Crítica: Priscilla

No ano de 2022 fomos apresentados à visão cinematográfica do rei do rock Elvis Presley pela direção moderna, frenética e intensa de Baz Luhrmann, filme que deu uma pequena amostra a novas gerações que não vivenciaram o poder do fenômeno que foi Elvis Aaron Presley. Mesmo com alguns torcendo nariz, o filme fez um grande sucesso, aumentando a aura do artista. Sofia Coppola, pouco mais de um ano depois, apresenta seu contraponto, na forma de Priscilla Ann Beaulieu, que por alguns anos viveu o sonho (ou o pesadelo) de ser a esposa do Elvis, no filme Priscilla (idem, 2023), que estreia no Brasil nessa derradeira semana de 2023.

O filme narra o relacionamento de Priscilla e Elvis. Desde a época em que ela tinha 14 anos e vivia com a família na Alemanha, já que seu pai era militar, e em 1959, com Elvis servindo o exército no país europeu, conheceu a menina e se encantou com ela. Na época ele tinha 24 anos e ela 14 anos. Mostra que Elvis praticamente bancou a vida da menina, a trouxe para Graceland em 1962, pagou seus estudos e quando ela fez 18 anos a pediu “oficialmente” em namoro. Casaram em 1967 e tiveram Lisa Marie em 1968, mas os altos e baixos do relacionamento, as manias e atitudes tóxicas de Elvis, tornavam o então conto de fada numa prisão para Priscilla, além é claro, das inúmeras traições do cantor com a esposa, o que a faziam sofrer calada e viver num mundo de ilusão, sendo obrigada, ao mundo, transparecer que o casamento deles era perfeito.

Muita expectativa e grande decepção na nova película de Sofia Coppola. A talentosa, mas superestimada realizadora, adaptou o livro Elvis e eu, de 1985, escrito por Priscilla e Sandra Harmon, onde ela conta seu intenso e turbulento relacionamento com Elvis. Sofia, muito fã dessa obra, tinha como sonho adaptar essa dramática história para as telonas. Só que, infelizmente, Priscilla é um filme engessado, quadrado demais e por vezes preguiçoso na direção, abusando de clichês como trilha sonora preenchendo vazio de imagens e filmagens estilo videoclipe para registar os momentos do famoso casal. Algumas vezes lembram aquelas cinebiografias televisivas que passavam no SBT nos anos 1980, extremamente didáticas e sem sal. E justamente, em Priscilla, falta alguma coisa. Mesmo passando pelos 13 anos, desde que conheceu Elvis com 14 anos, numa base americana na Alemanha, até a libertadora separação, parece que jamais conhecemos a personalidade de Priscilla.

A pouca profundidade psicológica da sofrida personagem incomoda, por vezes a vemos apenas como um brinquedo ou troféu do egocêntrico Elvis. Outro detalhe é que o filme dá muito protagonismo para Elvis, ofuscando de vez a personagem central, em certos momentos parece que estamos vendo mais um filme de Elvis, na trama representado como um narcisista, obcecado por Priscilla, querendo mandar e desmandar na vida da menina com seu poder de persuasão e caráter dominador. Em alguns poucos acertos do filme, é o angustiante silêncio da protagonista, que sofre calada, apenas ouve e obedece e sua solidão constante, mesmo vivendo rodeada de gente e num casarão de conto de fadas, quase como uma princesa sofrida, que ao contrário de viver a fantasia, espera pacientemente que seu príncipe a liberte (ou mude) ou ela mesmo tenha coragem de fugir do castelo.

Cailee Spaeny está muito bem como Priscilla. Fisionomia e fisicamente parecida, mesmo com um roteiro que pouco explorou a personalidade da personagem, se salva com uma intimista atuação, nos passando a solitária angústia da esposa do rei do rock. Já Jacob Elordi, só fisicamente e como cosplay do Elvis está bem, não posso falar muito da sua atuação, exagerada com aquela voz forçada e por vezes roubando (e cansando) nas cenas do filme, roubando o protagonismo, mas aborrecendo muito, com pouco carisma. E detalhe, ao menos queria ver um filme da Priscilla com menos Elvis ofuscando a protagonista.

Como todos os filmes da diretora, uma esmera e deliciosa trilha sonora conduz (até demais) a trama, e na impossibilidade de usar músicas do Elvis devido a direitos autorais, utiliza algumas pérolas dos anos 1960 e 1970, e também dá espaço para Ramones, Dolly Parton e artistas contemporâneos, em uma bela miscelânea sonora de agradável escolha para nossos ouvidos, muitas vezes sendo apenas a única coisa que nos mantém ligados na trama, ou falando a verdade, acordados, tamanha a modorrenta montagem do filme que transforma sua pouca mais de uma hora e meia de trama parecer um épico interminável.

O que posso concluir de Priscilla: é que se queremos conhecer o relacionamento conturbado e apaixonado dela com Elvis, ainda é preferível ler Elvis e eu, onde ali realmente sentimos o drama, os medos, a paixão e as dores da alma de Priscilla. Sofia nos apresentou um filme pouco reflexivo, onde falta profundidade e de uma maneira cronológica confusa nos apresenta sem grandes novidades o relacionamento de 13 anos dos dois, onde apenas a caprichada reconstituição de época e a trilha sonora empolgante nos dão força para seguir firme na trama, devido ao roteiro parco, montagem cansativa e uma direção de Sofia, apenas correta. Enfim, fica devendo quem era Priscilla, o que ela pensava, o que ela realmente sentia, o que realmente queria a esposa do rei do rock, e além de pegar leve nele, um cara abusivo, dominador e neurótico, que no filme ganha um protagonismo e uma passada de pano que não merecia. E para fechar o indigesto filme, somos premiados com um final constrangedor, onde Priscilla pós-separação, pega seu carro e se liberta dos portões de Graceland. O que poderia ter um simbolismo poético acaba sendo de uma cafonice sem tamanho, com direito a versão de Dolly Parton de I Will  Always Love You no fundo. O que parece muito pouco do que foi a intensa, apaixonada, sofrida e forte Priscilla Ann Beaulieu, uma mulher muito maior que apenas a esposa do Elvis.

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