Crítica: Renfield – Dando Sangue Pelo Chefe

Se existe um ator recente do cast do cinemão que merece meu respeito é Nicolas Cage. Faz uns bons anos que ele deixou de se levar à sério e confessa que fez muitos filmes que são dignos abacaxis apenas para pagar suas dívidas. Uma sinceridade pouco vista nos dias de hoje, já que muitos atores pintam com ares shakespearianos suas atuações em filmes tenebrosos. E às vezes, essa maneira de levar a carreira de uma forma leve e honesta, gera bons frutos, como em O Peso do Talento (2022), onde Cage tira onda com ele mesmo em uma comédia maravilhosa. Nesse ano ele está de volta, dessa vez dando a sua interpretação inconfundível a um dos personagens mais adaptados da literatura para o cinema. Cage vira um Conde Drácula na comédia onde é coadjuvante e quem tem protagonismo é seu assistente fiel, Renfield. Falo do filme que estreia essa semana, Renfield – Dando Sangue Pelo Chefe (Reinfield, 2023), com direção de Chris Mckay.

Reinfield, o fiel lacaio de Drácula, já está mais de um século servindo ao seu mestre. Sempre atrás de vitimas e sangue para o Conde, através dos tempos, dessa vez a dupla, depois de quase ser destruída pela enésima vez, se muda para New Orleans, nos Estados Unidos, a fim de buscar devorar pessoas para Drácula recuperar sua força. E como estamos em 2023, procurando se adaptar a época, começa a questionar sua vida de submisso frequentando grupos de autoajuda para tratar essa dependência. Enquanto isso, uma gangue chamada Os Lobos toca o terror na cidade, comprando as autoridades e apagando seus concorrentes. A única pessoa que não se deixa levar pela subversão é a honesta policial Rebecca, que mesmo sem qualquer apoio, quer colocar os criminosos atrás das grades. Um encontro casual, onde Renfield (que ganha força descomunal ao comer insetos) ajuda a policial a acabar com alguns bandidos em um restaurante, faz o servo do Drácula questionar de vez seu papel, decidindo abandonar seu chefe, mudando de vida e se apaixonando pela policial. Mas o Conde Drácula não vai deixar barato esse abandono e a dupla, além de ter que encarar o Príncipe das Trevas, tem que enfrentar a fúria dos cruéis Lobos, uma legião do mal que unida é quase imbatível.

Como já falei antes, Nicolas Cage quando diz que não está nem aí pra mais nada não mente. Renfield – Dando Sangue Pelo Chefe é mais um desses filmes de Nicolas que entram nesse patamar. Mas a diferença que ele é bem divertido. Claro que numa comparação com O Peso do Talento, ainda fica distante, mas o diretor Chris McKay nos premia com um belo passatempo divertido de uma hora e meia. Não é fácil dar a vida a mais um Drácula no cinema, talvez um dos personagens mais filmados da história, mas em tom de comédia que não se leva a sério, muita ação, mortes, membros despedaçados, cabeças rolando e sangue espalhado, o diretor consegue levar de maneira eficaz a pitoresca história do servo que não aguenta mais servir o chefe. Muito do bom humor da história, misturado com uma matança ao melhor estilo gore, vem do roteiro de Robert Kirkman, que também foi responsável por ser roteirista da série The Walking Dead. A trama nonsense total flerta com autoajuda, necessidade de libertação individual, traficantes, crimes, corrupção, Drácula, insetos e, é claro, muito bom humor e violência explícita, mas que provoca muito mais risos do que pavor.

Nicholas Hoult dá a vida ao personagem Renfield. O fiel escudeiro do Conde vampiro, sempre nos foi apresentado como um maluco comedor de insetos nos filmes do gênero e aqui ele é um perturbado homem, preso a seu eterno chefe, que resolve se livrar das amarras da opressão nociva de décadas de submissão e humilhações. Hoult está muito bem no filme, com tiradas sutis, fazendo bonito nas cenas de ação e mostrando todo o drama interior do personagem. Awkwafina também brilha como a corajosa e desbocada policial Rebecca, que além de ter que enfrentar uma temível gangue, uma polícia corrompida e um relacionamento conflituoso com a irmã, que é do FBI, tem pela frente o vampiro dos vampiros pra incomodar sua carreira de defensora da lei. E completando a trinca principal de atores, é claro, temos Nicolas Cage, como o Conde Drácula. Nicolas Cage sendo ele mesmo e interpretando mais uma vez um vampiro, já que em 1988 fez o hoje cult O Beijo do Vampiro, na época uma comédia descartável, mas hoje apreciada por fãs do ator. Enfim, mais uma vez o ator sendo ele mesmo sem vergonha alguma, abusando dos seus trejeitos, olhar penetrante e caras e bocas sem freio e mais uma vez, está muito divertido.

Renfield – Dando Sangue Pelo Chefe é uma diversão certeira. Com excelentes piadas no timming certo, vemos a história de rebeldia de um dos personagens mais escanteados do cinema, cansado da relação secular tóxica com seu chefe, modernizando o universo dos vampiros, misturando com o crime organizado em um cenário de 2023. Um filme para não se levar à sério, que pode repugnar alguns mais sensíveis, porque tem muita violência explícita, sangue e corpos por tudo que é lado, mas não deixa de ser uma comédia bem escrita, com uma direção eficiente, com bons efeitos, fotografia dando o clima certo para os momentos violentos e de terror, maquiagem excelente, além das bem montadas cenas de ação. E que deve entrar para a história como apenas mais um filme qualquer na carreira de Nicolas Cage. Claro que passando longe de ser mais um abacaxi na sua filmografia e ainda ajudará o ator a faturar uma grana boa. Enfim, vale o ingresso, a diversão é garantida, quem é fã do Nic vai adorar, mas se você é mais sensível a determinadas passagens mais violentas não é um passatempo recomendado, se não, vá que as risadas são garantidas.

 

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