devido a seu realismo, como a convivência entre certas pessoas pode ser difícil e como dramas pessoais mal resolvidos podem afundar ainda mais essas pessoas, que talvez culpem o mundo pelos seus carmas e ao invés de buscar ajuda preferem se fechar no seu mundo, poluindo a sua volta. Mas que um chacoalhão, um motivo, ou novos vizinhos com amor à vida e um fofo de um gato, podem ser a chave para ver a existência de uma maneira mais leve. Claro que o filme tem a certa previsibilidade, fica óbvio que Otto, de um mala sem alça no fim será o vizinho maravilhoso, a seu modo, mas o tiozão do bem. Ponto positivo que o filme não pula etapas e sabe usar muito bem a leveza do humor, com tocantes momentos, capazes de provocar lágrimas e encantar o espectador.

Enfim, sem dúvida nenhuma, ter o prazer de assistir Tom Hanks nas telonas é sempre uma honra, e aqui ele de uma maneira diferente, mas mesmo assim irresistível (a cena que ele, com todo aquele ar sisudo, conta uma história para as filhas de Marisol fazendo vozes de personagens de literatura infantil é impagável). O filme tem tudo para agradar e emocionar as plateias, buscando de uma maneira direta confortar, encantar e, acima de tudo, entreter e provar que nunca é tarde para mudar e ver a vida de um jeito mais colorido e que faça a valer a pena.

 

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