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CRÍTICAS

Crítica – Mickey 17

Crítica – Mickey 17
  • Publicado em: fevereiro 27, 2025

E a longa espera teve fim. Seis anos depois do diretor sul-coreano Bong Joon-Ho ter dado uma chacoalhada no cinema com o filme Parasita, em que inclusive quebrou a barreira de língua, sendo o primeiro filme com idioma não inglês a vencer um Oscar de melhor filme, o diretor está de volta. E americanizando. O realizador tem sua primeira incursão pelo cinema dos Estados Unidos numa adaptação do livro de Edward Ashton, Mickey 7. Modificando o nome para Mickey 17 (idem, 2025), o aguardado longa tem estreia marcada para depois do carnaval, dia 6 de março.

Mickey Barnes vive uma difícil vida num distópico planeta Terra. Endividado e perseguido por um cruel agiota, o rapaz decide entrar num plano de colonização de um frio e distante planeta chamado Niflheim. Colonização essa orquestrada por um político fanfarrão, Kenneth Marshall, que promete mundos e fundos aos voluntários do projeto e que vive com sua esposa sem noção, Gwen, viciado em molhos feitos por sangue humano. Mickey, sem muitas alternativas, resolve se voluntariar como um descartável. Essa modalidade significa que você está doando seu corpo (e sua vida) para ser uma espécie de rato de laboratório humano. Passando por experiências mortais, Mickey, ao morrer, seu corpo é refeito e suas memórias voltam através de um HD de dados que o permite ser o que era. Mas aos poucos, começa a se indignar com sua situação, e junto com seu clone, o Mickey 18 e sua amada Nasha, deseja mudar seu destino e enfrentar a ciência e o poder em busca de sua individualidade e independência.

Aquela máxima, a expectativa é proporcional à decepção, quase que bate de encontro com a nova obra de Bong Joon-Ho. Com questões como ética na ciência, brincar de Deus no controle da vida, líderes tiranos, colonização desenfreada sem pensar nos nativos e – por que não? – o quanto o ser humano é capaz de sacrificar sua vida numa sociedade descartável, em que somos peças que podem ser repostas. Mas por mais de duas horas, o sul-coereano trata apenas de maneira muito superficial esses temas, preferindo mais o tom de galhofa geral na condução da trama. Não faltam piadas, algumas sutis, outras sem graça, violência explícita (o que infelizmente parece que está na moda), atuações exageradas e o tom cômico acaba bloqueando a reflexão. Claro que o filme é muito bem dirigido, Boon, com um bom orçamento, soube criar uma base espacial convincente, os efeitos do filme emulam alguns clássicos mais setentistas e oitentistas das Sci-fi, inclusive as criaturas alienígenas, uma mistura de muita coisa que já foi feita no cinema.

O filme tem um início promissor, com boas e inteligentes piadas, mas do meio para o fim, a história acaba se perdendo em situações paralelas, que pouco acrescentam na trama, além de um final, digamos assim, dispensável, pelo seu didatismo e ânsia de certas explicações. O ritmo irregular do filme acaba dispersando o interesse no já confuso e mirabolante roteiro.

Mas poderia ser pior ainda se não tivéssemos Robert Pattinson como nosso eterno Mickey. O ator conduz o filme para si, com um humor ácido, desde sua hilária narração dos fatos, até sua física interpretação, sofrendo todas as agruras das mortes em prol do sistema e sua redenção em busca da liberdade e vida própria, Pattinson, vale o ingresso, inclusive atuando com ele mesmo com o seu duplicado Mickey 18. Aliás um duplicado mais questionador, charmoso, abusando de rebeldia e arrogância. Mark Ruffalo tem uma atuação exagerada no forçado papel do tirano autocrata Marshall. Com muitos maneirismos me convenceu pouco, o mesmo com a ótima Toni Collette, numa histriônica primeira-dama, abusando de caras e bocas acaba sendo um pastiche de vilãs de outras obras. Steven Yeun, como o seu amigo Timo, tem uma atuação importante, mas discreta. Naomi Ackie é quem se esforça mais dos coadjuvantes de Mickey 17, interpretando Nahsa, a única pessoa que viu humanidade no voluntário e consegue levantar sua moral e se apaixonar por ele.

Boon Joon-Ho, com certeza, não irá agradar a todos nessa sua Sci-fi recheada de humor negro, crítica sutil ao capitalismo e o modo como somos apenas peças de reposição na sociedade. Mas o tom de escárnio geral, a balbúrdia do excesso de informações, cenas de violência que lembram filmes de pastelão de péssimo gosto e as inúmeras críticas que são o motivo primordial do filme, acabam passando raspando com pouco estofo e veemência, transformando Mickey 17 apenas num filme por vezes divertido, mas que vale mesmo pela ótima atuação de Pattinson.

Written By
Lauro Roth