Crítica: Meu Nome é Gal

Talvez uma das coisas mais difíceis do cinema seja a realização das cinebiografias. E a coisa fica ainda mais complexa quando são cinebiografias musicais de artistas que ainda estão na mente e corações do público. Com produções desse tipo, a sensação de ame ou odeie são os sentimentos mais induzidos por fãs e amantes do cinema ao assistirem  essas películas. Ano passado perdemos Gal Costa, uma das maiores cantoras da nossa história, e mesmo antes da perda, a cantora, as diretoras Lô Politi e Dandara Ferreira, já filmavam uma homenagem à cantora baiana, que infelizmente, não teve o prazer de assistir, por partir antes, mas essa semana, com muita expectativa, os cinemas recebem Meu Nome é Gal (2023), um recorte histórico cinematográfico do início de carreira da cantora.

O filme segue, em ordem cronológica, os primórdios de Maria da Graça Costa Penna Burgos, Gracinha, filha de Mariah, que devido à amizade com Dedé, mulher de Caetano, resolve sair da Bahia e tentar a carreira de cantora no sul maravilha. Se aloja no Solar da Fossa, onde encontra os amigos Dedé e Caetano, Gilberto Gil, tem um breve encontro com Maria Bethânia, e aos poucos vai largando aquela imagem de menina vinda de fora, recatada, se torna Gal Costa, se muda para São Paulo, onde a TV comanda, passa a gravar discos, participar de festivais, do movimento da Tropicália, conhece o sucesso popular com a canção Baby, teme as agruras do pior momento de violência da ditadura militar, o fim dos 1960 e início dos 1970, vê seus amigos partirem pro exílio, apanharem ou literalmente sumirem. Se liberta de amarras pessoais, faz amizades com malditos poetas como Jards Macalé e Waly Salomão, volta ao Rio para virar a musa das Dunas da Gal, em Ipanema, e culmina com o antológico show Fa -Tal, em 1971.

As diretoras Dandara e Lô fazem esse recorte histórico da formação de Gal Costa e como ela, da filha mimada de Mariah, mãe solo que criou a menina no peito e na raça, em seis anos mudaria sua vida, cabeça e iria chacoalhar o Brasil com sua voz e atitude. Mas o maior mérito do filme, é ilustrar esse efervescente, barulhento e violento momento do Brasil, ele se perde em um roteiro confuso e apressado que simplesmente vai elencando momentos, personagens e passagens de uma maneira às vezes preguiçosa e extremamente forçada. Claro que é o máximo vermos na tela aquele monte de gente talentosa, mas para grande parte dos brasileiros, a maioria dos artistas citados é pouco conhecida, talvez uma explicação à la Scorsese seria uma saída para explicar às novas gerações quem foi aquela turma brilhante. E outro detalhe que fere os ouvidos e a paciência de cinebiografias como essa, a da Elis e do Cazuza, é a falta de naturalidade das coisas mundanas. Parece que todos estão o tempo todo em ebulição, criando, compondo, fazendo poesias e cada frase do filme mais parece uma declamação lírica que uma  projeção da vida comum, além de aquele povo não parecer viver nos anos 1960, faltando trejeitos, como pegar um cigarro decentemente, por exemplo, dando um tom à vida cotidiana deles tão real como uma nota de três reais. Problemas de sintonia labial nas cenas em que Gal canta também são nítidos, atrapalhando a verossimilhança do filme.

Quanto aos acertos, a reconstituição de época é exemplar, tanto nos figurinos, quanto na recriação dos festivais e gravações, o filme transmite muito bem visualmente a aura da época. Na parte musical, o repertório utilizado é maravilhoso, e com Sophie Charlotte cantando ao invés de usar gravações originais, o deleite sonoro ficou muito melhor. Sophie pode não cantar como Gal (algo quase impossível, obviamente), mas com sua suave e afinada voz esbanja talento. Atuação de gala, com sua leitura de Gal Costa, mesmo que  não tenha tanta semelhança física com a baiana, compensa com uma brilhante atuação. O que salva o filme realmente é ela, que consegue nos apresentar uma Gal em constante mutação, antenada às novas ideias, mas firme e decidida quanto suas prioridades artísticas  e discreto lado pessoal. O resto do elenco tem como destaque Rodrigo Lélis, uma cópia quase perfeita de Caetano Veloso, que tem papel importante na trama, Camila Márdila, como a amiga e porto seguro Dedé. Luis Lobianco, como o produtor da turma Guilherme Araújo, provoca momentos de humor, quebrando as cenas mais dramáticas do filme, mas muitas vezes parece que está fazendo mais um esquete do Porta dos Fundos para provocar risadas, maquinado a  importância real da figura de Araújo. Chica Carelli, como Mariah, mãe de Gal, também está muito bem como a mãe da cantora, ora tentando entender com dificuldades a nova faceta da filha e ora sendo uma conselheira essencial para a vida da menina.

Outro ponto negativo é a forma abrupta que o filme se encerra. Mesmo que a trama se passe apenas em seis anos da vida dela, simplesmente  a pressa em encerrar e pouco se aprofundar em detalhes importantes, principalmente na era do desbunde dela, e talvez a criação do antológico disco Fa-Tal, faz o filme ser simplista e curto demais, e ser preenchido com imagens com um filtro para ilustrar as passagens do tempo que são extremamentes cansativas, ou cenas de arquivo dos anos de chumbo, dando um ar preguiçoso em filmar material novo, pois curta como é a película, de trama filmada tem muito pouco tempo.

Mas, Meu Nome é Gal vale o ingresso? Para quem quer ver nas telonas um momento histórico do Brasil, com uma boa reconstituição da época, músicas cativantes e uma atuação sensível e bonita de Sophie Charlotte, em uma homenagem a uma das maiores cantoras de nosso país, sim vale o show. Mas se formos mais a fundo na análise, vemos que Gal merecia celebração melhor, um filme mais bem acabado, não uma película que é o  mais do mesmo, repleto de clichês que tenta em menos de uma hora e meia, com frases prontas e roteiro raso, dar voz a uma personagem tão forte de nossa música e àquela fauna artística de maneira extremamente superficial e com pouca alma. E quando parece que o filme ia engrenar, ele acaba, quando ainda tinha muito para contar sobre a divina e maravilhosa Gal Costa.

 

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