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CRÍTICAS

Crítica: Infestação

Crítica: Infestação
  • Publicado em: outubro 9, 2024

Confesso que o cinema de terror, no seu subgênero horror animal, onde desde fofos gatos até serpentes venenosas fazem um estrago na vida dos personagens, é um dos que mais perturbam. Ainda mais quando mexe com medos mais pessoais, como insetos, baratas e principalmente aranhas. E falando nelas, uma geração já foi horrorizada por estes seres no clássico dos anos 1990, Aracnofobia, de Frank Marshall, mexendo com o medo dos aracnídeos e suas oito patas. Em 2023, na França, o diretor Sébastien Vaniček conseguiu juntar aranhas perigosas, um edifício que mais parece uma grande ratoeira e um quê de crítica social no filme Infestação (Vermines), que chega aos cinemas brasileiros, prometendo fazer a gente olhar sempre para o calçado e checar se não tem uma aranha dentro antes de calçá-lo.

Na periferia de Paris, num gigante edifício (no Brasil seria um popular treme treme), reside Kaleb. O rapaz enfrenta o trauma de ter perdido sua mãe e tem um conturbado relacionamento com a irmã. Vive de pequenos negócios, vendendo produtos como muambas e principalmente tênis para os moradores do prédio e arredores. E também coleciona animais exóticos, uma paixão desde criança. Um dia, traz pra casa uma pequena aranha para seu mini zoo em seu quarto, comprada em um mercado clandestino de Paris. Só que essa aranha acaba se reproduzindo com uma velocidade gigantesca, infestando o prédio todo. E para piorar, elas têm uma capacidade de adaptação incrível, mudando de tamanho, ficando pronta para qualquer situação para atacar as presas. Kaleb, sua irmã e alguns amigos têm que lutar por suas vidas, pelo sombrio e isolado edifício, enquanto seus vizinhos, um a um, vão sendo mortos pelos peçonhentos aracnídeos.

Sébastien Vaniček, com roteiro dele mesmo e de Florent Bernard, acertam muito mais que erram em Infestação. Criam um filme de horror com um clima de penumbra constante, claustrofobia e pânico perturbador. Usando o edificio, um refúgio de pessoas pobres, imigrantes e  muçulmanos, literalmente, a ralé da França, como apregoam extremistas de direita. Infestação, além de ser um filme de terror, de maneira sutil, mostra como a sociedade pouco se importa com certas classes, e que uma alegoria como uma infestação de aranhas mortais não seria nada mal para expurgar os vermes da sociedade. Inclusive, o título em francês é Vermines, que são, na gíria francesa, pessoas de segunda classe.  Resquícios de pandemia, como o isolamento do prédio por ordem dominante das autoridades, confronto com a  polícia, quase que um esporte nacional francês, xenofobia  e uma busca por sobrevivência, nos dão um quê de realismo para os fatos, onde o prédio é um microcosmos da sociedade periférica francesa. O diretor acerta também em dar veracidade ao pavor da situação, com os personagens em tensão e desespero constante, e os dramas pessoais dos protagonistas, como o relacionamento rachado dos irmãos desde que a mãe morreu, a tentativa de aproximação de Kaleb e seu ex melhor amigo, além de nos apresentar um retrato cru dos moradores do prédio, cada qual com seus problemas e com um maior ainda vindo dos insetos de oito patas.

Mas, falando nas oito patas… As aranhas são um show à parte, com sua reprodução frenética, suas teias tomando os corredores, seu tamanho crescendo conforme a situação e os violentos ataques aos moradores, em que qualquer corpo vira um casulo para se reproduzirem mais e mais. Todas feitas num CGI decente, apesar de que quando são aranhas, digamos assim, com aparência mais realista, o temor a elas se torna mais repugnante. Vaniček, em seu primeiro filme, não nos deixa respirar, fazendo um filme de terror de primeira, em que o medo provocado pela quase impossibilidade de escapar do local, vai aumentando a cada minuto, prendendo a atenção do espectador. Destaque para a inebriante trilha sonora e os efeitos de som que pontuam bem esse pavor todo das imagens. Vaniček inclusive é o escolhido para fazer um filme da franquia Evil Dead, e se não cair nos maneirismos estadunidenses, pode vir coisa boa por aí.

Théo Christine é Kaleb, o rapaz não decepciona e nos dá uma situação angustiante de um cara que além de ter que enfrentar seus problemas pessoais, sente o peso de ser culpado de praticamente exterminar seus vizinhos. Lisa Nyarko interpreta Manon, sua irmã, em atuação decente, Sofia Lesaffre é Lila, namorada de seu ex melhor amigo Jordy, interpretado por Finnegan Oldfield. Fechando o quinteto que luta em conjunto contra as aranhas, Jérôme Niel é o lutador de MMA, Mathys. 

Uma cena do filme representa muito bem a luta constante dos periféricos, imigrantes e franceses pobres, quando além de ter que enfrentar um corredor tomado por aranhas loucas para injetar o veneno delas no corpo das vítimas, conseguindo o feito, ao chegar no fim do corredor ainda sofrem violência policial, barrando sua saída, jogando gás lacrimogêneo e os recebendo com pancadas. Uma eterna analogia à luta por sobrevivência e inserção na sociedade francesa, já que pelas notícias, o que estava acontecendo com aquele prédio caindo aos pedaços não atraiu o clamor da mídia e da população em geral. Uma batalha solitária e diária por respeito e inclusão.

Mas como todo esse teor social e político, Infestação é mesmo um grande filme de horror, nos brindando com sustos, situações de extrema angústia e confrontos nada amistosos com os descendentes de Rihanna (nome da aranha que gerou todo o escarcéu). Talvez eu evitaria algumas soluções, como algumas delas virarem gigantes, me concentraria nas menores e mais apavorantes, mas nada tira o mérito de Vaniček de nos brindar com um dos mais tensos e agoniantes filmes do ano e que merece ser visto na tela grande  Se você tem medo de aranha ou insetos, fuja do filme, logicamente, porque não é uma boa pedida assistir às temíveis aranhas tomando corredores, tubulações e escadarias, exterminando sem dó um edifício inteiro…

Written By
Lauro Roth