Tobin Bell as John Kramer in Saw X. Photo Credit: Alexandro Bolaños Escamilla

Crítica: Jogos Mortais 10

Quando uma franquia de cinema chega à sétima, oitava, nona ou décima edição (ou até mais), jamais me canso de perguntar para que tudo isso? Ou qual é o motivo de tantas sequências? Enfim, quando Jogos Mortais foi apresentado ao mundo, em 2004, o cinema de horror teve uma oxigenada e tanto com um filme criativo, violento, tenso e com um final incrível, até as próximas duas continuações, o 2 e o 3, a história ainda tinha um certo sentido, mas com as diversas continuações, a série descambou pro lixo e o icônico Jigsaw (morto desde o 3) foi quase esquecido com os novos filmes, sendo apenas um show de mortes de extremo mau gosto, sem tensão e com violência gratuita. Mas elas dão dinheiro, e em 2023, para fechar uma dezena de filmes, Kevin Greutert (diretor de quatro filmes da série e editor de outros tantos) traz John Kramer de volta (sim, o velho Jigsaw) no aguardado Jogos Mortais 10, que estreia essa semana mundialmente.

Voltamos há quase 18 anos, e em um momento de tempo entre o primeiro e o segundo Jogos Mortais, vemos John Kramer cada vez mais abalado com seu diagnóstico de câncer. Alguns médicos lhe dão apenas alguns meses de vida e John começa a frequentar reuniões de doentes terminais como ele. Um tempo depois reencontra um dos colegas de grupo que diz que através de um método revolucionário foi curado de um câncer de pâncreas e passa para John  o endereço desses médicos salvadores. John acaba se informando e indo ao México, onde conhece a Dra. Cecília Pederson, que seguindo os ensinamentos do seu pai, promete a cura a John, usando um incrível tratamento, que segundo ela, tem que ser feito clandestinamente, porque a indústria farmacêutica não admite que pessoas com câncer possam ser curadas. John então tem um sopro de esperança, mas logo depois descobre que foi enganado e roubado pela Dra. Pederson e sua equipe. Motivo que provoca a ira do engenheiro, que contata velhos amigos, entre eles Amanda, e persegue a doutora e seus comparsas, abrindo mais uma vez uma bateria de jogos que podem custar a vida dos charlatões.

E não é que depois de tantos filmes descartáveis e muitas vezes desprezíveis, a série de Jogos Mortais, com seu décimo filme, parece que ganhou um interessante e novo rumo.  Jogos Mortais 10, contrariando as expectativas, é com certeza um dos três melhores filmes do universo da série. A direção do expert no assunto Kevin Greutert deu um respiro e tanto à combalida e óbvia franquia. Voltar no tempo e usar novamente John Kramer, o criador e Amanda, a criatura, em uma história que envolve esperança, vingança, ganância, e é claro, requintes de crueldade em jogos mortíferos com temática hospitalar, foi um acerto e tanto no roteiro. E o filme consegue, ao menos para mim, pela primeira vez, ter um pingo de empatia com Kramer. Tomado de esperança de ser curado, acaba covardemente enganado e humilhado pela equipe da Dra. Pederson e em certos momentos torcemos pro Jigsaw e suas traquitanas mortais se vingarem da equipe da doutora, às vezes lembrando Dr. Phibes e suas inventivas mortes contra os profissionais de saúde que não salvaram sua mulher no clássico O Abominável Dr. Phibes, de 1971. Típico do caso de filme que as vítimas são tão desprezíveis que acabamos do lado do torturador.

No quesito violência o filme também não perde nada para os outros. Com muita serra de cirurgia, sangue, cabeça aberta, olhos saltados e até aparelhos radiológicos, os jogos prendem atenção até o fim, com cada prova sendo uma surpresa criativa, com armadilhas cruéis, lembrando o que de melhor os filmes produziam no início da franquia. Com o filme se passando no México (foi todo filmado lá), talvez as únicas lacunas sejam: como John conseguiu trazer sues brinquedinhos de tortura para lá e como um cara com câncer terminal tenha tanta energia e cérebro pra tamanha complexidade vingativa? Mas enfim, ele é o Jigsaw, né? E é apenas um filme de terror com sua décima sequência, ou seja, pra que perdemos tempo com essas questões?

Tobin Bell está de volta como Jigsaw/John Kramer, mais em forma do que nunca, o nosso coach motivacional de vida (uma das melhores piadas do filme), que por um momento quando julgou-se curado, pensou em largar essa vida de psicopata, está muito bem, mostrando que a série perdeu um bom tempo acelerando a sua morte, ou não explorando mais a personalidade e atuação de Tobin. Shawnee Smith, mais uma vez como a ex-junkie salva por John, Amanda Young, também está muito bem como a fiel escudeira do vingativo Jigsaw, mas é Synnove Macody, como a infame e gananciosa Dra. Cecilia Pederson, que rouba o filme. Com seu cinismo, coragem e disposta a tudo por dinheiro, é a verdadeira vilã do filme, em alguns momentos Jigsaw chega a ser dominado pela personagem, em um grande embate de dois geniais criminosos. Completam o elenco (ou a equipe falcatrua) Renata Vaca, como a viciada Gabriela, Octavio Hinojosa, como Matteo, Paulette Hernández, como Valentina, e Steven Brand, como Parker Sears.

Jogos Mortais 10 dá aquela sobrevida necessária à série, com um inventivo roteiro, ótimas reviravoltas, mortes bem orquestradas, em um jogo de vingança que prende o espectador. Com a volta do desprezível, mas genial, John Kramer, dando aquele ar de meados dos anos 2000 novamente, com celulares que se fecham e fitas cassete em gravadores, dessa vez, derrubam a minha tese da inutilidade de sequências desse naipe. Enfim, só lamento que passamos tanto tempo com filmes tão ruins que eram apenas mais um número na franquia. Pensar no simples, no que deu certo, usar personagens bons e motivações reais para os tais jogos, se mostraram a saída para a volta por cima dos tão cultuados Jogos Mortais. Vá aos cinemas e assista sem medo esse que é um dos melhores filmes de terror de 2023, com toda a certeza.

 

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