Crítica | Um Dia de Chuva em Nova York (2019) – Ainda vale a pena assistir a filmes do Woody Allen?
Difícil separar Woody Allen de todas as polêmicas que envolvem ele. Como visto num comentário a cerca do autor na página do site Filmow, “O julgamento moral vem antes do criminal, e ambos acima do artístico”. Por causa disso, é muito fácil lembrar da pessoa que ele é ou da mania que ele tem de lançar um filme por ano, mesmo não tendo boas ideias, quase sempre, nesses últimos dez ou quinze anos.
Woody Allen nunca foi julgado pelos seus crimes, e continua desmentindo cinicamente todas as acusações. Mas as declarações de Dylan Farrow feitas no ano passado, finalmente começam a reverberar na carreira do diretor, que já perdeu a distribuição de seus filmes e o contrato com a Amazon, grande rede que havia contratado o diretor de oitenta e três anos para quatro filmes, dificultando ainda mais que o cineasta consiga lançar seus longas daqui pra frente (ele já não conseguiu lançar um filme em 2018). Outra questão que envolve a continuação de sua carreira é a quantidade limitada de atores que aceitam fazer seus filmes, os próprios protagonistas de Um dia de Chuva em Nova York, ironicamente doaram seus cachês para instituições que combatem o abuso sexual e muito dificilmente integrarão os próximos filmes do realizador. Nenhum grande ator quer a sua imagem associada à essas polêmicas.
Tentando focar na questão da obra em si, uma coisa é fato sobre os roteiros de Woody Allen: eles nunca são ruins. Como dito acima, poucos deles são geniais, e a escassez de genialidade é ainda mais evidente com o tempo, mas ele nunca decepciona num nível em que faz as pessoas saírem irritadas do cinema. E esta obra de 2019 não foge da regra; é um filme que conta a história de Gatsby (Timothée Chalamet), um jovem da high society nova-iorquina que vai estudar em uma faculdade no interior do estado para fugir das imposições da sua mãe no seu modo de vida, lá ele conhece sua namorada Ashleigh (Elle Fanning), filha de um grande empresário do Arizona, que estuda jornalismo, e recebe a chance de entrevistar um grande diretor de cinema na capital, fazendo com que Gatsby retorne a cidade. Através de ótimas linhas de diálogos, umas piadas muito bem colocadas e observações irônicas na medida certa, o filme conta a história dos dois nesse dia chuvoso em Nova York, quando tudo começa desandar.
Em um cinema onde quase todo filme está extremamente apelativo para o humor, com ótimos cineastas tentando imitar a jocosidade da Marvel Studios para atrair público para seus filmes, Allen entrega um filme engraçado de fato, e no quesito comédia, talvez seja o melhor do ano. Mas o roteiro não entrega todo esse humor apenas nas ótimas observações do cotidiano, entrega também, através das situações que se desencadeiam de maneiras simples, porém com muita inteligência, fluindo com a história ao mesmo tempo que apresenta com naturalidade seus personagens. Até umas coincidências que poderiam ser vistas como absurdas dentro da narrativa, como dois personagens centrais tentarem entrar no mesmo táxi, é colocada de maneira natural na trama, fazendo com que o espectador no mínimo aceite que aquilo de fato poderia acontecer.
E o ingrediente que amarra todo este roteiro bem construído, é a atuação tanto dos protagonistas, quanto dos coadjuvantes. Trabalhar os atores de forma despretensiosa, criando situações onde eles interagem e se complementam de maneira cômica em cena, dando muito dinamismo as sequências, é marca registrada de Allen. Não é diferente nesse filme que passa rápido e traz a sensação de ser apenas um ótimo episódio de série romântica, aos moldes da novidade da Amazon, Modern Love.
De todos os bons atores do filme, o papel de maior destaque é de Elle Fanning, que quebra o estereótipo de moça rica do interior em todas as pequenas nuances que a atriz entrega. A personagem foi escrita para ser uma boba, na concepção da palavra, ainda mais boba que o papel de Scarlett Johansson em Vicky Cristina Barcelona, e essa ingenuidade às vezes pode ser difícil de trabalhar. Não para a Fanning que insere as camadas perfeitas para causar o interesse em sua personagem, e a parte da história dela é quase sempre mais interessante que a do protagonista, por conta de sua ótima atuação.
Aliás, é no protagonista que a história encontra os seus defeitos, há alguns problemas de desenvolvimento na história do personagem de Chalamet. Além de o primeiro ato ressaltar o tempo todo seu amor por jogos de aposta e por chuva, as narrações em off do protagonista soam automáticas e isso causa um grande problema para entender a psiquê do protagonista, que costuma ser sempre tão clara nos filmes do Woody Allen. Mesmo que seus protagonistas sejam sempre homens problemáticos, não muito bonitos, mas com um charme um pouco desastrado que encanta e atiça as mulheres de maneira quase mágica (no fim, o reflexo da visão que o diretor tem dele mesmo). A única característica destas que Chalamet consegue empregar é a de problemático. É curioso que o ator principal, que representa a psiquê masculina de Allen, seja muito mais belo, na concepção platônica da palavra, que a média dos atores de outros filmes do diretor, mas nem por isso consegue demonstrar este “encanto” masculino que o diretor acha que tem e coloca em seus personagens.
Um outro ponto interessante em toda a filmografia do diretor é analisar que há assuntos em comum que perpassam por seus filmes: A alta sociedade estadunidense, a burrice do senso comum, as ironias da vida e do destino, tudo sendo tratado com muito garbo e elegância como uma música do Frank Sinatra. O tempo passa, as histórias de Allen parecem repetir as mesmas angústias, como se tivéssemos vendo praticamente o mesmo filme mas lidando com ele sob a perspectiva da vida que temos agora, fazendo uma análise de nós mesmos, em nosso distante ponto de vista.
Em suma, Um dia de Chuva em Nova York, é o mais do mesmo de Woody Allen em uma excelência que fazia tempo que a gente não via. O roteiro está afiado, as atuações na medida certa e é uma ótima pedida para um dia de chuva onde você estiver. Apesar de ser difícil separar a obra do artista neste caso, levando em conta as horrendas acusações que permeiam a vida do cineasta, o meu papel é tentar extrair do filme suas qualidades e seus defeitos cinematográficos, junto com a sensação pessoal de assistir a obra audiovisual. E na minha visão é um filme extremamente agradável e cômico na medida certa.
Nota: 8/10
Sinopse: Apaixonado por Nova York, Gatsby (Timothée Chalamet) decide passar um fim de semana na cidade ao lado de Ashleigh (Elle Fanning), sua namorada. No entanto, aquilo que era pra ser uma aventura romântica acaba tomando um rumo inesperado.
Elenco: Timothée Chalamet, Elle Fanning, Selena Gomez, Jude Law, Liev Schreiber, Diego Luna, Cherry Jones, Rebecca Hall.
Trailer