Filmes que retratam o Nordeste brasileiro

Sabe aquele pessoal estrangeiro que, ao ouvir falar do Brasil, já imagina logo macacos na rua, a gente morando no meio da selva, e outros estereótipos? Absurdo, né? Mas até mesmo aqui no país tem gente com um pensamento semelhante sobre o Nordeste, que acha que por aqui vai encontrar só terra rachada, ossos de animais espalhados pela rua e o povo pobre morando em casa de reboco morrendo de sede. Tudo bem que o calor aqui é infernal mesmo (estou escrevendo neste momento direto de Mossoró – RN, com deliciosos 37 graus na sombra), e não vou negar que o Nordeste ainda enfrenta o problema da seca, mas se trata de uma região de importância ímpar para o país, de ordem econômica, social e cultural.

O Nordeste também é cenário e fonte de belas histórias retratadas no cinema. Resolvi aqui compartilhar alguns de meus filmes preferidos que foram gravados aqui no NE. Essa lista não está em qualquer ordem de melhor filme, preferência ou qualquer outro indicador de classificação, fui me lembrando e escrevendo. Cito aqui 15 filmes que abordam nossa cultura, nossas paisagens, nossos costumes e nossa essência. Mesmo citando mais algumas menções honrosas no final, é claro que vai faltar muito filme aqui. Que bom!!! Isso só mostra nossa diversidade.

1. Para começar, me responda: qual foi o filme que mais esteve perto de levar o Oscar de melhor filme estrangeiro? E de quebra ainda levamos uma inédita indicação a melhor atriz para Fernanda Montenegro? Exato, “Central do Brasil“. O longa de Walter Salles lançado em 1998 conta a emocionante história de Dora e Josué. Uma escritora de cartas para analfabetos na estação Central do Brasil – RJ acolhe um garoto que sonha em conhecer o pai, e decide levá-lo ao interior do Nordeste para realizar seu sonho. Um lindo filme, uma atuação magistral, e um pouco da realidade do sertão de Pernambuco (mais especificamente, um povoado chamado Cruzeiro do Nordeste, no município de Sertânia, a 300Km de Recife).

2. Perguntar sobre o filme nacional preferido é questão de gosto, óbvio. Mas existem algumas quase unanimidades em qualquer lista deste tipo. Desafio a fazer um TOP 5 sem incluir pelo menos um destes longas: Cidade de Deus, Tropa de Elite e (a minha escolha) “O Auto da Compadecida”. O longa foi gravado em Cabaceiras, no sertão da Paraíba, que depois se tornou a “Roliúde Nordestina”, em virtude do sucesso do filme.

O “auto” é um clássico, quase como um representante oficial da nossa cultura. Claro que tem alguns exageros, mas não nos esqueçamos que é uma comédia. E das que funcionam! Guel Arraes adaptou com perfeição o humor e a visão de Ariano Suassuna. As aventuras de Chicó e João Grilo já fazem praticamente parte do nosso folclore. Como isso aconteceu? Não sei, só sei que foi assim…

3. Mais uma comédia de sucesso foi “Lisbela e o prisioneiro” (2003). Elenco, roteiro e trilha sonora (incluindo sucessos como “Você não me ensinou a te esquecer” de Caetano Veloso e a versão de “Espumas ao Vento” de Elza Soares). Tudo funcionou aqui! Também dirigido por Guel Arraes (esse sabe retratar o nordeste mesclando bem humor e cultura), o filme conta a história de Lisbela (Débora Falabella), uma jovem sonhadora que conhece o malandro Leléu (Selton Mello). Ambos se apaixonam, mas existem dois problemas: Lisbela é noiva e Leléu se envolveu com a esposa de um famoso pistoleiro, Frederico Evandro (Marco Nanini). O longa foi gravado, entre outras locações,  em Vitória de Santo Antão e em Recife, Pernambuco.

4. Um exemplo da cultura nordestina é o mais recente “Cine Holliúdy” (2013), um fenômeno regional que apresentou ao Brasil o “Cearês” (ou “Cearencês”). Até para nós daqui do Nordeste, de vez em quando precisamos recorrer a este manual para compreender certas coisas que o cearense fala. Se alguém te chamar de “Ispilicute”, não fique com raiva, ok? Estão dizendo que você é bonita.

O longa foi filmado em Pacatuba, Quixadá, Quixeramobim e na capital Fortaleza, e narra como Francisgleydisson (Edmilson Filho) precisa inventar histórias para manter vivo o cinema de sua cidade no interior do CE, que está perdendo a concorrência para a televisão. Um exemplo de um filme extremamente simples, com jeitão daqueles filmes B antigos, mas que são uma delícia de assistir, macho! Fez tanto sucesso, que gerou um derivado chamado “O Shaolim do Sertão” e a continuação “Cine Holliúdy 2: A Chibata Sideral” (que eu não tive informações se já foi lançado). Um verdadeiro chute na pleura da peridural das gigantes produtoras.

5. Outro exemplar da linguagem peculiar nordestina, mais específicamente a potiguar (RN), é um filme de 2007 que acabou não fazendo tanto sucesso, mas retratou bem alguns costumes, expressões típicas ou trejeitos. Aonde mais você poderia ouvir alguém te xingar de “infeliz das costa oca?” Se trata de “O homem que desafiou o diabo”, adaptação do livro “As pelejas de Ojuara”, do escritor potiguar Nei Leandro de Castro, e dirigido por Moacyr Góes. O protagonista Marcos Palmeira deu vida a Zé Araújo, que se cansa de sua vida e decide se tornar Ojuara, e sai pelo Nordeste enfrentando inimigos e buscando uma vida melhor em São Saruê, onde os rios são de leite e as montanhas de rapadura.

O longa foi filmado em diversas cidades do RN, como Natal, Jucurutu, São Gonçalo do Amarante e Carnaúba dos Dantas (o castelo que aparece no filme é real. Se chama Castelo de Bivar e está aberto a visitação nesta cidade).  Fica o alerta que o filme tem boas doses de erotismo e humor negro.

6. Em 2012 foi lançado um filme que abordou não apenas uma relação complicada entre pai e filho, mas que envolveu dois ícones da nossa música. “Gonzaga – de pai para filho“, de Breno Silveira, é uma obra e uma homenagem a Gonzagão, o rei do Baião, e a Gonzaguinha, um mestre da MPB. Uma bela história, com uma trilha sonora que não poderia ser menos marcante, filmado no Rio de Janeiro e em algumas cidades do Nordeste, como Exu e Serra do Araripe.

7. Voltando mais um pouco no tempo, temos outro bom representante da vida no Nordeste. O longa “Eu, tu eles” (2000), dirigido por Andrucha Waddington, que retrata a vida de uma mulher (Regina Casé) e seus três maridos (Lima Duarte, Stênio Garcia e Luiz Carlos Vanconcelos). A trilha sonora de Gilberto Gil acabou sendo mais marcante que o filme em si (incluindo a maravilhosa “Esperando na janela”), mas você deve dar uma chance ao filme também pelas atuações e pela excelente fotografia de Juazeiro, sertão da Bahia. Fora que o filme é baseado em uma história real!!!

8 – 11. Ah, a Bahia… Por mais que alguns por aí achem que se trata de uma região específica, o estado fica sim no Nordeste. Terra de Jorge Amado e tantas e tantas histórias retratadas para o cinema e televisão. Fica até difícil escolher um filme baseado em seus livros,  mas vou citar os meus clássicos preferidos, por acaso todos protagonizados por Sônia Braga: “Gabriela, Cravo e Canela” (1983), “Dona Flor e seus dois maridos” (1976), que teve um remake a pouco tempo, e “Tieta do Agreste” (1996), com menos sucesso que a novela, mas ainda assim é uma ótima comédia. Saudades Chico Anysio! Se eu for citar todas as adaptações de Jorge Amado para o cinema, vai ser até difícil terminar de escrever, pois o primeiro filme baseado em uma obra sua foi “Terra Violenta”, em 1948!!!!!

Sônia Braga também é protagonista de uma produção recente franco-brasileira que fez muito barulho por aqui devido a polêmicas devido a um protesto da equipe durante o festival de Cannes, para o qual o filme foi selecionado. “Aquarius” (2016), de Kleber Mendonça Filho, foi filmado no Recife e na Praia dos Carneiros, em Pernambuco. Conta a história de uma viúva que é a última moradora do edifício de mesmo nome do filme, e que se recusa a deixar o local.

Sônia Braga em: Gabriela, Eu te amo, Dona Flor, O beijo da mulher aranha, Aquarius e Tieta. Fonte: pinterest

12. Comecei pegando leve, com filmes bem-humorados. Vamos para a parte mais DC séria da coisa. “Deus e o Diabo na Terra do Sol“, de 1964, é um marco do cinema, dirigido por Glauber Rocha.  Um filme que aborda o sertanejo, a seca e seus flagelos, e a religiosidade, características fortes no sertão. Este longa foi indicado à Palma de Ouro em Cannes. É um filme bem polêmico, mas certamente terá boas reflexões sobre o tema. Gravado em Salvador, Canudos, Monte Santo e Feira de Santana, na Bahia.

13. Abril Despedaçado (2001), dirigido por Walter Salles, e protagonizado por Rodrigo Santoro (foi onde ele chamou realmente a atenção do mercado internacional), é um forte drama que foi indicado ao Globo de Ouro em 2002. Em 1910, no sertão brasileiro, vive um jovem de vinte anos que passa a ser estimulado pelo pai a vingar a morte de seu irmão mais velho, assassinado por uma família rival. Filmado em Bom Sossego, Caetité e Rio das Contas, na Bahia.

14. “O sertanejo é, antes de tudo, um forte”! Essa frase icônica de Graciliano Ramos faz parte da obra “Vidas Secas“, adaptado para os cinemas em 1963. Dirigido por Nelson Pereira dos Santos, as filmagens ocorreram no sertão de Alagoas. Esse filme é indicado pelo British Film Institute como uma das 360 obras para se ter em uma cinemateca. É um retrato bem fiel do problema da seca enfrentado pelo sertanejo (ao longo das últimas décadas foram realizadas diversas ações sociais e obras como adutoras para amenizar esta situação, mas ainda sim é um grave problema até hoje). Não se trata só de um filme, mas de uma questão social. Assisti-lo ao menos uma vez é essencial.

15. Comecei citando o Oscar e termino da mesma forma. O primeiro filme nacional indicado a melhor filme estrangeiro representando o Brasil, em 1963 (informação cultural: “Orfeu do carnaval” foi indicado em 1960, mas representando a França) e, mais importante ainda, foi o VENCEDOR da Palma de Ouro em Cannes. “O pagador de promessas” de 1962, dirigido por Anselmo Duarte, baseado na peça de Dias Gomes, narra a história de Zé do Burro, um homem humilde que tenta cumprir uma promessa feita a uma mãe de santo do Candomblé . Após pedir para seu amigo burro melhorar de saúde e ter seu pedido atendido, Zé tenta entrar na igreja de Santa Bárbara, em Salvador carregando uma pesada cruz de madeira, mas é impedido pelas autoridades religiosas, por sua promessa ter sido feita de forma pagã.

Como disse, impossível citar todos. Se eu fosse fazer uma parte 2, minha lista continuaria com “Cinema, aspirina e urubus”, “Cidade Baixa”, “Deus é brasileiro”, “Lavoura Arcaica”, “O céu de Suely”, “O Som ao redor”, “O Palhaço”,  “Árido Móvie”, “A Máquina”, “Amarelo Manga”, “Baile Perfumado”, “Guerra de Canudos” e “Capitães de Areia”, tendo certeza que deixaria muita coisa boa de fora.

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