Por liberdade, igualdade e pelo futuro – “Suprema”

A igualdade de gênero é uma luta diária, especialmente para nós, mulheres, e contamos com algumas heroínas da vida real para nos inspirar nessa luta árdua, uma delas é Ruth Bader Ginsburg (conhecida como RBG), primeira advogada (mulher) a integrar a Suprema Corte dos EUA e a levar a discussão de gênero para a pauta dos tribunais.

O longa “Suprema”, de 2018, dirigido por Mimi Leder e dirigido por Daniel Stiepleman, retrata como tudo começou, desde o momento em que RBG começou a estudar em Harvard até o momento que conseguiu começar a ser ouvida de fato. A produção está no catálogo nacional da Amazon Prime Video.

A escola de Direito da Harvard, aquela aclamada e famosa, só começou a aceitar o ingresso de mulheres em 1945, pouco tempo depois recebeu como estudante Ruth Bader Ginsburg, na sua turma só havia 09 mulheres. Embora o espaço estivesse aberto, pouca credibilidade ainda era dada à mulheres, tanto que elas tinha que provar o quão merecedoras eram de ter “tomado” uma vaga de um homem.

Ruth era resiliente, inteligente, contestadora, tinha a resposta certa para as adversidades. Seu marido, Marty, também cursava Direito, ele estava um ano a frente dela e sempre a apoiou em todas as decisões, sendo um verdadeiro parceiro na vida privada e pública. Parecia até um sonho se realizando, mas a realidade bateu à porta.

Ainda no primeiro ano de faculdade de Ruth ela teve que enfrentar um momento doloroso junto a Marty, ele estava acometido de câncer e as chances de sobrevivência na época não eram muitas. Eles não desistiram hora nenhuma, nem de lutar pela vida dele nem de estudar. Além de cuidar de Marty e da filhinha deles, Jane (que tinha por volta de 1 ano na época) e assistir as suas aulas, Ruth assistia as aulas da turma de Marty também, fazia anotações e levava os trabalhos para ele fazer em casa.

E foi assim que Marty se formou e conseguiu rapidamente um emprego em uma firma de Nova York. Isso significava que eles teriam que se mudar (Harvard fica em Massachusetts) e Ruth precisaria transferir o curso de Direito para Columbia. Embora o reitor de Harvard tenha sido um grande obstáculo, ela conseguiu a transferência, tendo se formado com honras lá e publicado artigos nos periódicos das duas universidades.

Academicamente Ruth tinha ganhado uma batalha, mas enfrentar em Nova York nada diversificada nos anos de 1950 dava início a outra batalha. As firmas de advocacia ficavam impressionados com o currículo acadêmico dela, mas nas entrevistas de emprego sempre vinham perguntas típicas da misoginia, como “quando terá seu segundo filho?”, ou pior, diziam que as esposas dos advogados ficariam com ciúmes.

Por fim ela conseguiu um emprego de professora em uma universidade, porque eles não conseguiram um homem negro para a vaga então uma mulher seria a melhor opção. Isso porque a disciplina era sobre discriminação.

Ruth se tornou uma professora admirada pelos alunos, abrindo os olhos para a discriminação de gênero, algo que teve destaque crucial anos depois, nos anos 1970, momento em que os jovens foram às ruas questionar sobre isso e outras bandeiras importantes. Uma geração mais consciente das desigualdades.

A essa altura a filha de Ruth e Marty já tinha 15 anos e fazer parte dessa geração contestadora, o que causou certas discussões dentro de casa, mas foi isso que fez Ruth perceber que havia desistido de seu sonho principal, ser advogada, mudar o mundo ou as regras do mundo em que vivia.

Com ajuda de Marty, ela conseguiu encontrar o caso perfeito para advogar, um cuidador que não havia conseguido isenção fiscal porque era homem. Na época a lei para a profissão de cuidadores era destinada às mulheres, porque essa atividade era “feminina”, só que o cliente de Ruth, Charles Moritz, tinha todos os requisitos para ser contemplado pela lei (exceto o gênero).

O processo girava em torno da inconstitucionalidade da lei, que diferenciava homens de mulheres, contrariando a Constituição, que garantia igualdade. Eles estavam enfrentando o Estado, as tradições, a “família tradicional estadunidense” e, só para agravar, o ex-reitor da Harvard (que conhecia bem Ruth). Caso ela conseguisse criaria um precedente para casos semelhantes.

Traduzindo o juridiquês para o português: julgamentos de casos assim seguiriam o exemplo desse e até as leis poderiam sofrer reformulação, corrigindo a discriminação.

Não era uma tarefa fácil, ela foi hostilizada desde o início, ao procurar ajuda de amigos, como Mel Wulf (ele não acreditou muito, mas acabou apoiando depois), ou da advogada que admirava tanto (uma heroína de seu tempo), Dorothy Kenyon. Mas ela teve apoio do marido, da filha, das alunas e cliente (Moritz), o que a fez prosseguir, chegando até a defesa final, na Suprema Corte dos EUA.

O processo foi vitorioso, ele mostrou para os três juízes da corte que o mundo lá fora já havia mudado, tudo que eles estavam pedindo ali era o apoio legal para que as mudanças corressem em seu curso natural.

O filme termina com a próprio Ruth Bader Ginsburg na escadaria da Suprema Corte, local onde se tornou frequente. Depois desse primeiro caso ela defendeu outros e, em 1993, foi nomeada para ser juíza consultora, carga em que trabalhou por mais de duas décadas. RBG faleceu no início desse mês, no dia 18 de setembro (2020), ainda trabalhando.

Ah, e Marty Ginsburg a acompanhou por toda a vida, sendo aquele mesmo parceiro apoiador e apaixonado. Ele faleceu dez anos antes dela, em junho de 2010 … venceu um câncer ainda jovem e pode ver a trajetória da esposa e a filha se tornando advogada também.

O filme dura quase duas horas e dessas muitas cenas são de tirar o fôlego, seja pela misoginia praticada deliberadamente seja pela força natural de RBG. O pior é saber que muito do comportamento que ela enfrentou, há quase 70 anos, ainda existe na nossa “moderna” sociedade, mostrando quão nós precisamos da coragem dessa mulher.

Embora eu seja advogada há 05 anos, nunca havia ouvido falar de RBG, até ver a notícia do falecimento. Coincidentemente, já havia visto o cartaz de “Suprema” ao navegar pelo catálogo da Prime Video e me interessei por assistir, então aproveitei o momento para conhecer melhor a história dessa defensora dos Direitos Civis e das Mulheres.

A história, o filme, a mulher RBG precisam ser mostradas para todas alunas de Direito no mundo, é uma preparação para cada desaforo que ouvimos desde o dia em que decidimos nos destacarmos de alguma forma. Uma inspiração para continuarmos com nossos projetos, enfrentas o status quo de uma profissão tão desafiadora, aprender a dizer mais e mais aquela pergunta capciosa: “por que não?”.

Também é importante para entendermos o quão enraizado é o machismo e as demais discriminações. Na Constituição dos EUA não havia um trecho que se falasse sobre as mulheres, embora elas fossem votantes e participassem ativamente do mercado de trabalho.

As leis que falavam em mulheres garantiam tratamentos diferentes e, como é muito bem falado ao longo do filme, era visto como privilégio, mas parecia mais uma prisão, porque elas estavam presas àquele cenário, sem previsão de mudança. E isso também representava uma limitação para os homens, porque eles também não poderiam trabalhar em “profissões femininas”, como a de cuidador!

Meu lado advogada se empolgou com cada virada de mesa por meio de belas palavras faladas pela protagonista. Eu até me emocionei, literalmente chorei na hora dos créditos (entendam “chorei” como uma lágrima rolando de cada olho, isso já é grande coisa para quem nunca nem se emociona).

Uma história bem escrita e dirigida precisa de talentos na frente das câmeras para fazer jus, o elenco de “Suprema” fez exatamente isso.

RBG foi representada por Felicity Jones. Falei dela na resenha que fiz de “Os Aeronautas”, onde ela também interpretou uma “personagem” real (com mais licenças poéticas), lembro aqui que ela também representou Jane Hawking em “A Teoria de Tudo”. Ela sabe fazer justiça a grandes nomes da história!

Marty Ginsburg é interpretado por Armie Hammer, conhecido por filmes como “A Rede Social”, “Me Chame Pelo Seu Nome”, “O Agente da U.N.C.L.E.” e “Espelho, Espelho Meu”. Confesso que não esperava tanto ao ver o nome dele (gosto do ator, mas não acompanho muito), mas o personagem é crucial e, diferente de muitas histórias de mulheres fortes, ele não se tornou rival dela, o ator conseguiu passar essa característica essencial.

A filha deles, Jane, é vivida por Cailee Spaeny, conhecida por “Maus Momentos no Hotel Royale” e “Vice”. Ela foi o “elemento surpresa”, para mim, pelo menos, não esperava que a filha fosse aparecer na história dessa forma, mas ela foi quem fez a mãe acordar para o momento em que o país estava vivendo, mostrando-se ser a mudança que ela esperava para mudar as leis que condenava. E a atriz deu conta do recado perfeitamente.

Obs.: Se não fosse Cailee Spaeny, Jane poderia ser representada por Chloe Grace Moretz (“Carrie, a Estanha”).

Mel Wulf foi vivido por Justin Theroux. Wulf era amigo de Ruth, ele comandava uma associação que lidava com casos de minorias, embora fosse duro com a amiga e que tenha duvidado da empreitada, ele foi grande apoio para ela. Justin Theroux é conhecido por filmes como “As Panteras Detonando”, “Tempestades de Amor” e “Miami Vice”.

A heroína de RBG, Dorothy Kenyon, é interpretada por Kathy Bates, conhecida por seu emblemático papel em “Titanic” e por filmes como “Segredos do Poder”, “O Mistério da Libélula” e “Meia Noite em Paris”, além de séries como “The Office” e “American Horror Stories”. É sempre bom ver Kathy Bates com doses de sinceridade.

Charles Moritz, o cliente de Ruth, foi interpretado por Chris Mulkey, conhecido pelas séries como “Twin Peaks” e “Castle Rock” e filmes como “Whiplash”, “Uma Noite de Crime” e “Capitão Philips”.

Do outro lado do processo estavam Erwin Griswold (ex-reitor de Harvard), professor Brown e Jim Bozarth. Griswold é interpretado por Sam Waterston, conhecido por “Law & Order”. Brown é interpretado por Stephen Root, conhecido por séries como “Barry”, “Amphibia” e “The Man in the High Castle”. Bozarth é interpretado por Jack Reynor, conhecido por “Sing Street” e “Midsommar”.

 

 

História de grandes e fortes mulheres, reais ou fictícias, é a melhor categoria de filme/série/livro para mim e a de RBG é exemplo perfeito disso!

Até mais.

 

Foto de destaque da IMDb.

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