Close
CRÍTICAS

Crítica: Pássaro Branco

Crítica: Pássaro Branco
  • Publicado em: novembro 4, 2024

Em 2017, uma história lacrimejante sobre Auggie, um menino com uma deformidade facial que enfrentou diversos obstáculos para superar o preconceito e ser aceito numa sociedade que prega um normal idealizado, conquistou plateias pelo mundo. Filme baseado no livro Extraordinário, de R. J. Palacio, um best-seller do início dos anos 2010, tendo vendido mais de cinco milhões de exemplares e abrindo um leque de produções literárias para a autora. Uma delas, Pássaro Branco, de 2019, ganhou sua adaptação para as telonas em 2024, e em um grande impasse de distribuição (o filme já foi lançado em alguns países), com direção de Marc Forster (diretor de um dos meus preferidos dos anos 2000, Em Busca da Terra do Nunca), chega essa semana nos cinemas brasileiros.

Pássaro Branco (White Bird, 2024) é uma espécie de continuação de Extraordinário. No filme, Julian, o abastado garoto que praticava bullying em Auggie, anos depois, agora um adolescente, chega numa nova escola de elite, onde é recebido com cara de poucos amigos. Ao chegar em casa, encontra a sua avó Sara, uma artista francesa que está por Nova York para expor suas obras com temáticas humanizantes. Sara e Julian resolvem conversar, e pela primeira vez e com detalhes, ela judia, conta o que passou na França ocupada por nazistas e como, graças à gratidão de Jullien, um colega deficiente devido a pólio e de família humilde (o pai limpava esgotos), sobreviveu um bom tempo escondida num celeiro no interior da terra do Asterix, dominada pelos lacaios de Adolf Hitler.

R. J. Palacio, com suas graphic novels, ajuda a nos ensinar o óbvio, o que um profeta carioca há muito nos alertou: “Gentileza gera gentileza”, e que fazer o bem ainda é o melhor remédio. Mark Foster nos apresenta uma tocante história de sobrevivência, em que mesmo com toda a estupidez humana, a sensibilidade e o afeto ainda foram o combustível para a vida. Numa espécie de spin-off do terno Extraordinário, essa nova adaptação nos faz voltar a um interior do território francês ocupado por tropas nazistas, tudo isso construído com um design de produção exemplar e uma fotografia brilhante de Mathias Koenig Wiezer, que cria um clima de conto de fadas nas suas delicadas imagens, mesmo tratando de um tema tão pesado como o holocausto. E que apesar de tanta  ternura em algumas imagens e ações, o filme não deixa de lembrar o absurdo daqueles anos, em que a raiva e a violência eram o mote de vida, seres humanos se tornavam monstros em questão de tempo e amigos se tornavam ratos a serem exterminados por ordens de um discurso de ódio.

Claro que muitos vão dizer que o diretor e o roteirista Mark Bomback, através de simplismos como uma história de amor entre o menino e a fugitiva judia, pássaros brancos como alegorias de liberdade e paz, a inocência e simplicidade, com uma história tão recente e tão violenta, fazem do filme um escapismo delirante ou um telefilme de luxo. Mas Pássaro Branco também serve para mostrar que até em momentos mais difíceis da humanidade, a doação e a graciosidade nos fazem lembrar que a humanidade ainda respira.

Helen Mirren faz Sara adulta, como a avó de Julian, contando para nós a sua triste mas contagiante história, com sua elegância de sempre, só sua presença já torna o filme obrigatório. Quem a faz jovem é Ariella Glaser, que está muito bem como a menina Sara, que tem seu mundo destruído sem dó por um novo regime opressor. E Orlando Schwerdt não deixa a desejar como o apaixonado e caridoso Julien, que arrisca sua vida e de sua família para salvar a colega judia. Como diria o Talmude: quem salva uma vida, salva o mundo inteiro.

Pássaro Branco talvez não tenha o mesmo impacto que causou a primeira adaptação do universo Extraordinário de Palacio, com a história do menino Auggie, mas serve para mostrar para as novas gerações o horror do nazismo de uma maneira mais didática e particular. Por mais simplista e individualista  que possa parecer, mostrar dramas pessoais e história de afeto e carinho, regados a muita solidariedade, às vezes funcionam mais que grandes temas com campos de concentração e manobras de guerra. Porque em qualquer tragédia, sempre existiram pessoas e cada pessoa tem sua história. 

Como aguentaram, se virarem ou sobreviveram a situações tão adversas (o que me faz perguntar o porquê de tanto ódio). São fontes inspiradoras e às vezes são nessas micro histórias que realmente aprendemos e sentimos realmente na pele. Fica a lição que por mais que lutemos, sem um ombro amigo e uma mão de quem gosta da gente, nada é possível.

Written By
Lauro Roth