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CRÍTICAS

Crítica – Um Completo Desconhecido

Crítica – Um Completo Desconhecido
  • Publicado em: fevereiro 24, 2025

Um dos grandes erros de cinebiografias é tentar condensar décadas da vida de um artista em pouco mais de duas horas de projeção. Quentin Tarantino diz que ninguém tem uma vida tão espetacular para ser na totalidade biografada. É impossível retratar em apenas uma sessão de cinema a vida de artistas com mais de 60 anos de carreira, por exemplo. James Mangold, que já tinha apresentado um ótimo exemplar do gênero com Johnny e June (Walk on Line, 2025), resolve nos contar os primórdios de Bob Dylan, aquele jovem poeta cantante de Duluth, no Minnesota, que foi para Nova Iorque, mudar o mundo, em 1961. Tendo como premissa o recorte de tempo entre 1961 até 1965, estreia essa semana nos cinemas brasileiros Um Completo Desconhecido (A Complete Unknow, 2024).

No filme vemos um jovem Dylan, chegando em Nova Iorque, com a cabeça fervendo de ideais e o violão na mão, mas que antes de qualquer coisa quer conhecer seu ídolo, Woody Guthrie , lenda da música folk, que sofre num hospital com uma doença degenerativa. O jovem Dylan conhece Pete Seeger, outra lenda do estilo, que estimula o poeta errante a se inserir no contexto de Greenwich Village, meca intelectual da Grande Maçã, onde encanta plateias com sua poesia, que passa a mudar de forma quando conhece a ativista Sylvie Russo, que motiva a Dylan a pensar mais o mundo na sua arte. Inserido no time, vira um astro da música folk, conhece Joan Baez, outra lenda do estilo, fazendo tanto uma dupla nos palcos como na cama. Só que em 1965, Dylan rompe o conservadorismo do esquema violão e microfone e resolve gravar com órgãos, bateria pegada e guitarra, em outras palavras, perdendo a pureza e se entregando ao rock, motivo que fará os cabeça-dura do esquema enfrentarem sua audácia, que culmina na icônica  apresentação de 1965, no festival de folk de Newport.

James Mangold é um cara que sabe das coisas. Nos entrega um filme correto, certinho e linear sobre o período mais importante da vida de Robert Allen Zimmerman. Com uma produção impecável e um cuidado estético, nos transporta em uma viagem visual para o início dos anos 1960, com uma reconstituição precisa. Os estúdios que se usavam na época, equipamentos, microfones e instrumentos, um deleite para quem se encanta com a cultura sessentista. Só que o grande problema do filme é que ele parece um imenso e quadrado vídeo clipe. 

Por duas horas e 20 minutos vemos o personagem cantar e tocar violão, em pequenas ou grandes plateias, estúdios, na sala de sua casa, o que não deixa de ser muito legal, ouvir as músicas de Dylan com legenda, porque aí sim elas funcionam e entram na alma do ouvinte. Mas por mais que o filme tenha esse esmero visual e sonoro, não nos faz entrar na alma do artista. Parece que a única motivação de Dylan era apenas tocar e mudar o contexto de sua poesia conforme situações específicas, mas em poucos momentos vemos uma entrega total do artista e o que era o motor de sua profícua criatividade. Vemos um retrato de um garoto abusado, fã do passado country folk, que apenas queria tocar violão e mostrar sua poesia para as pessoas, tudo de uma maneira fria e com pouquíssima profundidade.

Mas essa falta de entrarmos na alma do artista fica longe da interpretação de Timothée Chalamet. O garoto, mostrando que está cada vez melhor, dá um show de interpretação, cantando as canções de Dylan, dublando (ou tocando) perfeitamente no violão as melodias, além de caprichar nos trejeitos, maneirismos, jeito de pegar o cigarro e aquela voz de pato rouco do Dylan. Um cosplay caprichado do artista, mérito de um Chalamet categórico no papel. O que faltou realmente foram os roteiristas Jay Cocks e Mangold darem mais recheio para a saga do cantor, o que não é culpa da atuação incrível do Chalamet. Edward Norton está discreto, mas eficiente como Peter Seeger, dando humanidade ao papel do cantor e produtor, mas não fugindo do óbvio. Monica Barbaro está sublime como Joan Baez, também canta de verdade e tenta chacoalhar um travado Dylan, talvez na melhor atuação (fora a do Chalamet) do filme. Elle Fanning está caricata demais no papel de Sylvie Russo (inspirado na vida de Suzy Rotolo), como a companheira e incentivadora de Dylan nos primórdios. Com uma atuação de filmes de sessão da tarde, tem um papel bem irregular na trama. Digno de nota é Boyd Holbrook como um empolgante Johnny Cash e Scoot McNairy como um debilitado Woody Guthrie, num papel fundamental para a trama.

O filme, com seu ritmo empolgante de apresentar números musicais a cada 10 minutos, tem tudo para agradar os fãs do cantor, que irão se emocionar com as reconstituições de shows, gravações, passando um pente fino em toda essa fase de ouro. Quem não conhece muito também tem tudo para se encantar com belas canções e poesias apresentadas na tela. O último ato (e o mais empolgante) do filme foi o festival de 1965, em que Bob Dylan ousou usar uma banda de rock para mostrar os novos rumos de seu trabalho. Esse conservadorismo dos organizadores e o asco ao novo e à guitarra me lembrou da famigerada passeata contra a guitarra elétrica no Brasil de 1967, em que ícones da MPB, como Elis Regina, Gil, Edu Lobo, Jair Rodrigues, entre outros, se uniram numa marcha contra a dominação estrangeira na música do Brasil, tendo a guitarra como o instrumento dessa desordem musical. Patético seria a palavra certa para definir esse evento. Newport, anos antes, também lutava contra o modernismo abraçando a tradição. Dylan e seu Like a Rolling Stone chutaram e quebraram com dois pés essa porta de tamanha caretice.

Um Completo Desconhecido é um filme correto, bela homenagem ao maior cantor da história dos Estados Unidos, e que de forma linear, nos apresenta o artista Dylan com a precisão característica de James Mangold. Um espetáculo de som e imagem que emociona, sim, pelas canções, mas infelizmente mostra apenas o óbvio, narrando o que já foi contado várias vezes, sem ousar na condução da trama e principalmente, se com seus números nos faz emocionar, faltou termos afeto pelo frio Dylan, um cara que começamos e terminamos sabendo pouco dele. Vemos o artista em êxtase, mas o ser humano Dylan, suas motivações, ideias e inspirações passam longe, e brincando com seus versos: nem o vento nos ajuda a encontrar as respostas…

Written By
Lauro Roth