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CRÍTICAS

Crítica – O Brutalista

Crítica – O Brutalista
  • Publicado em: fevereiro 18, 2025

Será que um filme, em pleno 2025, consegue fazer valer a pena um espectador ficar 3 horas e 26 minutos (mais os trailers) sentado numa sala de cinema? Em um mundo onde tudo passa cada vez mais rápido e a informação se renova a cada segundo, prender a atenção sem uma válvula de escape de checar um celular por tanto tempo é quase uma tarefa épica. E falando em épico, quem não teve medo de ousar e criar uma história original com 216 minutos (com direito a intervalo de 15 minutos) foi o diretor Brady Corbet com seu O Brutalista (The Brutalist, 2024), com 10 indicações ao Oscar, chega aos cinemas brasileiros nesta quinta-feira.

No filme conhecemos a história de Laszlo Toth. Um arquiteto húngaro, judeu sobrevivente a campos de concentração na Segunda Guerra, que abandona a Europa para tentar a vida nos Estados Unidos. Deixa para trás a esposa e uma sobrinha para reconstruir sua vida na terra das “oportunidades” e viver o sonho americano. Com um começo difícil, briga com um primo que inicialmente lhe dá moradia, mas por fim acaba sendo sustentado por um mecenas apaixonado por seus trabalhos, Harrison Buren. O magnata da indústria se encantou com o estilo do arquiteto que deixou um legado em Budapeste e o contratou para fazer uma obra em homenagem a sua falecida mãe. Com isso, surge um conturbado relacionamento entre Lazlo e Buren, com o arquiteto afundado pelo seu vício em heroína e sua megalomania de colocar em prática seu estilo a qualquer modo na obra, enquanto recebe a sua esposa e sobrinha, e vive esse jogo de gato e rato constante com o seu instável e arrogante contratante.

Respondendo à pergunta do início do texto: sim. O Brutalista é uma experiência que vale muito a pena assistir na telona. Confesso que não é tão monumental como o cartaz apregoa ao replicar elogios da crítica gringa, mas Corbet tem o mérito de criar um personagem forte e imperfeito, como o estilo arquitetônico que dá o titulo ao filme. Só que por trás daquela personalidade que parecia ser de alto concreto, temos um homem frágil, autodestrutivo, obcecado pela forma perfeita e impossível de ser contrariado na concepção de suas idealizações. Como recurso utilizado pelo diretor em passagens do tempo vemos desde carros e trens percorrendo estradas sob a ótica do condutor. Laszlo está sempre tentando correr e seguir com uma determinação que beira o fanatismo, provar seu talento e sua genialidade.

O Brutalista também é um retrato de uma América já não tão amistosa com os imigrantes. Desde a cena inicial, em que ele chega de barco a Nova York e a câmera flagra uma estátua da liberdade da cabeça para baixo, vemos que essa terra prometida no pós-guerra era um mundo do avesso, que o país se tornou uma potência e aqueles párias de um velho mundo arrasado seriam apenas peças de xadrez no novíssimo mundo que surgia naqueles dias.

O grande mérito da película é a criação original desse incrível personagem no roteiro de Courbet e Mona Fastvold. Na falta de um artista real para cinebiografar, apenas pegou o nome emprestado de um vândalo que nos anos 1970 danificou a estátua A Pietà de Michelangelo. Já  Lazlo, o do filme, se autovandaliza misturando sua satisfação pessoal com a obsessão artística.

Mas O Brutalista também é um filme sobre poder. Como um figurão milionário, com ares de bom moço e simpatia, com seu poder de persuasão, dinheiro e influência controlava seu artista. Na ideia de quem paga manda, Buren faz sutilmente Toth comer na sua mão, obrigando o arquiteto a ter que engolir as mudanças inesperadas no projeto que ao bel prazer de Buren eram constantes. Fatos que causaram a fúria do arquiteto que não admitia tamanhas modificações na sua concepção de projeto. Buren é um cínico, talvez uma alegoria do pior dos capitalistas, aquele que se faz de cordeiro e bom moço, mas que com dinheiro consegue qualquer coisa.

A personagem de Erzsebet também tem suma importância na trama. Uma mulher de personalidade forte e conhecida intelectual húngara, que marcada no corpo pelo sofrimento da guerra, tenta entender os meandros da América, sendo quase uma intérprete e ligação entre Buren e seu marido. Ao mesmo tempo que fica fascinado pela vida nos Estados Unidos, ajudado por seu inglês fluente, decorrente de uma educação em Oxford, tenta se livrar das armadilhas que aquela vida de aparências colocava na vida do casal. Obstáculos que prejudicavam a ambos, mas principalmente a mente perturbada de Lazlo. Erzsebet fecha a trinca de personagens chave da trama do filme. Adrien Brody é o perturbado Lazlo. Brody não apresenta nada de novo na interpretação, sei que é um grande ator, mas parece que faz um papel próximo que fez em O Pianista, um homem sofrido, mas com a diferença que às vezes se exalta em rompantes de raiva. Atuação boa é claro, mas nada que me fez cravar como inesquecível. O mesmo vale para Guy Pearce, como Buren, o ator está charmoso, falastrão e arrogante no papel, mas também por mais no que talvez  seja seu maior papel na carreira, está longe de uma atuação épica como apregoavam. Felicity Jones como Erzsebet, para mim, é quem tem mais força no papel. Vai construindo a personagem começando quando narrava as cartas dramáticas na Hungria, até sua chegada nos Estados Unidos e mesmo fragilizada fisicamente, jamais se rende, é independente e vai crescendo conforme a trama, numa instigante atuação.

O capricho visual do filme deve-se à fotografia de Lol Crawley, o filme tem tomadas magníficas de planos abertos, mas também causa claustrofobia e desconforto com passagens sombrias, escuras, demonstrando a prisão estética de Lazlo, casando com a lindíssima trilha sonora de Daniel Blumberg, que ao sincronizar imagens e som, nos dá uma sensação de conforto, tamanha beleza na sua melodia. Um filme tecnicamente perfeito. Mas o que realmente atrapalha a condução é que, como é dividido em duas partes, porque tem uma pausa de 15 minutos, dá a impressão que a construção da primeira parte, mais densa e complexa, em que conhecemos os personagens em um ritmo mais lento é atropelada pela segunda parte, em que tudo corre como uma locomotiva, sem preocupação com mais detalhes e tendo um episódio desnecessário que gera um embate entre Buren e Erzsebet um tanto pouco forçado. Logo pula para um epílogo quase em forma de videoclipe, em que somos apresentados a quem foi o artista Lazlo e o porquê de suas obsessões pelo estilo e construção da sua obra, mas que no decorrer do filme poucas pistas foram dadas, o que torna um tanto esquisito e descartável esse desfecho.

Louvável coragem de Courbet em pleno 2025 criar um personagem novo, ousar em mexer com a história em forma de épico, em um filme tecnicamente perfeito, em que as mais de 3 horas realmente não cansam (os 15 minutos ajudam a relaxar). Com poder, fervor artístico, conflitos humanos e preconceito, em uma nova América, sendo arquitetada com novos donos da grana, brutalizando o mundo, mas que ainda dependia de arte e material humano de mãos sofridas de um velho mundo, onde a arte era o mote de vida, ou a destruição pessoal.

Written By
Lauro Roth