Pequena Grande Vida (Downsizing). Uma grata surpresa que merece ser vista e analisada.

Descobertas científicas ocorrem todos os dias. Das mais simples às incomuns. O fato é que a ciência não para. Pequena Grande Vida (Downsizing) aborda um passo inimaginável para a humanidade: a possibilidade de reduzir o tamanho das pessoas e, por consequência, a produção de lixo, a necessidade de espaço, o consumo de alimentos, despesas com vestuário, etc.

Entre a descoberta da real possibilidade de encolher um humano até o momento em que realmente o protagonista Paul Safranek (Matt Damon) decide que se tornar pequeno é a solução para seus problemas, passaram-se quinze anos.

Paul é um fisioterapeuta do trabalho. Ele conviveu por anos com a mãe doente, tem uma esposa que deseja muito mudar de casa e sua rotina não o satisfaz. O casal reflete muito da nossa realidade, onde o casal só se vê à noite, cansados e estressados pela imutável rotina que as pessoas comuns são submetidas.

Ele convence sua esposa, Audrey (Kristen Wiig), a se encolher. Apesar de não ser tão próspero, suas economias seriam suficientes para bancar uma vida infinitamente melhor para eles, já que estariam vivendo em uma colônia para “pequenos”.

Diante das dificuldades para conseguir um novo lar, eles recorrem a Lazerlândia, uma comunidade de pequenos onde a possibilidade de adquirir não só a casa dos sonhos, mas a vida dos sonhos, é uma realidade. E com preços acessíveis.

Diga-me: se você e sua (seu) parceira (o) tivessem a oportunidade de morar em uma área luxuosíssima, com todo o conforto e proteção para o resto da vida pelo preço de um apartamento no Rio de Janeiro ou em São Paulo de 40 metros quadrados (algo em torno de, no mínimo, 250 mil reais) vocês desperdiçariam a chance?

Imaginem famílias inteiras morando da forma que sempre sonharam, mas com um mínimo de despesas, produção de lixo quase irrisória e em um espaço gigante para elas e minúsculo para nós. Seria quase um “remake” modernizado do Paraíso.

Essa é a definição de Lazerlândia: o paraíso.

Mas a decisão não afeta apenas quem queira ser encolhido. E como ficam os parentes, amigos e demais conhecidos que não optaram pelo encolhimento? A área onde os pequeninos vivem é inacessível para pessoas normais. Logo, quem optar por ser um “habitante do reino de Lilliput” está fadado a ficar distante dos que não escolheram isso. É uma decisão difícil e nem um pouco simples.

Gradualmente nós vamos contemplando uma vida diferente da nossa… mas não tão diferente quanto gostaríamos. Há ricos (de verdade) e pessoas que vivem bem em Lazerlândia. Paul é um dos que apenas vivem bem. Digamos que a separação não lhe fez muito bem.

Uma coisa que Paul Safranek aprende com dificuldade em Lazerlândia: o luxo que a propaganda mostrava tinha um preço. E esse preço é cobrado para que seja mantido. Frente à nova realidade, ele conhece o Dusan Mirkovic (Christopher Waltz) vizinho rico com um único propósito em sua vida que é a diversão. Ele é exótico, divertido e pervertido, mas é uma boa pessoa. E ainda tem seu amigo Konrad, cujas qualidades são idênticas, papel destinado ao ótimo ator Udo Kier.

E é a partir daí que entra uma interessante observação do filme: a humanidade moderna sempre terá divisões de classes e, sobretudo, injustiças. Paul conhece uma refugiada vietnamita Ngoc Lan Tran (interpretada pela competente Hong Chau). Ela já foi uma celebridade, mas as necessidades têm um preço a ser cobrado. Hoje, a refugiada é uma faxineira. Sim, nem tudo são flores em Lazerlândia e isso fica bem evidente quando descobrirem o lugar onde ela mora.

Diante de uma situação inesperada, Paul se vê envolvido em um “mundinho” cuja realidade assusta, assim como encontramos no mundo grande. Isso fará o espectador compreender que os problemas são gerados diretamente por nosso estilo de vida onde o isolamento é uma forma de fuga, enquanto o resto do mundo (aquela parte triste e que choca) fica longe por meio de muros, painéis ou outras formas de camuflagem.

Downsizing é um exercício de reflexão sobre nossa condição humana, o descaso com o próximo, a banalização do consumo e a degradação ambiental. Somos chamados cientificamente de Homo Sapiens, mesmo que não tenhamos demonstrado tanta sabedoria ao longo dos séculos. Erradicamos doenças, criamos naves que podem ir a outros planetas, desenvolvemos alimentos em condições extremas e, mesmo assim, novas doenças surgem, extinguimos animais, desequilibramos o ecossistema e o pior de tudo, matamos a nós mesmos.

Trunfos do filme.

Além de uma história muito bem escrita por Jim Taylor e Alexander Payne (que é o diretor), o longa conta com um elenco impressionante. Essa junção de ótimo roteiro e elenco ganha impacto com a direção de Payne que soube fazer um filme com um tom leve de humor e drama, porém enfático na dramatização de situações que afligem a sociedade moderna. Desde nossa preocupação exacerbada com o conforto e tecnologia, o isolamento que a vida digital provoca, o descaso com o próximo e, sobretudo, as diferenças sociais que tanto incomodam nos discursos (e cujas soluções sempre são postas em 9º plano de prioridade), Pequena Grande Vida não poupa críticas aos nossos comportamentos e atitudes… ou melhor, a falta de atitude.

Aquilo que aparentemente seria mais um filme do tipo “Querida, encolhi as crianças” ou outras comédias similares acaba por se tornar uma verdadeiro exercício de reflexão e um tapa leve em nossas faces, pois somos responsáveis por sermos omissos diante das injustiças e da desigualdade.

Conclusão.

O maior questionamento de Pequena Grande Vida é o real impacto de nossa presença e nossos atos no planeta. Há uma análise crua e assustadora de uma sociedade voltada para o consumo, desprovida de preocupações com os que os cercam e não podem viver bem. Em contrapartida, a lição sobre a esperança, amizade e fidelidade que é construída com o decorrer do longa-metragem está magistral.

Um filme inesperado, bonito e que aborda com humor e drama algumas de nossas maiores vergonhas. Aliás, o que dá ainda mais peso ao filme é a coragem de mostrar nossas covardias, mesquinhez e descaso com o mundo e o próximo. Obra recomendadíssima,

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