Crítica: Gladiador 2
Prestes a completar 87 anos, o diretor britânico Ridley Scott pode ser considerado um dos mais diversificados realizadores das últimas décadas. Ele fez ficção científica, terror, policial, fantasia, guerra, filmes de gangsters, drama e grandes épicos. Entre eles, sua brilhante estreia com Os Duelistas (1977), filmes menores como 1492 – A Conquista do Paraíso (1992) e Cruzada (2005), filmes subestimados como O Último Duelo (2022) e o decepcionante Napoleão (2023). Mas foi no ano 2000 que simplesmente reacendeu a chama dos grandes filmes épicos de sandália e espada, com o ótimo Gladiador (2000). Sucesso retumbante de público e crítica, papou diversos prêmios e recriou um certo fascínio por adaptações históricas para o cinema. E ainda esbanjando vitalidade e criatividade, o diretor, 24 anos depois do original, nos traz uma aguardada sequência de seu clássico, em que lutadores faziam a alegria da elite romana e seus malucos imperadores, Gladiador 2 (Gladiator 2, 2024), com estreia mundial marcada pra essa semana.
Logo no início do filme vemos Lucius, filho de Lucilla e Maxximus, que hoje vive no Norte da África, na Numídia. Com o nome de Hanno, é casado com Arishat, vive sempre em alerta com o exército local para se defender de uma invasão dos romanos. Um dia, sob o comando do General Acácio, o Império Romano toma o local numa batalha, Arishat é morta e Hanno capturado. Sem muitas opções, é escravizado e obrigado a servir como gladiador em Roma, sempre carregando um ódio mortal do General Acácio. Tendo como chefe do espetáculo Macrinus, ex-escravo que comanda os novos duelos mortais no Coliseu, Hanno tem que lutar pela vida em batalhas ferrenhas com outros gladiadores, além de enfrentar macacos violentos, rinocerontes, e pasmem, tubarões. Um espetáculo insano que satisfaz o sádico prazer dos imperadores Geta e Caracalla, que quanto mais sangue derramado, mais entregam à massa o que eles querem: um circo de morte.
Como tenho grande admiração pelo cinema de Ridley, consigo ver qualidade até nos filmes menos cotados de sua grandiosa filmografia. Além de um excelente artesão visual é um grande contador de fábulas e histórias, muitas ao seu modo, o que faz alguns chatos historiadores torcerem o nariz para ele. Em Gladiador 2, Ridley mantém a chama acesa da grandiosidade épica do seu antecessor, mas infelizmente apela demais por entretenimento fácil, deixando de rechear a história. O Coliseu é quase uma Disneylândia. Temos cada vez mais animais ferozes e sedentos por humanos e lutas cada vez mais sanguinárias. Ao invés de o sertão virar mar, foi o Coliseu que virou, com direito a uma batalha naval com tubarões cercando as embarcações. Vale mesmo como deleite visual, desde a plateia (usando pessoas de verdade, o que dá um ar de torcida de futebol) aos caprichados efeitos especiais, além do inegável esmero técnico de todas as reconstituições históricas de Scott.
Certamente Gladiador 2 não vai causar o impacto do primeiro. Nos últimos anos fomos bombardeados por filmes e séries de teor histórico, e diferentemente de 2000, a continuação parece ser apenas mais um filme. Por mais que o roteiro de David Scarpa tente passar aquele jogo de intrigas, traições e abusos de poder do Império Romano, na pele dos caricatos e patéticos Geta e Caracalla, que vivem em eterno conflito sofrendo com as conspirações de Acácio e dominados como dois cordeirinhos por Macrinus, uma espécie de Don King do Império, onde tudo é negócios e entretenimento, tudo carece de certa profundidade e um pingo de seriedade. Até o drama de Lucilla e as revelaçoes que Lucius acaba tendo na trama, tudo soa como um grande dramalhão mexicano. Mas como disse antes, o roteiro é apenas um detalhe no fantástico mundo de Ridley Scott.
Paul Mescall como Hanno/Lucius, apesar de ser um grande ator, tem uma atuação burocrática no filme, longe do carisma visceral de Russell Crowe. Até fisicamente o ator não convence, sendo pouco plausível aguentar tanto tranco no Coliseu com aquele preparo e forma. Acácio, Pedro Pascal, esbanja carisma e segurança no papel do revoltado general, cansado com os desmandos dos lunáticos imperadores, provando que o ator chileno melhora cada vez mais nos filmes em que atua. A dupla de imperadores Geta, Joseph Quinn e Caracalla, Fred Hechinger, estão ótimos como os lunáticos donos do campinho romano, apesar de toda a caricatura e clichês de quem interpreta os excêntricos imperadores romanos. Mas ambos são retratos fieis do que o filme propõe, apenas divertir e não se levar a sério. A única atriz que esteve no primeiro e volta ao papel como Lucilla, Connie Nielsen, não tem o mesmo impacto dramático da sua primeira aparição, sendo apenas mais um peão no dramalhão familiar do filme. Quem rouba a cena é Denzel Washington. O ator, no papel do ex-escravo Macrinus, que com seu poder de persuasão eleva as batalhas de gladiadores a níveis de espetáculos fantásticos, a cada cena, faz de gato e sapato, tanto Lucios, como Acácio e brinca com jogos de intrigas com os irmãos imperadores. Uma atuação ímpar (mais uma) do talentoso ator.
Ridley Scott, hoje em dia, pode se dar o luxo de fazer o que quiser. Dizem que ele filmou em pouco mais de 50 dias o filme, e nessa altura da carreira e da vida, literalmente mandou tudo às favas e se rendeu ao fantástico. Por mais que tente dar um teor crítico e dramático na sequência, Gladiador 2 vai ficar marcado por excessos deslumbrantes e deliciosos absurdos visuais, tanto nas batalhas (a primeira batalha na invasão da Numídia, já nos aquece para o que estava por vir) quanto nas apresentações dos gladiadores em Roma. Um belo passatempo, que se não vai causar o frisson do primeiro filme, vai divertir e fazer a pipoca descer com gosto nas suas longas duas horas e meia de duração, pois afinal tudo é show e entretenimento, desde os tempos que o Império Romano era o centro do mundo…