Crítica: Men – Faces do Medo

Na história do cinema de terror ou suspense sempre tivemos a sorte de termos grandes filmes em que apenas a sugestão, a paranoia, o pavor e a imagem valem mais que sustos fáceis ou monstros pouco amedrontadores. Películas como O Inverno de Sangue em Veneza, Repulsa ao Sexo, O Inquilino e Os Inocentes provocam mais calafrios que 90 por cento das produções atuais do horror, mostrando pouco, com muita subjetividade, delírios, alucinações e um visual caprichado. Alex Garland tenta com seu novo filme, Men – Faces do Medo (Men, 2022), provocar o espectador com traumas, imagens fortes, delírios, traumas, um pouco de horror campestre e esse filme pode ser conferido nos cinemas essa semana.

Harper Marlowe é uma mulher com um trauma pesado nas costas. Tinha um relacionamento abusivo com James Marlowe, que não aceitava a separação e acabou suicidando-se ao atirar-se de um prédio e Harper, da sua janela, o viu cair. Para oxigenar as ideias, ela resolve ir a uma casa de campo em uma zona rural e bucólica da Inglaterra. Em busca de sossego, aluga a casa de Geoffrey, um pacato inglês do interior com aquele humor típico britânico. Harper resolve explorar a região, faz passeios pelos campos, mas acaba perseguida por um sinistro homem nu, que a faz chamar a polícia em busca de ajuda. Começava ali um pesadelo sem fim para a vida da já abalada mulher.

Que Garland é um exímio escritor e tem talento na direção, todos nós sabemos. Ou roteirizando grandes filmes como A Praia ou Extermínio e dirigindo filmes como Ex_Machina, o dedo criativo do artista é sempre uma marca constante, mas Men infelizmente não pode ser considerado uma de suas obras mais marcantes. Sendo sincero, e sem dar spoilers, o filme funciona até um pouco mais de uma hora, porém em seus 35 minutos finais, se perde em um devaneio sem sentido e com poucas explicações, não que explicações sejam necessárias na arte, mas Garland usa e abusa de um visual onírico, escatológico e até grotesco, que ao invés de assustar ou instigar, aborrece quem assiste aquilo tudo. Na primeira parte, onde Harper é tomada pelos seus traumas, a visão do marido caindo, os flashbacks do fato, colados a uma vigorosa edição com o clima bucólico do local, o filme flui muto bem. As tomadas do passeio dela pelo campo tem um primor de fotografia, uma aula de como projetar câmeras e criar uma ambientação profunda e com belos cortes, além de criar sim uma tensão que chega a dar uma angústia, são o maior acerto do filme. Momentos que lembram esses grandes filmes que citei no início do texto, alguém angustiado, que busca a tal paz, mas segue atormentado por fantasmas pouco reais, que a mente (ou não) pode criar, seguem apavorando Harper. O que parecia ser um filme de horror folk e ia criando uma atmosfera boa, se perde no tal final que infelizmente estraga qualquer pretensão maior de levar a sério um filme tão bem filmado e com dignas atuações.

Jessie Buckley sempre bem como Harper Marlowe, fazendo aquele papel da heroína, que sozinha precisa enfrentar a tudo e a todos, passando toda a tensão de alguém que ainda não teve forças para superar seu trauma pessoal recente. Mas é Rory Kinnear, que é o verdadeiro homem das mil faces, ou melhor, representa o que pior é o homem na vida de uma mulher, fazendo diversos papeis, desde Geoffrey, o proprietário da casa, como o bizarro homem nu, o padre sinistro, os homens do pub, o policial, mostrando versatilidade e provocando medo em Harper. Paapa Essiedu é James Marlowe, suicida, que nas poucas cenas que aparece também atua bem, até porque a cena da briga e do suicídio é extremamente chocante e importante na trama.

Claro que, tentando dar uma perspectiva de explicação fácil, o filme é sobre traumas e como eles estão presentes na vida das pessoas. No caso, é uma análise fria da vida sofrida da personagem de Harper, que através de figuras masculinas perturbadoras ou usando o termo da moda, tóxicas, influenciaram a sua vida negativamente, desde o marido abusivo que colocava a culpa de tudo na vida dela, o homem que através de ironias sutis e machistas a desconcerta, o homem nu que representa o medo de ser atacada sexualmente, o padre que culpa as mulheres por tudo (aliás, a cena em que ela come a maçã antes de entrar na casa tem uma simbologia forte, como se ela tivesse se entregado ao pecado e agora teria que enfrentar suas consequências), a polícia e o abuso de autoridade, o machismo dos homens do bar, Men, como o título diz, é um verdadeiro pesadelo ao universo feminino, com representações através de simbologias do pior que o homem pode significar para uma mulher.

Mas é uma pena que um filme com uma ideia tão incrível, cenários naturais e tão bem filmado, um roteiro inteligente e atuações realmente boas, pode ter sido estragado por um final que ao invés de explorar todo esse universo dominador e perverso da masculinidade, tenha se perdido em um sonho visual (diga-se de passagem muito bem filmado e com bons efeitos). Um delírio que pode ser interpretado como chocante, mas que joga todas as metáforas, insinuações e boas referências do que o melhor que o cinema de terror sugestivo fez, pelo ralo no seu ato final. Apesar dos pesares é um filme forte, chocante que vale a pena ser assistido, tanto pela reflexão quanto para saber como se estragar um filme que tinha tudo para ser genial.

 

 

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