Crítica | Um Lindo Dia na Vizinhança

“Gentileza gera gentileza”. Essa bela mensagem era comum ser lida em postes, muros, viadutos e que, junto com outras de mesmo teor, encantavam os pedestres e motoristas que andavam pelas ruas do Rio de Janeiro. Mensagens essas espalhadas por José Datrino, paulista que muito tempo foi empresário do ramo de transportes e que em um dia acordou na véspera do Natal de 1961 e teve uma visão que o fim do mundo estava próximo. Datrino largou tudo, vendeu os bens, abandonou as posses e foi para as ruas pregar o bem. Deixou o cabelo e a barba crescer e com seu manto branco passou a espalhar as suas mensagens pelo Rio de Janeiro. Para uns era apenas um louco, mas para a grande maioria, suas palavras do bem pregando a gratidão, o amor e a gentileza emocionavam nascendo assim o profeta Gentileza. Ele virou uma pessoa quase iluminada nas ruas do Rio de Janeiro. Para ele o mundo era uma escola de amor.

Fred Rogers foi um apresentador infantil norte americano que por décadas encantou gerações de crianças e adultos com seus programas lúdicos e educativos passando valores, carinho e distribuindo amor e fascinando as pessoas com seu jeito único de viver a vida. Gentileza e Fred achavam que o mundo era uma escola de amor e que todo mundo era especial. A diretora Marielle Heller dirige um episódio da vida de Fred, mais precisamente no ano de 1998, um encontro que mudou a vida de duas pessoas, esse encontro virou o filme Um Lindo Dia na Vizinhança (A Beatiful Day in the Neighborhood, 2019).

Em 1998, Lloyd Vogel, renomado jornalista investigativo da revista Esquire, sujeito cínico, cheio de conflitos internos, recebe uma pauta para fazer o perfil de Fred Rogers, um famoso e amado apresentador de Tv. O que pareceria apenas uma simples e banal matéria, as entrevistas e encontros do otimista e amável apresentador com o tenso jornalista, fazem que Lloyd comece a refletir sua vida e visão de mundo, iniciando uma bela e inesperada amizade afetuosa entre os dois, mudando para sempre a vida de ambos.

Um Lindo Dia na Vizinhança é o típico filme que ao assistir, independente da qualidade do roteiro, da edição e da direção, faz você sair melhor, mais leve e mais otimista. Mas sim, além de provocar reflexão, podemos falar também das suas qualidades técnicas. Uma fotografia belíssima que nos momentos do show nos fazem lembrar programas de televisão do passado; um figurino e reconstituição de época perfeitos; usa metalinguagem pra ilustrar algumas cenas da vida do melancólico Lloyd misturando ao show da Tv; artifícios como usar maquetes das cidades para pontuar viagens entre elas dos personagens, além de uma agradável trilha sonora de Nate Heller, tudo isso casando como tom fantasioso do programa de Mr. Rogers são pontos altos da película. O roteiro também acerta em não fazer uma cinebiografia de um ícone da televisão, mas sim um encontro real e um momento da vida desse soando familiar para qualquer um que fora dos Estados Unidos nunca tenha ouvido falar do apresentador. Roteiro que também explora bem a dualidade de personalidades. Se em um lado temos um triste, revoltado e perdido jornalista, de outro temos um ser humano alegre e extremante positivo Fred, um embate de distintas almas em busca de uma harmonia. Contudo, o filme abusa um pouco de clichês do gênero, frases prontas, sentimentalismo meloso demais e falha em não explorar mais um pouco a complexidade do Mr. Rogers, apostando mais em sua quase ingênua santificação.

Mas se falta estofo pra entendermos o real Mr. Rogers, a atuação de Tom Hanks acaba fazendo essa santificação ter um porquê. É quase impossível pensar em outro ator no momento para encarnar o bonzinho e generoso Fred Rogers. Tom Hanks, um herdeiro nato de James Stewart, que como seu antecessor tem o talento de interpretar qualquer tipo de papel, principalmente de homens gloriosos e bonzinhos, dá um show com sua atuação de Mr. Rogers. Com sua paciência, sabedoria, humildade, calma e tranquilidade para ouvir e dar os conselhos certos sem exigir nada em troca, Hanks rouba o filme pra si, fazendo mesmo um papel coadjuvante ser mais importante que o ator principal que é Matthew Rhys, como o estressado jornalista Lloyd Vogel, que tem sua vida balançada pelo encontro com Mr. Rogers, e que praticamente fica à sombra o filme todo de Hanks, assim como Susan Kelechi Watson como Andrea Vogel, esposa dele, que ao menos se esforça numa atuação correta e Chris Cooper como Jerry Vogel, o pai eternamente brigado do jornalista que mesmo em um importante papel, pouco brilha em um filme todo de Tom Hanks.

Mas o que se pode concluir é que por mais piegas que seja é praticamente impossível sair indiferente ao assistir ao filme. Ele carrega bem as emoções, nada parece forçado demais e a cada lição e conselho que ouvimos de Mr. Rogers parece que, como o personagem de Lloyd, podemos rever situações da nossa vida e aprender que às vezes basta um pouco de paciência, respeito e compreensão para podermos mudar nossas vidas, aprendendo a perdoar, lidar com raivas e entender que somos apenas uma engrenagem desse complexo e diverso universo chamado vida.

Enfim, se virmos que a gentileza é o maior imã para sua retribuição, estamos com meio caminho andado para vivermos melhor. Ah, e aliás, vendo o filme podemos questionar: quem nunca sonhou em ter um vizinho como Fred Rogers?

Sinopse: Fred Rogers (Tom Hanks) foi o criador de Mister Rogers’ Neighborhood, um programa infantil de TV muito popular na década de 1960. Em 1998, Tom Junod (Matthew Rhys), até então um cínico jornalista, aceitou escrever o perfil de Rogers para a revista Esquire. Durante as entrevistas para a materia, Junod mudou não só sua visão em relação ao seu entrevistado como também sua visão de mundo, iniciando uma inspiradora amizade com o apresentador.

Elenco: Tom Hanks, Matthew Rhys, Chris Cooper

Duração: 1h 47min

Direção: Marielle Heller

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