Crítica: Batem à Porta

Desde que surgiu para o cinema, com o hoje clássico e extraordinário O Sexto Sentido, M. Night Shyamalan pode ser considerado um dos poucos realizadores que independente da qualidade dos seus filmes, tem sua marca registrada. Já entra no rol daqueles diretores em que as pessoas se perguntam: Já viu o novo filme do Tarantino? Do Woody Allen? Do Almodóvar? O M. Night já entra nessa indagação, e falando em filme dele, estreia o seu mais novo nessa quinta, Batem à Porta (Knock at the Cabin, 2023).

O casal Eric e Andrew e sua adorável filha, Wen, estão de férias em uma cabana numa pacata floresta cercada por um belíssimo lago. Até que um dia, têm a estranha e sinistra visita de quatro pessoas distintas, Leonard, Sabrina, Adriane e Redmond. E não trazem boas notícias. Unidos por visões semelhantes e apocalípticas, informam ao casal que apenas eles podem evitar o fim do mundo, mas para isso precisam fazer um sacrificio pessoal em prol da humanidade e os quatro forasteiros estão ali dispostos a tudo para convencê-los disso.

Com roteiro do próprio diretor, Steve Desmond e Michael Shermann, adaptando o livro The Cabin at the End of The World, de Paul G. Tremblay, mais uma vez flerta com o fim do mundo. E novamente usa uma família amorosa e unida como epicentro do furacão. Misturando religião, visões, profecias, sacrifícios e culpa, o diretor, utilizando apenas como cenário uma cabana e sete atores, cria um clima de intenso suspense que às vezes beira o desespero, porque ao contrário de qualquer filme, os potenciais vilões não são pessoas ruins, e sim são perturbados pela certeza de que o fim da humanidade está próximo e apenas Eric e Andrew podem evitar essa tragédia. Lógico que a alusão aos quatro cavaleiros do apocalipse é mais que óbvia, desde o cartaz do filme, às características dos visitantes e as tais pragas sobre a civilização, que seriam libertadas com seus sacrifícios pessoais. Um dos pontos positivos do filme é o casal e a menina Wen, realmente a reação deles de não crer no que está acontecendo e desconfiar de quatro aloprados pregando o fim do mundo seria a de qualquer um e seus questionemantos e defesa do núcleo familiar em prol de um bem maior com certeza seria a reação de 99 por cento da humanidade.

O elenco está muito bem, Dave Bautista, como o gigante porta-voz do fim do mundo, mesmo com sua aparência de brutamontes, em nenhum momento perde a calma e parte pra violência e as tratativas dele em mostrar que a salvação está nas mãos dos dois é algo bem honesto. Jonathan Groff e Ben Aldridge, como Eric e Andrew, também não decepcionam, cada um representando um lado da moeda, um não largando o seu ceticismo e outro cada vez mais cedendo e acreditando na drámtica situação que estão vivendo. A menina Kristen Cui também brilha como a amorosa e esperta Wen, filha do casal.

O filme também, um tanto superficialmente, faz uma denuncia à homofobia e o quanto o casal sofria preconceitos, tanto da família, quanto da sociedade, culminado com a sua coragem de adotar a menina (isso tudo contado em flashbacks), mas como disse antes, tudo de uma maneira discreta. Batem à Porta é um filme questionador no sentido de o quanto seríamos capazes de sacrificarmos o que mais amamos em prol de bilhões de pessoas que não conhecemos, e isso incluindo aquelas que nos odeiam. Uma espécie de A Escolha de Sofia, onde mesmo perdendo o que mais amamos, não teríamos recompensas individuais e sim coletivas, enfim um tema espinhoso, mas muito bem trabalhado por Shyamalan. Mais uma vez somos brindados com uma aula de direção, com belos enquadramentos, closes, travellings, isso principalmente nas cenas claustrofóbicas da cabana, com um clima de tensão, revolta e desespero perturbadores. O mesmo não podemos falar nas externas e cenas dos eventos catástrofes, mais uma vez com CGI um tanto falho e pouco convincente. Mas o problema maior a meu ver é que faltou surpresa. Enfim, um filme do Shyamalan sem a sua maior característica: reviravolta. Tudo soa óbvio demais, desde quem teria as maiores chances de ser sacrificado, as referências bíblicas às pestes e catástrofes e, obviamente, aos quatro cavaleiros do apocalipse. Tudo muito mastigado e ficando um ar de que algo ali poderia ser diferente, enfim, não diminui o filme, mas o torna apenas mais um filme bom do diretor, que tem esse mérito, de mesmo não fazendo mais obras-primas, todos seus filmes são esperados e agradáveis de assistir.

Concluindo, é apenas mais um filme do M. Night Shyamalan, com características que ele adora usar, famílias felizes, tragédias que surgem do nada, tensão constante, um quê de sobrenatural e tramas envolventes, mas que pecou pela previsibilidade e total falta de surpresa, uma batida na porta indigesta, contrariando a marca já tão registrada do diretor, abusando do óbvio e não surpreendendo ninguém.

 

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