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CRÍTICAS

Crítica: Nosferatu

Crítica: Nosferatu
  • Publicado em: dezembro 19, 2024

A cada vez que assisto cinema, tenho a impressão que cada vez menos entendo do assunto. A refilmagem do clássico Nosferatu, de 1922, de Robert Eggers, conhecido por fazer filmes com um terror de primeira, sugestivo e artístico, como A Bruxa e o Farol, e ter chutado o balde no ultraviolento e ótimo O Homem do Norte, apesar dos calorosos elogios, ao menos a mim não envolveu. Considerado um dos lançamentos de terror mais aguardados do ano, Nosferatu (idem, 2024), enfim tem sua estreia marcada para a primeira quinta-feira de 2025 no Brasil.

 O filme se passa em 1838, na cidade de Wisborg, na Alemanha. Os recém-casados Thomas Hutter e Ellen tentam organizar a nova vida, quando surge uma proposta para Hutter ir até a Romênia para entrar em contato com um decadente Conde Orlok, que pretende comprar uma mansão caindo aos pedaços, na cidade de Hutter, a residência Grunewald Manor. Sabendo que era uma viagem longa, Hutter deixa a esposa com o casal Friederich e Anna Harding, que está grávida e tem duas filhas. A viagem é uma roubada sem fim, e mesmo com os habitantes do vilarejo avisando o rapaz dos perigos, aos trancos e barrancos, ele chega ao castelo e é enganado pelo Conde sugador de sangue, mantido preso no castelo, enquanto a bigoduda criatura parte em uma nau do inferno pra Alemanha, e ao chegar provoca mortes, cólera e pânico na cidade. Mas seu intuito é encontrar Ellen, que tem uma ligação de possessão mental e desejo sexual. A moça, inclusive, antes da chegada do Conde, já dava sinais de histeria e comportamentos abomináveis para a época, o que chamou atenção do professor Von Franz, que desconfia que uma força muito mais perigosa está tomando conta de Wisborg e do corpo de Ellen.

Nosferatu, de Robert Eggers, é a segunda adaptação, digamos séria (temos várias menos notáveis), da obra prima de F. W. Murnau de 1922. No ano de 1979, Werner Herzog fez a sua pequena obra-prima, com direito a Klaus Kinski como o Orlok.  Tivemos também o último, A Sombra do Vampiro, de E. Elias Merhige, de 2000, que conta como teriam sido os bastidores da filmagem do filme de 1922. Mas voltando à nova adaptação, que tem além da direção, o roteiro assinado por Eggers, o filme possui várias características marcantes da obra do diretor. O tom sombrio e pessimista que conduz a história, a esplêndida fotografia de Jarin Blaschke, em momentos marcantes da penumbra exterior ou em ambientes fechados iluminados por tochas ou velas, planos simétricos e grandiosos, uma ode ao expressionismo. Além de uma reconstituição impecável de uma pequena cidade de uma ainda pré-Alemanha dos anos 1800. E ainda uma hipnótica e muito bem utilizada, sem exageros, trilha sonora de Robin Carolan. Uma atmosfera gótica, fria, pessimista, suja e realista.

Mesmo com essa refinada produção, Robbert se perde no que melhor sabia fazer. Criar uma atmosfera tensa, sugestiva e realmente ameaçadora do perigo que o Conde Orlok representa. Ele apela para sustos fáceis e previsíveis jump scares, abusa da violência, escatologia e capricha no gore. Realmente, quando o vampirão quer, ele pega pesado, ataca, morde, despedaça, mas não causa medo. Sua aparência, quase um cadáver putrefato com um bigode que lembra o Leôncio do Pica-Pau. Sim, o Vlad Tepes tinha bigode e Bram Stoker descrevia Drácula com um, mas o mustache do vampiro ficou cretino demais, numa tentativa de dar uma dimensão humana decadente, ao contrário dos espectros pálidos e fantasmagóricos dos personagens dos filmes anteriores. E a voz, que tenta dar medo, com um tom grave, lembra mais a voz do Mumm-Rá dos Thundercats, tamanha a  forcada de barra. E também a mistureba de ocultismo, satanismo, rituais demoníacos e possessões, com direito a levitações à la Exorcista, foge das características básicas dos filmes vampirescos, criando uma salada mista de clichês de terror, difíceis de engolir. 

Inclusive os devaneios de Ellen e seus pressentimentos pessimistas em algum momento me convenceram. A personagem vive com suas convulsões, delírios, muda a voz, vomita e clama por atenção, sexo e desejo. Mas tudo isso sem uma construção sólida da personagem, simplesmente ela tem uma ligação com o vampiro que é mostrada no início e era isso. Quem interpreta Ellen é Lily-Rose Depp, que encarna com louvor esses devaneios do diretor, na sua entrega de corpo e alma para a personagem. Nicholas Hoult também tem bom destaque como Thomas Hutter, ou o Jonathan Harker do original, levando bem o filme, principalmente nos atos finais da trama. Bill Skarsgard nos apresenta um digno Conde Orlok, mesmo que com um bigode cretino e uma voz sem graça. Mas agrada com sua atuação  física e expressiva com qualidade. E ainda temos Willem Dafoe, que está se divertindo à beça como o Professor Von Franz, leia-se Van Helsing, em  uma cômica atuação, uma homenagem cheia de trejeitos aos personagens goticos da Hammer, mas que foge totalmente da tal proposta sombria de Eggers.

Nosferatu de Eggers está longe de ser uma obra-prima, tão bradada por muitos. É apenas um bom filme, com uma robusta e brilhante produção, que fica aquém da segunda adaptação do Nosferatu e de muitas de Drácula (como a sensacional de Coppola, em 1992). Uma história que respeita até certo ponto o original, mas se perde em devaneios visuais, abusando da violência gratuita, sustos fáceis e sangue em profusão, o que não seria nenhum pecado, se fosse qualquer outro diretor, mas vindo de Eggers, que tem duas obras-primas já citadas no início do texto, ao menos para mim, se torna uma decepção transformar Nosferatu numa história de amor impossível, desejo, possessão e violência, o que repito, tudo feito com qualidade de quem sabe o que faz. Mas mesmo sabendo, eu não tentaria me arriscar a refazer o que já foi muito bem feito.

Written By
Lauro Roth