Crítica – Presença

Tenho a teoria que o abuso constante de planos sequência é apenas uma maneira de o realizador e seu diretor de fotografia mostrarem o quanto são hábeis e técnicos da arte de filmar, leia-se, se exibirem mesmo. Alguns exemplos funionam bem, Festim Diabólico, de 1948, de Hitchcock, foi uma aula com recursos da época, de como fazer uma história, te prende e usa o tal plano sem cansar. Arca Russa, de 2022, é um primor moderno de como utilizar essa técnica e O Segredo dos Seus Olhos, com a cena no estádio, também enche os olhos. Já filmes como 1917, que é o tempo todo um plano aéreo, extremamente chato e cansativo, e agora a série mais badalada dos últimos dias, Adolescência, consegue criar um ambiente agradável, primando pelo roteiro e discurso num fantástico plano sequência. Steven Soderbergh também quis criar um filme para chamar de seu com essa técnica, inovando em seu penúltimo trabalho, que estreia essa semana no Brasil, com uma história vista com os olhos de um fantasma no filme Presença (Presence, 2024).

A família Payne está em busca de uma casa nova. O casal Rebeca e Chris, junto com os filhos Chloe e Tyler, encantaram-se com uma casa de dois andares e prepararam a mudança. Já instalados na casa, estranhos acontecimentos começam a ocorrer, como prateleiras despencando, copos caindo, objetos mudando de lugar, o que faz com que a família comesse a se preocupar e tentar ligar a uma tragédia envolvendo uma conhecida de Chloe.

A premissa de Presença é simples e direta. Com uma câmera vagando suavemente pela casa, um fantasma voyeur observa com atenção todos os passos da tumultuada família Payne. A mãe super controladora, que tem Taylor como seu filho mimado e paparicado; Chris, o pai que aceita tudo e é um dos poucos a dar atenção à filha Chloe, que depois de perder a melhor amiga numa suposta overdose, anda perdida nos pensamentos e seu irmão Taylor, super protegido, busca em um amigo popular e sua aceitação na escola, o objetivo de criar autoconfiança.
Tecnicamente, o filme é uma prazerosa viagem visual, em que a casa é a protagonista, com planos onde a câmera praticamente levita, conhecemos cômodo a cômodo da casa e quando convém, ela estaciona em um ambiente e tenta observar os conflitos familiares. Como uma invisível presença, sente-se parte da família, tentando na imagem imperceptível do espectro, influenciar alguns acontecimentos familiares, através de ações como derrubar uma estante de dentro de um armário, destruir o quarto do menino ou avisar que um perigo iminente acima de qualquer suspeita pode abalar os Taylor.
Soderbergh, um ator que prima por transitar por vários gêneros de forma satisfatória e sabe explorar como poucos atualmente a força de diálogos, não tem dificuldades de se aventurar no cinema de terror. O filme, aliás, trata o sobrenatural de uma maneira contida, são poucos os sustos e mesmo os eventos mais marcantes que ocorrem na casa não chegam a assustar e realmente nem assustam à família, que mesmo com tantos livros caídos e copos se quebrando misteriosamente parece sentir pouco medo.

Do elenco temos uma autoritária Lucy Liu, como a matriarca decidida, em uma atuação apenas correta, mas quem realmente tem o papel mais marcante do filme é Callina Liang. Como a atormentada Chloe, que deseja, ao seu modo, enterrar seus traumas se entregando a um relacionamento com Ryan (numa interpretação fraca de West Mulholland), é a única a sentir a tal presença que domina a casa e tenta entender o porquê de suas ações. Num filme em que a câmera e a casa são os protagonistas, os atores são mais coadjuvantes do que nunca. Presença é um filme que vai indo em uma crescente, por vezes claustrofóbica, em que cada vez mais nos sentimos como espectadores de todos aqueles acontecimentos e somos atados e inertes a tudo que está acontecendo. O mérito de Soderbergh, além de fazer um plano sequência que não cansa, com cortes precisos apelando para a tela escura, que funcionam como um gradativo, esquenta para o clímax final, que realmente é quando pode se dar jus ao título de um filme de horror.
Steven Soderbergh volta à forma num filme que por 90 minutos consegue prender o espectador em uma inventiva história de casa assombrada, com uma perspectiva criativa e ousada, com um jogo de câmeras excelente, em que nos tornamos a presença que acompanha a família Taylor. E concluímos que traumas e fantasmas pessoais, de uma família em conflito, assustam até as almas penadas, mas reafirmo, se você estiver procurando um filme de terror com sustos convencionais, violência visual, jumpscares e ritmo frenético, Presença não é o filme certo.
