Crítica: Back to Black

Algum tempo atrás, eu tava com um amigo no cinema e ao ver o trailer do filme da Gal Costa ele comentou: “filme de cantor é o filme de cachorro só que brasileiro”

Refletindo sobre essa fala assertiva, eu tenho que ampliar esse insight e dizer que o “filme de cantor é o filme de cachorro do mundo inteiro”, vejam vocês: Desde o longa estrelado por Sophie Carlotte, aqui no Brasil já tivemos o filmes dos Mamonas Assassinas, Claudinho e Buchecha, e Mussum, o Filmis, que só consegue abordar a carreira de músico do famoso humorista. Lá fora, só nos últimos anos já tivemos filmes sobre o Freddie Mercury, Elton John, Whitney Houston, Bob Marley entre outros. Além de estar em desenvolvimento longas sobre o Anthony Kieds (Vocalista do Red Hot Chilli Peppers), da Linda Ronstadt, estrelado por Selena Gomez, e o tão aguardado filme do Michael Jackson (esses são os que lembro de cabeça). 

Enquanto isso, o último filme do Air Bud, segundo minhas pesquisas, saiu há mais de uma década.

hehe, air bud, the golden RECEIVER ainda concorre como um dos melhores subtítulos do planeta.

Bom, sinceramente não tenho nada contra biografias de músicos e, pensando aqui, talvez o saldo desse subgênero seja mais positivo do que negativo. O problema é que parece que nos últimos anos a fórmula envelhece como o Leo DiCaprio e parece que ninguém sabe trazer frescor a maneira de contar esse tipo de história.  

Infelizmente, não é como a franquia Air Bud, que você pode enviar cachorros para o espaço ou para salvar o natal da criançada em busca de dar uma refrescada nos lançamentos home videos. E, em filme de cachorro não tem nenhum familiar daqueles lindos cachorrinhos querendo limpar sua imagem colocando toda a culpa nas costas de um alguém que já morreu.

Veja, quando o Brian May usou o filme Bohemian Rhapsody pra dizer a todos que ele é o único da banda que nunca traiu a esposa (tanto assim), abriu um precedente gigantesco para que Mitch Winehouse (pai de Amy), decidisse autorizar a biografia. DESDE QUE ele fosse retratado como um santo.

É impressionante como o filme segue uma linha clara: Amy Winehouse não foi tão viciada assim quanto pintam, ela não queria nem fama e nem dinheiro. Ela queria fazer com que as pessoas esquecem seus problemas por 5 minutos com suas canções e mais nada (aliás, essa fala é forçada e reforçada uma meia dúzia de vezes durante a projeção e no material promocional do longa), mas, o pouquinho de coisas que ela fez de errado foi responsabilidade exclusiva dela. O benevolente pai é um santo, seu único pecado é amar demais. Nunca colocou uma gota de álcool na boca, nunca fumou sequer um cigarro e tudo que saiu dos seus lábios do dia que nasceu até hoje só foi a mais pura verdade. É tão sério a forçada passada de pano pro cara, que quando o roteiro pede para ser encaixada nuances na personalidade do pai, ele só é tirado de cena por alguns minutos para não o associarem a derrocada emocional da filha. Já o namorado Blake, apesar de uma escorregadinha aqui e outra acolá, e até por ser tema de diversas canções da artista, não consegue passar isento pela beatificação que o filme tenta fazer com todos. Porém, como o uso de drogas é tratado de maneira tão limpinha (me chama atenção em uma cena que era pra Amy Winehouse acordar envolta em vômito e a solução que encontraram foi uma pequena poça d’água do lado da personagem), o personagem Blake não consegue ser vítima de antipatia em nenhum momento.

imagem que qualquer um poderia acreditar que não tem edição se só soubesse da história de Amy Winehouse através desse filme.

O recorte que o filme utiliza é do começo da fama de Amy Winehouse até o dia da sua morte. E apesar de ser uma história linear, se você não sabe ou não lembra informações sobre a vida da cantora: como o ano de publicação de seus álbuns, ou o ano de sua morte, ou a idade que morreu fica meio difícil de situar a passagem de tempo entre uma cena e outra. Como nada do filme causa impacto, não dá pra saber quanto tempo ela e Blake ficaram sem conversar depois de uma briga, por exemplo. E esse desleixo em contar a história, misturado com uma exaltação de humildade relacionada à cantora, torna uma das artistas mais importantes dos anos 2000 em uma cantora de voz bonita de um bairro de Londres.

A diretora Sam Taylor-Johnson consegue transformar, por exemplo, momentos em que ela toca para uma plateia enorme em apenas interações com anticlimaticas com a fileira da frente; o dia em que ela ganha 5 grammys num momento íntimo com seu pai e amigos. Quando toca a famosa Amy Winehouse nos pubs londrinos ninguém percebe que ela está ali, os únicos que parecem conhecer a cantora são os paparazzi, que com suas câmeras brilhantes e perguntas irritantes aumentam e diminuem o assédio sem critério nenhum ao recorrer da fita, porém, são renegados a apenas moscas mortas fazendo perguntas genéricas e tirando fotos da artista para ajudar o filme a andar, já que organicamente é impossível.

Até nos “acertos” da direção o filme se perde, hora ou outra é construída bonitas imagens em tela, como uma sequência de conversas no espelho, mas que em nada tem a ver com o tema da conversa, em outra, uma romântica cena na piscina totalmente deslocada do que o filme quer passar. De certa forma, a impressão que fica é que a diretora já tinhas essas ideias em mente e que as encaixaria em seu próximo projeto, seja lá qual fosse. Além disso, as escolhas da direção de arte para representar o estado ébrio de Amy é risível, uma leve distorção visual que não pode exceder em quase nada a proposta de COMFORT MOVIE que acaba sendo essa obra.

No meio disso tudo, a atriz Marisa Abela, que faz o papel principal, se esforça bastante para entregar uma personagem cheia de vida, ela capricha em nuances e trejeitos para conseguir se aproximar da cantora representada e trazer alguma veracidade à história. A interação com Eddie Marsan, que faz o pai da cantora, é bastante natural e Abela também consegue transmitir muito amor por sua tia interpretada por Leslie Manville. Por outro lado, as interações com Jack O’Connel (Blake), principalmente as cenas de sexo, são desconfortáveis ao extremo e o “casal” exala falta de química.

Todos os outros personagens são mal aproveitados, a mãe de Amy Winehouse é tão importante quanto sua colega de quarto que aparece não sei de onde e some pra lugar nenhum. Os agentes e músicos que trabalham com a cantora sempre estão bastante deslocados e nunca impactam em tela, parecendo figurantes que querem aparecer demais.

Por fim, fico imaginando que esses filmes enlatados, na maioria das vezes, só servem como propaganda. Eu, por exemplo, depois daquele filme horroroso do Queen fiquei quase um ano inteiro ouvindo a discografia da banda, mesmo que o filme não tenha me tocado. Já aqui em Back to Black apesar da ênfase em algumas músicas de Amy Winehouse (e de cerca de mais 20 músicas tocadas sem razão no filme, passando um ar parecido com Esquadrão Suicida, de 2016), eu saí do cinema cantando Leader Of The Pack da banda estadunidense The Shangri-Las, referenciada duas vezes no filme.

Eu entrei no cinema sem ouvir Amy Winehouse a alguns anos e sem lembrar direito da história que eu vi no documentário distribuído pela A24 em 2015 (AMY), e saí do cinema sem vontade de reescutar a cantora, além de continuar sabendo tanto da vida dela quanto eu já sabia. Esta obra não é nem informativa e tampouco uma propaganda para rememorar os dois bons discos de Amy Winehouse. É apenas uma passada de pano descarada para o (Santo) Mitch Winehouse, que, podem contar com isso, em breve lançará um disco.

O filme não é mais um dos filmes medíocres de cantor que tem saído aos montes por aí, é bem pior que isso.

Nota: 2/10

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