Papas da Língua 30 Anos no Araújo Vianna

Quando, há 30 anos, Léo Henkin, guitarrista e compositor, resolveu montar uma banda e simplesmente chamou um Dream Team para se juntar a ele, talvez jamais imaginaríamos  o tamanho do sucesso que essa junção fosse fazer. Com Serginho Moah nos vocais, Zé Natálio no contrabaixo e Fernando Pezão na bateria, Léo formou com essas feras, no Rio Grande do Sul, o Papas da Língua. Até pela história do guitarrista e de Serginho na publicidade, era quase certo que a banda seria um sucesso. Em 1995, com o primeiro disco, a banda ainda tinha uma pegada mais reggae, mas sempre de um apelo comercial latente, que ficou evidente com o segundo disco, um clássico aqui no Rio Grande, o Xá Lá Lá, em que praticamente todas as canções estouraram e a banda seguiu como uma fábrica de hits. Mesmo com um hiato de alguns anos, ano passado eles voltaram para comemorar os 30 anos da banda, e nesse ano, com um show no Araújo Vianna, nosso templo porto-alegrense da música, foram comemorar essa solene marca num momento histórico que tivemos o prazer de assistir e conto nas linhas que vem logo abaixo.

Sábado de muito calor no fim de verão porto-alegrense pontuava a noite e um enorme público se fez presente. Com tanto cadeiras quanto as laterais tomadas, cerca de 4 mil pessoas estavam na expectativa de assistir a maior fábrica de hits do Rio Grande do Sul. Mas com show marcado para às 21 horas, a banda teve a deselegância de subir ao palco às 22 horas. Aí vem minha crítica, nada pessoal a banda, mas a falta de horários de alguns shows no Brasil. Poxa, uma hora não é tolerância, é sim falta de respeito com gente que paga caro, chega cedo e vem de longe. Essa história de atrasar shows é um tiro no pé, cansa a plateia e muitas vezes torna a experiência de um espetáculo num imenso aborrecimento. Uma pena. Então, por volta das 22 horas, o quarteto sobe ao palco acompanhado por Luciano Albo nas guitarras base e pelo quinto Papas, Cau Neto nos teclados. Com a música Vem Pra Cá, de 2002, que foi trilha de novela, desde cedo, mesmo cansada, a plateia se rende à banda para cantar junto. O que vem a seguir é um festival de sucessos que só uma banda como o Papas tem como cartel. Mesmo com um som ainda não ideal nas primeiras músicas, eles seguem com Calor da Hora e Vou Ligar.

Com o som mais nos trinques, apesar de uma luz lateral que incomodava os olhos dos espectadores nas laterais, a banda seguiu um primeiro bloco só de pedradas e sucessos como I Fall In Love, Pó de Pimenta, Essa Não é a Sua Vida, do primeiro disco. Nesse momento, Serginho Moah, já sem o violão, comandava a massa que ia ao delírio com uma empilhada de hits.

Um Dia de Sol, Universo Colorido, a versão da banda para Sorte (provando que a banda além de composições próprias, tem versões e covers muito bem executados, com a marca do Papas). Pra Gente Passear encerra essa primeira parte do show, com a galera de pé, cantando e vibrando com a performance do grupo. Papas prima por uma sonoridade moderna, com guitarras com muito efeito, samplers, linhas de teclados, baixo robusto e bateria reloginho de Pezão, unindo a modernidade mas sem perder a orgânica tradição, onde quem agradece são nossos ouvidos, tamanho trabalho sonoro da banda.

Uma pausa para a montagem do set acústico dá uma quebrada de gelo na plateia, já cansada pelo enorme atraso. Mas em 10 minutos a banda volta sentando em bancos, com Pezão com um kit de bateria econômico e  muito chocalho e Henkin e Moah com violões em punho. Começaram o bloco com o super sucesso Eu Sei, onde as luzes dos celulares iluminaram o Araújo, num momento tocante do show. Em seguida, o Papas faz uma viagem ao início de tudo, por volta de 1993, 1994, quando era uma banda de reggae, ou ao menos rotulada como, mandando ver com o  clássico regional Democracy. Mas apesar das belas interpretações, ficava nítido que aquela vibração inicial do show foi interrompida pelo intimismo do formato desplugado, e mesmo canções como Juliana, Baby (mais um cover), Espelho Meu, Pensando Nela (um inusitado cover de Dom Beto), a ótima Noite de Reggae não empolgaram tanto. Só conquistaram o público de novo com mais um cover de Rock and Roll Lullaby, versão bem Papas da Língua. Não tem como não concordar que a banda é feita por geniais músicos, Léo Henkin toca muita guitarra e um compositor de primeira, Zé Natálio um dos maiores baixistas do Brasil, Pezão uma lenda da bateria, mas todos um tanto frios no palco. Quem carrega a banda é a simpatia e energia de Serginho Moah que toca, dança, anda de lado a lado do palco e agita a  massa com sua indefectível suave voz rouca,  mas ele é apenas um quarto da banda e se sobrecarrega pra preencher a falta de presença dos outros músicos.

Passado o momento acústico que desorientou parte do público, seguem com a parte final, aí sim mais um monte de petardo e levantando mais uma vez o povo. Clássicos como Viajar, Ela Vai Passar, seguindo com Lua Cheia, a animada Disco Rock, a empolgante Oba Oba e Pequeno Grande Amor fazem as cadeiras e laterais do Araujo virar um baile, mesmo com a hora avançada. Para terminar, tocam o reggae Mary Jane e encerram o set parte três com Blusinha Branca, essa com Serginho numa interação incrível com a galera, trocando de cor das camisas da letra, conforme via os fãs, encerrando em grandíssimo estilo. Mas ainda tinha um bis, onde achei meio forçado uma banda com tanta música boa e própria emendar dois covers, Pingos de Amor e acabam com a ótima Quero Botar Meu Bloco na Rua, de Sérgio Sampaio, mas com todo respeito: cadê as Garotas do Brasil?: um dos mais animados e certeiros hits da banda. Enfim, fechando com 28 músicas, mais de duas horas de show (e uma de atraso).

O Papas da Língua, com seus 30 anos de sucessos próprios e inúmeros covers, com sua marca, merecia uma celebração dessas, com 4 mil pessoas prestigiando uma banda daqui e lotando um Araújo. O Papas, como brinco, não tem hits, tem praticamente jingles, músicas de tão fácil assimilação comercial e a fórmula pop que se dão o luxo de até não tocarem algumas e fazem um grande show. Repito, uma hora de atraso não é algo normal, ainda mais pra uma banda daqui, uma falta de respeito que sim, deixou o show mais cansativo, que dividido em camadas desiguais, não teve aquela emoção contínua de um show desse tamanho. Mas fico feliz que essas quatro feras estão de volta, celebrando no palco, no habitat que eles dominam muito bem. Um show para fãs e para quem gosta de pop perfeito, canções que embalaram esses 30 anos de uma banda que atravessou as fronteiras do Mampituba e com responsa conquistou o Brasil também, e fez o Araújo tremer e matar a saudades, mas não precisava ter atrasado tanto…

Crédito das fotos: Vívian Carravetta

Mais do NoSet