Crítica: I Wanna Dance with Somebody – A História de Whitney Houston

Às vezes um certo distanciamento ou realmente pouco conhecimento de uma trajetória de um determinado artista pode ser a chave para uma cinebiografia funcionar. No caso de Bohemian Rapshody, como eu tinha um bom aprofundamento da história de vida de Freddie Mercury, reconheço que fora a impecável atuação de Malek como o frontman do Queen e a reconstituição perfeita da apresentação da banda no Live Aid, o filme é uma biografia rasa, quadrada e repleta de erros, emociona ouvir os clássicos do grupo na telona, mas poderia ser muito mais. Enfim, chegou a vez da gigante cantora Whitney Houston ganhar sua trajetória nas telas do cinema. Como já falei, tinha pouco conhecimento da carreira da artista, então assistir I Wanna Dance with Somebody – A História de Whitney Houston (Whitney Houston – I Wanna Be Somebody, 2022), de Kasi Lemmons, que estreia nos cinemas nessa quinta, foi uma gratíssima experiência.

O filme, logicamente, conta a trajetória de Whitney Elisabeth Houston, filha de cantora, prima de Dianne Warwick e corista de igreja em New Jersey e backing vocal das apresentações da mãe, que teve um fulminante sucesso, emplacando hits desde o primeiro álbum, com diversos número um nas paradas, além de encantar o mundo com seu alcance vocal magnífico. A trama mostra seu início, sua descoberta pelo produtor e amigo Clive Davis, seu relacionamento com uma amiga de adolescência, seu sucesso, as críticas por ser uma cantora negra “vendida” ao sucesso branco, seu mega estrelato no cinema com O Guarda Costas, suas apoteóticas performances, seu conturbado relacionamento com Bobby Brown, como era explorada pelo pai e suas eternas crises de ansiedade, seus traumas da herança religiosa e constante insegurança que a ajudaram a se afundar nas drogas, o que fez sua carreira e vida ser encerrada precocemente.

Confesso que pouco sabia sobre a Whitney Houston pré Guarda Costas, um fenômeno na América, mas que ao menos no Brasil, até a Janet Jackson parecia ser mais famosa. E saí satisfeito do cinema ao conhecer a meteórica, mas dramática história da cantora. O roteiro é assinado por Anthony McCarten, o mesmo do já citado no início do texto, Bohemian Rapshody, mas que pelo que parece, faz um filme com tons mais realistas e explorando o ar de diva da cantora. A direção de Kassi Lemmons faz o básico feijão com arroz. Uma trama redondinha, cronológica, com uma bela reconstituição de época e das apresentações da cantora, porque o produto do filme, apesar da vida conturbada, é o talento incrível de Whitney, que foi considerada a voz de sua geração. Ou seja, por quase 150 minutos ouvimos o que de melhor a voz de Houston produziu e temos mais uma vez pouco aprofundamento dos dramas da artista. Diferente de Bohemian, por mais superficial que seja, sentimos o quanto ela era frágil como ser humano e necessitava de ajuda, enfim, ao menos eu me toquei com sua trajetória.

Naomi Ackie está excepcional como a estrela Whitney. Desde seus trejeitos, fisionomia e principalmente interpretação de palco, já que as apresentações dela eram sempre tão intensas, obviamente só faltou cantar, mas mesmo que tentasse jamais iria emular a voz quase perfeita de Houston. Suas dublagens dos clássicos dela são exemplares. Uma bela atuação, marcante e intensa. Stanley Tucci interpreta Clive Davis, seu produtor, e mais que isso um grande amigo, com uma atuação serena e verossímil, com o verdadeiro Davis. Nefessa Williams é Robyn Crawford, namorada da cantora nos primórdios da carreira, que depois virou assistente dela, num papel intenso e forte, como o elo pré-fama da cantora. Bobby Brown é brilhantemente interpretado por Ashton Sanders, mostrando todas as facetas do difícil companheiro da artista. Um elenco que, se não rouba o filme, não compromete.

Uma das boas sacadas da diretora foi em cenas como as gravações de O Guarda Costas não usar nenhum ator para ser Kevin Costner, que só aparece (o verdadeiro) num monitor, o mesmo em uma apresentação na Oprah, onde a apresentadora só aparece como se estivesse sendo filmada por câmeras. Além, é claro, das excelentes fases da artista, desde começo da carreira, todas em caprichadas remontagens, com semelhança incrível das originais. O filme obviamente é um musical e os grandes hits em passagens da vida de Whitney estão todos ali e ouvi-los numa projeção cinematográfica faz até o leigo na obra da cantora se deleitar com tamanho talento. Talento esse que fez até surgir a síndrome de Whitney Houston, em calouros de programas musicais pelo mundo, que tentam, com floreios vocálicos, vibratos e modulações de tom no meio das canções que interpretam, impressionar os jurados e, na maioria das vezes, as destruindo, porque enfim, poucos podem fazer o que ela fazia, mas que deixou esse trágico legado aos nossos ouvidos em atrações dominicais popularescas.

I Wanna Dance with Somebody é uma competente cinebiografia de umas das maiores cantoras pop de todos os tempos. Está longe de ser uma obra-prima, ou definitiva história de Houston, mas de maneira didática e recheada de números musicais, ajuda a pessoas como eu a entender a obra da artista. Só que fica por aí mesmo, não tenta se aprofundar muito nos dramas internos e externos dela, também não omite o lado sombrio da carreira de Whitney. Além de tratar com mais maturidade a personagem, respeitando cronologias, sem abusar de suposições, pois toda a biografia que pretende ser popular é como uma boa canção da Houston, recheada de floreios e idas e vindas, no caso não na voz e no tom, mas na construção de um roteiro. E o filme consegue construir sem sair da zona de conforto, um agradável filme que merece ser conferido.

 

Mais do NoSet