Crítica: Noite Infeliz

Chega fim de novembro, início de dezembro, o cinema começa a nos apresentar seus clássicos filmes natalinos. Na grande maioria das vezes temos filmes edificantes, comédias divertidas que sempre acabam unindo as famílias, transformando heróis improváveis em gigantes de bom coração, crianças comportadas que querem ser lembradas pelo Papai Noel, enfim, filmes de todos os tipos. Claro que já tivemos problemas, como o psicopata que se vestia de bom velhinho em Natal Sangrento (1984), ou terroristas que tentavam acabar com o Natal em Invasão Usa (1985) e principalmente no clássico Duro de Matar (1988), onde bandidos tentaram acabar com a festa de Natal da firma em um prédio e Bruce Willis, sem sapatos, mandou todos eles para os ares. Um Papai Noel, de verdade, que tem que salvar uma família milionária que é tomada como refém na noite de Natal é uma premissa nova que serve de mote para o filme Noite Infeliz (Violent Night, 2022), com direção de Tommy Wirkola, e tem tudo para ser o filme de Natal de 2022.

Tudo se encaminhava para ser mais uma noite de Natal tranquila na bilionária família Lightstone. A matriarca esnobe Gertrude reúne seus dois filhos bajuladores, Jason e Alva, ele com sua ex-esposa Linda e sua filha Trudy, e Alva com seu novo namorado e seu filho adolescente. Só que um grupo para militar, fortemente treinado e conhecedor da fortuna da família, invade a super vigiada casa e está em busca de uma boa grana em espécie guardada no cofre. Enquanto isso, Papai Noel, o de verdade, passa a noite de Natal bebendo, deprimido, brigando com as renas, indo a pubs, além é claro, de ter que entregar presentes. Quando passa pela mansão, sente o perigo e sabe que só ele pode interferir e salvar os Lightstone dos mortais e cruéis terroristas.

Tommy Wirkola consegue juntar o melhor e o pior dos filmes de Natal e nos apresenta com Noite Infeliz um dos mais non sense e divertidos filmes do gênero. Chega a ser um tanto quando surreal misturar a magia do Natal com tanto sangue e violência e ótimas piadas. Com referências a Casa de Papel (só que no caso os bandidos têm codinomes de itens de Natal, como Uva Passa, Pavê, Duende, Mr. Scrooge…), Esqueceram de Mim, Duro de Matar, comédias românticas natalinas, filmes com renas e até uma leve referência ao recente O Homem do Norte (já que o barbudo simpático é da Escandinávia, né?). Tudo isso posto numa grande chacoalhada de liquidificador, temos um pequeno clássico de Natal. Muita ação, violência explícita, sangue e ótimas mortes, muitas contando com enfeites de Natal, quem sabe um aviso de que estrelas pontudas e luzinhas podem se transformar em perigosas armas. E, é claro, um Papai Noel bonachão, beberrão, que apesar de ter seu saco de brinquedos está é com o saco cheio de tantas crianças que não acreditam mais nele e pouco valorizam o Natal. E no caso do nosso herói aqui, basta um martelo na mão que o bom velhinho faz bons estragos nos gananciosos terroristas. O roteiro de Pat Casey e Josh Miller também não alivia para a família, que ficou rica através de grandes falcatruas, vivem em constantes brigas pelo dinheiro e tem apenas na presença da menininha Trudy o elo entre o Papai Noel e o verdadeiro espírito natalino.

David Harbour está muito bem como o fanfarrão Noel, com seu mau humor constante e estado alterado por doses homéricas de álcool, mesmo sendo o símbolo da caridade e bondade também tem seus traumas, medos e cansa da sociedade moderna, assim se vê pronto a punir os malvados e proteger os bonzinhos. Grande representação de Noel do David. John Leguizamo é Mr. Scrooge, o alter ego do Papai Noel, chefe dos terroristas, com ódio do Natal que acabou com sua infância, com grandes momentos, tanto na parte cômica quanto nas cenas de violência. Alex Hassell é o bobalhão Jason e Alexis Louder é sua ex-mulher Linda. A veterana Beverly D’Angelo é a matriarca da família, sempre eficiente nos seu papeis, também para quem já foi um Greswold em Férias Frustradas de Natal, passar uma ceia com cruéis terroristas deve ter sido fichinha para a sempre elegante e divertida atriz. Mas a menina Leah Brady, a Trudy, é um dos pontos positivos do elenco, com sua doce e esperta ingenuidade e por vezes lembrando o inesquecível Kevin de Esqueceram de Mim. O resto do elenco, os terroristas coadjuvantes, também têm grande destaque, porque por mais que tenhamos o alívio cômico, o filme não poupa em tiros, facadas, bombas e mortes brutais.

A trilha sonora, também com clássicos natalinos, pontuando as violentas cenas de ação, ajuda a criar o clima de Natal e é impagável a cena em que Papai Noel, em um celeiro, acaba com dezenas de mercenários com seu martelo de quebrar crânios, ao som de Christmas Time, de Bryan Adams, em uma sangueira e violência que beiram o divertido. E a homenagem ao Esqueceram de Mim, quando Trudy, com muitas armadilhas emula o Kevin para acabar com um casal de vilões também é sensacional.

Posso cravar que Noite Infeliz tem tudo para se tornar um pequeno clássico de Natal, nem que seja às avessas, ao estilo Duro de Matar. Essa fusão de espírito natalino, filme família, com extrema violência e um Papai Noel anti-herói, sem pena dos vilões, misturados à magia do Natal e sua ingenuidade, muitas vezes piegas, traz um filme criativo, que foge das convenções atuais e uma boa maneira de se divertir indo aos cinemas. Ah, mas não precisa e nem se deve levar as crianças, porque o velho batuta está impossível com seu martelo e seus porres constantes.

 

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