Crítica – Sílvio Santos Vem Aí
A personagem de Manu Gavassi, a jornalista e assessora de imprensa Marília, está num carro ganhando a carona do seu namorado. Ela explica para ele que vai ter que conhecer o Sílvio Santos para tentar entender a essência do empresário e apresentador. O namorado dela tira onda e começa a imitar o Sílvio (muito bem por sinal). Aí Marilia, de bate-pronto, respondeu: “Por que que todo mundo acha que sabe imitar o Sílvio Santos?” Essa febre nacional de imitar o Sílvio Santos também anda pairando nos cinemas. Não apenas imitar, mas realizar cinebiografias do dono do SBT. Ano passado tivemos aquela pavorosa Sílvio (2024) com o Rodrigo Faro, e um ano depois, temos mais uma chance cinematográfica de tentar entender a essência do Senor Abravanel com o filme Sílvio Santos Vem Aí (2025), com direção de Cris D’Amato, estreia desta semana nos cinemas brasileiros.
Em 1989 um acontecimento mexeu com o Brasil. Na primeira eleição presidencial com voto popular desde 1961, o apresentador Sílvio Santos decide, no maior estilo outsider, entrar na disputa presidencial dias antes do fim do primeiro turno. Uma equipe de assessores de imprensa são recrutados para analisar a carreira do Sílvio e montar a campanha dele. Marília, uma jornalista que não tem muito apreço pela obra do empresário, é designada a conhecê-lo através de entrevistas e convivência, tentando entender melhor o que pensa e qual é o verdadeiro Sílvio Santos. Ele, um fenômeno da televisão que não é muito aberto para revelar sua vida além do que já é conhecida, acaba tendo uma parceria com a jornalista, gerando uma cumplicidade que será imprescindível para conhecermos o âmago do animador, que será fundamental na campanha política dele e importante demais para a vida de Marília.

Como citei no início do texto, essa mania de que todo mundo sabe imitar o Sílvio Santos acaba gerando 90 por cento de imitações canhestras e extremamente caricatas, e só a ideia de termos algum ator o interpretando nas telonas, já cria um pé atrás enorme. Quando o filme é ruim então, complica demais, como foi o caso do desastre do filme com Rodrigo Faro. Confesso que Sílvio Santos Vem Aí, até pelos trailers, cartazes e a presença de Leandro Hassum como o personagem principal, o preconceito já estava dando como mais uma bola fora. Mas não é que o filme de Cris D’Amato está longe de ser uma decepção? O roteiro do sempre competente Paulo Cursino acerta em contar o que todos conhecem da história de Sílvio Santos de uma forma criativa, usando os programas dele como cenário para pontuar os momentos da sua vida. Tratando sua arte como um espelho de sua trajetória, o filme também serve para a personagem de Manu Gavassi, no caso uma pessoa que era longe de admirá-lo, acaba no dia a dia, assistindo às gravações e ouvindo o que cerca a vida dele, como pessoas como Roque e Lombardi e a esposa Íris, se entregando à incrível história do carioca que de camelô se tornou um dono de televisão e que encantava o Brasil com seu sorriso e seus programas. A cena da participação do Lombardi, que por anos só conhecemos a voz dele, é muito criativa e divertida. Marília vai conversando com ele num almoço e seu rosto jamais aparece, graças a truques de foco e imagens, mantendo aquele clima de mistério de como seria o Lombardi.
O que temos como falho no filme é que o tal recorte da vida do Sílvio é sua meteórica candidatura, que foi cassada dias antes do pleito, é tratado muito superficialmente. Pouco sabemos do Sílvio Santos político, e o que ele realmente pensava como projeto de governo. E os próprios bastidores do período e a oposição que deram a rasteira nele, é tratada de maneira rasa e pouco informativa, perdendo uma grande oportunidade para conhecer melhor aqueles dias históricos da sua campanha que abalaram a política nacional. E claro que o tom estritamente chapa branca da trama também acaba amenizando demais a sua trajetória, em momentos do filme ele é quase santificado, o que não permite conhecer de verdade a tal essência do comunicador. A reconstituição do ano de 1989 não decepciona, mas acaba se limitando demais a cenários fechados, facilitando o serviço, mas alguns detalhes de vestuários e artefatos mostram que a pesquisa de época não teve tanto recursos ou foi preguiçosa por vezes, o que não prejudica o tom nostálgico de só quem viveu aqueles anos sabe mensurar.

Manu Gavassi não compromete como a jornalista Marília. Tem um papel redondinho, que vai evoluindo da profissional cética e desinteressada que vai se encantando pouco a pouco com a trajetória do entrevistado. Não foge daquela típica atuação com cara de novela da Globo, mas cumpre a função de ser a escada para a vida de Sílvio. E Leandro Hassum, pela primeira vez, conseguiu fazer um papel que não fosse ele mesmo. O ator, marcado por comédias de sucesso, lançadas todo ano e que interpreta o mesmo tipo de personagem, teve a árdua missão de fazer o Sílvio Santos. A caracterização é competente, figurinos caprichados e por mais que cause estranheza no início, no fim do filme conseguimos ver um Sílvio Santos ali naquela atuação. Mesmo com alguns deslizes caricatos quase impossíveis na arte nacional de imitar (ou destruir) o Silvio Santos, Hassum faz um belo e elogiável trabalho. O destaque vai para o namorado de Marília, interpretado ator Marcelo Laham que nos entrega os melhores momentos cômicos do filme e também para Regiane Alves, que interpreta Íris Abravanel, porto seguro e norte da vida de Sílvio, numa situação muito sensível.

Sílvio Santos Vem Aí é um filme feito especialmente para fãs do apresentador, falecido em 2024. Tudo que vemos na telona já é conhecido para quem tem mínimo conhecimento de sua carreira, o filme ao contrário da propaganda, não consegue adentrar na essência do personagem retratado e não apresenta muita coisa nova no front da sua vida. Peca em ser superficial demais num momento tão importante da sua vida, que estranhamente é o recorte do filme, e perdemos de saber mais sobre esse período. Mas no frigir dos ovos cumpre bem o papel de homenagear dignamente a figura do Sílvio Santos, consegue com sua narrativa engenhosa misturar a vida pessoal dele com sua própria arte. Tudo isso com uma maneira direta e sensível, afinal retrata um cara que ficou mais de seis décadas dentro das casas dos brasileiros em programas de televisão que eram reflexo de sua vida – e sua vida era divertir o seu público – e isso o filme faz muito bem.
