Close
CRÍTICAS

Crítica – Quando o Céu se Engana

Crítica – Quando o Céu se Engana
  • Publishedoutubro 27, 2025

Um filme que tem no seu elenco gente do quilate de Seth Rogen e Sandra Oh, os bons Aziz Ansari e Keke Palmer, e o Keanu Reeves, num papel de anjo, as expectativas vão facilmente para as alturas. Principalmente se o que esperamos são boas risadas. Pois então, a nova comédia Quando o Céu se Engana (Good Fortune, 2025), com roteiro e direção do já citado Aziz Ansari, que estreia nessa semana, o que menos me provocou, ao menos para mim, foram as tais risadas.

Em um plano celestial, a cada anjo é atribuído um tipo de missão específica. Uns cuidam de terremotos, outros de avalanches, alguns de incêndios e enfim, Gabriel, tem uma missão peculiar. Ele precisa, geralmente com cutucões, impedir que motoristas, ao usarem o celular no trânsito, provoquem acidentes. Certa vez ele ajuda a salvar Arj. Gabriel então demanda mais atenção ao rapaz porque ele parece estar desgostoso com a vida, pois vive de bicos, subempregos e não tem onde morar. O anjo fica com medo que ele tire a sua própria vida. No mundo terreno, a vida de Arj é mesmo  um desastre. Com pouca sorte, sobrevive como dá, até que um dia consegue um emprego com Jeff, um bilionário da tecnologia. As coisas vão bem, até que um dia, um deslize de Arj faz Jeff perder o emprego. Gabriel, cansado com as agruras do rapaz, resolve intervir e mostrar que a vida de Arj vale a pena, o que não é suficiente. Ele, então, propõe que Arj tenha a vida de Jeff por alguns dias para realmente provar que a vida de fortuna é melhor. Só que devido a um imprevisto, Jeff acaba tendo que viver a vida de Arj, que parece cada vez mais satisfeito com a vida de rico, não querendo trocar, o que faz com que Gabriel perca as asas e também seja obrigado a ter uma vida de um reles mortal.

Aziz estreia na direção nesta comédia que mistura filmes como Trocando as Bolas (1983), A Felicidade não se Compra (1946), Que Droga de Vida (1991), Asas do Desejo (1987), com uma crítica social ao momento atual dos Estados Unidos. Arj é um imigrante que vive pipocando em subempregos, como guardar lugar em filas para ricos que querem produtos raros, megastores que pagam muito mal, e por fim, sendo assistente de um milionário sem noção. Empregos que não pagam direito, obrigando a comer mal e ter que dormir no próprio carro. Quando o Céu se Engana cutuca nessa ferida recente da tal América, onde jovens milionários “abençoados” por seu talento e inteligência adquirem fortunas nababescas com seus gadgets e aplicativos e a grande maioria da população vive “livre” entregando mercadorias de aplicativos ou dirigindo seus carros, usando garrafinhas para poder urinar na incessante falta de tempo em busca de metas e estrelas dos usuários que avaliam seus serviços. 

Mas o grande problema do filme é realmente que essa crítica social do momento é toda apresentada de maneira rasa, às vezes até infantil, lembrando alguns filmes bem ingênuos da Sessão da Tarde. Tudo é resolvido de maneira simplista, didática, cheia de maniqueismos e soluções fáceis. Parece um trabalho de quinta série sobre a precarização do trabalho e exploração do capitalismo moderno.

E como tinha falado no início do texto, um time desses a gente espera ao menos uma sessão de besteirol e boas gargalhadas. Mas aí que mora o problema do filme, se ri muito pouco. Não que não tenham piadas e tiradas, mas elas pouco funcionam. Aziz é um cara engraçado, mas sua mutação da sua miserável vida para uma vida cheia de luxos e lazer materiais rende pouca graça e Seth Rogen apresenta incrivelmente esta política do meme correto demais e com péssimo timing de piadas. Keke Palmer faz Elena, a namorada ativista de Arj, que trabalha numa loja de ferramentas e vive na luta por melhorias nas condições de trabalho da empresa e Sandra Oh é uma espécie de mentora dos anjos, fiscalizando os seres celestiais. Mas quem realmente faz o filme valer ser conferido é Keanu Reeves. O ator está ótimo como um anjo com pequenas asas e bom coração, que acaba se sensibilizando com a perdida alma de Arj e resolve largar tudo para ter uma vida terrestre. Na experiência mundana ele se apaixona por hambúrgueres, tacos, se torna um fumante inveterado, aprende a dançar e se diverte muito com a sua nova condição. E realmente é o único que diverte no filme, Reeves não se leva a sério demais, livre e solto é responsável pelos momentos mais divertidos do filme. 

A estreia de Aziz atrás das câmeras pode se resumir num filme bem produzido, realizado com segurança nos quesitos técnicos, com estética agradável, moderna e apurada, contando com um ótimo elenco de primeira. Boas intenções não faltaram, num roteiro que mistura um monte de referências cinematográficas com crítica social e humor, mas falha nos dois quesitos, apresenta um panorama tão superficial de assuntos tão delicados da realidade, e para piorar, faz isso com pouca graça, e nem a ajuda angelical e divertida de Keanu Reeves salvam o decepcionante filme. 

Written By
Lauro Roth