Crítica – Morra, Amor
- Publishednovembro 29, 2025
Às vezes, o entretenimento reside no incômodo. Algumas vezes, gerando reflexão; outras, alimentando um sadismo do público em acessar, de maneira controlada, certas situações limites; e muitas vezes, divertindo simplesmente por proporcionar sensações intensas à flor da pele. Morra, Amor (Die My Love, 2025), estrelado por Jennifer Lawrence e Robert Pattinson, certamente se enquadra nessa categoria de filme-incômodo.
Grace (Jennifer Lawrence) é aspirante a escritora e mãe de primeira viagem que está lutando contra uma grave depressão pós-parto, que acaba evoluindo para um quadro de psicose. Com a evolução da condição de Grace, o seu casamento com Jackson (Robert Pattinson), as demais relações da protagonista, e, na verdade, todos os aspectos de sua vida sofrem um forte abalo.
Com atuações intensas de Lawrence e Pattinson, uma fotografia claustrofóbica e uma mixagem sonora hiper-estimulante, Morra, Amor forma um retrato visceral da deterioração do estado mental de Grace. O roteiro de Enda Walsh, Lynne Ramsay e Alice Birch, adaptado do romance de mesmo nome escrito por Ariana Harwicz, não tem medo de ir fundo em temas que são, de maneira geral, invisibilizados pela sociedade, como a solidão de uma mulher que vê sua individualidade ruir após a maternidade, e o abandono de um marido ausente que tem dificuldades de assumir a responsabilidade de ser o apoio emocional e prático de sua esposa. Ao aplicar esses temas no contexto da depressão pós-parto, Lynne Ramsay, diretora do longa, constrói personagens verdadeiros, fugindo do estabelecimento de uma dicotomia entre o certo e o errado, preferindo apostar na construção de motivações complexas para cada um dos personagens.
Os aspectos técnicos são muito bem utilizados em favor da narrativa. Ao filmar em uma proporção de 4:3 (aquela da antiga TV de tubo), o cinematógrafo Seamus McGarvey cria uma fotografia extremamente claustrofóbica, que faz um paralelo com o sentimento interno de Grace de estar presa em uma rotina que a torna extremamente infeliz. A mixagem sonora do filme realça barulhos do cotidiano de uma maneira infernal: um zumbido de mosca se torna quase uma turbina de avião, o latido do cachorro e o choro do bebê são exaustivos de se ouvir, e as músicas que saem do rádio ou da vitrola estão em um volume quase insuportável. A ideia é realmente deixar o público cansado de tantos estímulos causados por aquela poluição sonora presente no cotidiano de Grace, da mesma forma como a personagem está se sentindo exausta de sua própria rotina. Esse estado que o longa nos coloca é essencial para o nosso entendimento da vivência da protagonista.
Conforme o estado de psicose da personagem vai aumentando, a montagem do filme vai se tornando não linear, e, em alguns momentos, até confusa. Dessa forma, mais uma vez, o público é dragado para o estado mental de Grace. Nesse ponto, existem dois caminhos da percepção que se pode ter do longa: as escolhas podem ser muito efetivas para nos colocar em um estado de imersão narrativa, como também podem desconectar alguns espectadores dos personagens, principalmente se o espectador não estiver na mesma sintonia da linguagem do longa. Mas, no geral, essas escolhas técnicas são acertadas.
Por fim, as atuações carregam muito dos personagens. Jennifer Lawrence mostra a sua versatilidade ao retratar a progressão da depressão de Grace, em uma atuação que vai ficando cada vez mais animalesca conforme o agravamento de sua condição. Enquanto Pattinson, com a estranheza habitual de sua atuação, retrata um homem frágil, imaturo e, em muitos momentos, quase infantil, que não sabe lidar com a depressão da esposa, apesar de, sem dúvida, amar a sua companheira. Fora as atuações dos coadjuvantes que fazem um bom trabalho de base para os astros poderem brilhar, como Sissy Spacek e Nick Nolte nos papéis de pais de Jackson.
Morra, Amor sabe onde quer chegar, e não tem medo de seguir o seu próprio caminho, mesmo que o custo dessa jornada seja incomodar e tirar o seu público dos eixos. Seu trunfo está justamente em ter coragem de, para além de apresentar uma boa história, promover uma experiência sensorial dentro das salas de cinema.