Crítica – Chico Bento e a Goiabeira Maraviósa
Se existe uma unanimidade nacional, essa é o Maurício de Souza. Por décadas, o cartunista, criador de um dos universos em quadrinhos mais queridos do Brasil, A Turma da Mônica, conquista gerações com seus cativantes personagens. Recentemente, o cinema fez duas ótimas adaptações de histórias da turma mais legal do bairro do Limoeiro, com os filmes Laços (2019) e Lições (2021). Devido ao sucesso dos filmes, o filão foi aberto para novas adaptações, como a fraca Turma da Mônica Jovem – Reflexos do Medo (2023), que não passou de uma grande decepção. Mas entre as adaptações, uma das mais esperadas era a do Chico Bento. O caipirinha mais simpático do Brasil, ganha filme próprio que promete movimentar as férias de janeiro no Brasil. Chico Bento e a Goiabada Maraviósa (2024), que contou com a direção de Fernando Fraiha, com estreia marcada pra essa semana nos cinemas brasileiros.
Chico Bento nasceu na bela e humilde Vila da Abobrinha. Filho de Seu Bento e Dona Cotinha, ao nascer, o seu pai ganhou uma semente de goiabera da Vó Dita e queria que o filho plantasse para criar um laço com a natureza. Atrapalhado, Seu Bento perde a semente, que acaba nascendo nas terras do Nhô Lau. Já crescido, Chico passa sua infância entre animais, comendo comida boa dos pais, brincando na vida simples da roça com seus amigos, frequenta a escola, mas o que mais gosta é de comer as goiabas da tal goiabeira, para a fúria de Nhô Lau, que sempre é enganado por Chico, que faz de tudo para saborear as deliciosas goiabas. Certo dia, em nome do progresso, Dotô Agripino, sempre com seu filho marrento, apresenta um plano para chegada de uma estrada na Vila Abobrinha. Primeiro, os adultos são fascinados pela ideia de uma estrada para escoar a produção rural, mas Chico e sua turma descobre que ela vai passar o trator nas propriedades de todos em prol do enriquecimento de Agripino. E o pior: para a estrada ter sucesso, tem que derrubar a amada goiabeira, o que faz a turma se unir para deter a tal construção.
Chico Bento é um dos meus personagens preferidos da vasta fauna de personagens de Maurício de Souza. Com seu jeito brejeiro, sempre de bom humor e simpatia cativante, uma adaptação para o cinema era praticamente um jogo ganho. Desde que contando com uma história competente e uma direção que soubesse captar a essência do personagem. E o roteiro do diretor Fernando Fraiha, com mais as quatro mãos de Raul Chequer e Elena Altheman acertaram em cheio, em uma encantadora história, misturando bom humor, simplicidade e uma sutil, mas poderosa crítica ao progresso descontrolado e o respeito à natureza.
Tudo isso contado de uma maneira pueril, utilizando os artifícios das adaptações modernas dos graphic novels. A narrativa, apesar de sem grandes rodeios, brinca com a quarta parede com um inspirado Chico Bento contando para o espectador a história com um carisma e sabedoria popular irresistível. Em um sonho, Chico Bento tem um encantador diálogo filosófico pra lá de importante com a Mãe Natureza (interpretada por Taís Araújo), em que ela explica que qualquer coisa, por mais simples, como formigas e uma goiabeira, são importantes para nossa existência. Cena com direito à transformação do personagem em formiga, em uma competente animação e uma passagem que lembra – por que não? – de Tudo em Todo Lugar ao Mesmo Tempo. Tudo encaixa bem no filme, desde as modas de viola, que nos transpõem a paz do campo, até a fotografia solar de Gustavo Hadba, explorando todas as facetas do personagem em closes precisos e o bucólico cenário genuíno da roça, emulando todo charme do interior das histórias em quadrinhos para a película.
Mas o filme é do Isaac Amendoim. O menino já era uma celebridade da internet e parece que nasceu para brilhar como Chico Bento. Ele brinca com o espectador, conversa e conta sua história em forma de causos, sempre de bom humor, sorriso no rosto, malandragem do campo, sem perder jamais o espírito infantil, sempre com tiradas perspicazes, mas mantendo a ingenuidade. Uma das melhores atuações infantis dos últimos tempos. Pedro Dantas também brilha como Zé Lelé, o atrapalhado amigo de Chico e Anna Júlia Dias é a doce Rosinha, paixão eterna do filho da Dona Cotinha. Nhô Lau está muito bem representado por Luis Lobianco. O personagem sofre com as traquinagens do Chico Bento, sempre atrás das saborosas frutas da árvore do quintal do vizinho. Augusto Madeira, por mais caricata que seja sua representação, faz o vilão Dotô Agripino. Personificação necessária para uma história genuinamente infantil. Débora Falabella faz uma participação como a professora Marocas.
2025 já entra com tudo com um espetacular filme. Chico Bento e a Goiabeira Maraviósa é um filme à moda antiga, feito para todas as idades, sabe dosar a tradição das produções mais queridas do gênero e coloca pitadas de modernidade quando preciso na apresentação da história. Um retrato romântico da roça e de uma infância distante em mundo de telas e tecnologia, mas que ainda encanta por sua simplicidade, importância da família e a comunidade, com uma mensagem com pautas ecológicas necessárias, sem apelar para o panfletarismo. Tudo isso comandado por Isaac, que nos apresenta um Chico Bento perfeito, que tem tudo para conquistar as plateias do Brasilzão inteiro, que mesmo hoje sendo um país urbano, ainda carrega o mato do passado rural nas costas e se encanta com as coisas simples do campo, representadas aqui por nosso encantador Chico Bento.