Close
CRÍTICAS

Mickey 17 (2025, Bong Joon-Ho)

Mickey 17 (2025, Bong Joon-Ho)
  • Publicado em: março 5, 2025

Mickey 17, dirigido por Bong Joon-ho, é baseado no livro Mickey7 de Edward Ashton. A história acompanha Mickey Barnes, um “descartável” — um clone criado para missões suicidas. Cada vez que morre, sua consciência é transferida para um novo corpo, mantendo suas memórias. No entanto, quando um de seus clones anteriores sobrevive inesperadamente, a situação gera um dilema existencial e coloca em risco a missão e toda a colônia humana.

Um exercício impossível de ser feito quando se conhece a obra original em relação à adaptação são as comparações entre uma e outra. Isso não quer dizer que a original sempre vai ser melhor. Um exemplo que gosto de citar é a excelente adaptação do livro de José Saramago O Homem Duplicado pelas mãos de Denis Villeneuve. Não tenho medo de utilizar a palavra GENIAL para ambas as obras em seus diferentes formatos, mesmo sabendo que um longa-metragem é impossível de abordar todos os temas de um livro, é uma adaptação com vida própria que complementa a obra do autor português.

No caso de Mickey17, a primeira diferença notável em relação ao livro está no número de clones. Enquanto na obra original o conflito ocorre entre Mickey7 e Mickey8, no filme ele se dá entre Mickey17 e Mickey18. Antes de assistir ao material promocional, cheguei a cogitar se o filme seria uma continuação, apesar de o livro não deixar muitas brechas para isso. No entanto, o trailer (que você pode conferir ao final do texto) deixa claro que se trata de uma adaptação da mesma história escrita por Edward Ashton.

Ao contar a mesma história, mas com dez mortes a mais para o protagonista, o filme acaba reduzindo o peso da narrativa. Na obra original, a premissa é clara: morrer é ruim. Mickey7 lamenta profundamente suas seis mortes anteriores e se revolta ao perceber que precisará morrer uma sétima vez. No filme, esse número sobe para dezesseis, o que enfraquece o impacto da morte do “descartável”. Como essas mortes extras não são exploradas na narrativa, a mudança parece uma decisão arbitrária do diretor — seja para diferenciar sua obra da original ou simplesmente por preferência pessoal. Além disso, o primeiro terço do filme segue quase literalmente os primeiros capítulos do livro.

As diferenças começam a surgir quando o filme estabelece que cada clone possui uma personalidade distinta. Com isso, Mickey18 se torna um alter ego de Mickey17, permitindo uma interação mais convencional, típica de filmes hollywoodianos. A clássica dinâmica do “gêmeo bom e gêmeo mau” é mais fácil de trabalhar do que explorar dois personagens com personalidades idênticas.

Você já viu um filme assim? Eu também não, mas gostaria. O mais próximo que encontrei foi o livro Mickey7, que recomendo.

Perdão pela ironia, mas ao diferenciar as personalidades dos clones, o filme se distancia do livro da pior maneira possível. A abordagem “good cop, bad cop” transforma a história em mais um filme de ação genérico, desperdiçando a oportunidade de explorar uma ideia inovadora. Bong Joon-Ho poderia ter trabalhado a sutil diferença entre Mickey7 e Mickey8 — que se resume ao fato de um saber um segredo que o outro desconhece —, mas, em vez disso, entrega uma ficção científica padronizada que não sabe como desenvolver uma premissa original.

Outra mudança na adaptação — e, dessa vez, uma escolha mais acertada — é a forma como o filme transforma a devoção dos tripulantes da nave pelo comandante em uma sátira política dos Estados Unidos contemporâneo. Bong Joon-Ho não hesita em retratar o personagem de Mark Ruffalo como uma alegoria de Donald Trump, traçando paralelos válidos entre a missão de colonizar um novo planeta e o imperialismo estadunidense. Essa abordagem ajuda a evitar que o longa se torne completamente genérico em certos momentos. No entanto, as atuações exageradas de Toni Collette (que nasceu para esse tipo de papel) e de Mark Ruffalo (que, definitivamente, não nasceu) acabam ultrapassando o limite do histriônico que a narrativa propõe.

Por outro lado, há destaques positivos no elenco. Naomi Ackie, que interpreta a namorada de Mickey, encontra o tom ideal, mesmo com o pouco background que sua personagem recebe. Considero essa a melhor atuação que vi dela até agora, especialmente em comparação com seus papéis na franquia Star Wars e no recente Pisque Duas Vezes, onde, para mim, ela foi um ponto fraco. Steve Yeun também entrega um bom desempenho, mas seu personagem acaba se tornando apenas um vilão secundário quando o filme se afasta da obra original. O roteiro de Mickey17 simplesmente não consegue encaixá-lo na história que Bong Joon-Ho deseja contar.

Já Robert Pattinson está realmente fascinante. Ele interpreta dois personagens bem distintos de tudo o que já fez na carreira e, no papel principal, incorpora com precisão o tom de paspalho que o protagonista exige. Acredito que, se o restante do elenco estivesse mais alinhado com a seriedade da obra original, sua atuação se destacaria ainda mais.

No fim, Mickey17 se distancia do material original de maneira que enfraquece sua premissa. A sátira política adiciona um novo contexto à história, mas a escolha de modificar a dinâmica entre os clones e exagerar em certas atuações transforma a adaptação em um filme genérico. O roteiro abre mão da sutileza e do conflito central do livro, trocando a complexidade da narrativa por convenções mais fáceis de assimilar. O resultado é uma obra que poderia ter explorado melhor suas ideias, mas opta por um caminho seguro que não faz jus ao potencial do material de origem.

Nota 3/10

TRAILER

Written By
Rodrigo Zanateli

https://filmow.com/usuario/zanatelixta/