Crítica – Honey, Não!
Infelizmente, desde que os irmãos Joel e Ethan Coen se separaram, quem mais perdeu com o fim da parceria foi mesmo o cinema. Joel até nos apresentou um razoável filme, Tragédia de MacBeth, de 2021, mas Ethan Coen, em parceria com a roteirista Tricia Cooke, não passou de um besteirol com temática lésbica com seu Garotas em Fuga, de 2024. Mas como previsto pelo realizador, esse era apenas o primeiro filme de uma trilogia com essa temática, e agora chega nos cinemas brasileiros a segunda parte, mais uma vez com Margaret Qualley, Honey, Não! (Honey Don’t, 2025).
Na tórrida e árida cidade de Bakersfield, na Califórnia, Honey O’Donahue é a detetive particular mais poderosa da cidade. Elegante e durona, não teme ninguém e não tem muitas dificuldades de desvendar os casos da pacata cidade. Mas a tranquilidade um dia chega ao fim, quando um acidente de carro suspeito mata uma cidadã local. Fato que liga à crença da vítima, que frequentava uma igreja obscura, o templo das Quatro Vias. Igreja essa comandada pelo reverendo Drew Devlin. A igreja era uma fachada para as taras sexuais do reverendo, que cooptava fieis para esse fim, além de ganharem dinheiro com tráfico de drogas. Honey, nas investigações, acaba tendo um caso (além de uma aliada) com a mal-humorada policial MG Falcone. Mas a coisa começa a ficar mais dramática quando a sobrinha rebelde de Honey, Corrine, acaba desaparecendo, fato que faz a detetive desconfiar de vez do reverendo e a presença de uma estranha motociclista na cidade emaranha mais ainda o intrincado caso.

Ao contrário da estreia da Trilogia das Lésbicas, nome que o diretor Coen e a parceira Cooke deram ao projeto, Honey, Não! deixa de lado o humor bizarro regado de tolices e teor sexual, para mesmo em tom nonsense e exagerado, nos apresentar uma história com mais cara dos Coen. Uma sátira bem sacada de filmes noir, mas com a diferença que ao invés usar a noite, capotes e tom sombrio, o filme se passa numa infernal cidade da Califórnia, com muito sol e cores vibrantes e quentes. Temos ali vários clichês do gênero homenageado. Uma detetive solitária, policiais que mais atrapalham que ajudam, poderosos suspeitos, romance, violência na medida certa. Claro que todos esses ingredientes com personagens exagerados, diálogos ácidos e propositalmente sem sentido, situações absurdas, em que erros e acasos pontuam a trama. Uma investigação onde a detetive faz tudo pelo caminho torto, mas é carregada pelas circunstâncias para a conclusão. Destaque também para o eficiente trabalho de fotografia da australiana Ari Wegner, que soube captar com maestria tanto o pesado cenário do deserto californiano quanto as tomadas características do estilo de dirigir de Coen.

Mas o que pesa negativamente no filme são os diversos fios soltos na trama. Muitas vezes, o curtíssimo filme (com pouco mais de 85 minutos), tem cenas que não servem praticamente para nada na detetivesca trama. Vindo de Ethan Coen, acredito que tenha sido tudo feito propositalmente, mas essas excentricidades narrativas só servem para confundir mais o espectador. E por mais que a principal ideia da dupla seja prestar homenagens a filmes baratos e chamados de B, Honey, Não! dá a impressão que faltou algo mais e que a conclusão foi precipitada e preguiçosa. Literalmente, difícil de engolir. Excessos de descompromisso acabaram prejudicando uma interessante ideia. Sim, a personagem Honey O’Donahue tem muito brilho. Margaret Qualley, novamente em parceria com o diretor, esbanja elegância, sedução e seriedade no papel. Desde a sua chegada descendo um barranco com salto alto vermelho e jamais perdendo a pose, seus embates com o policial Charlie, suas relações amorosas mais voltadas ao prazer que o sentimento, seu ar blasé, jeito de outsider. Uma personagem bem construída, magnética e que merece até uma continuação. Chris Evans, como o tal reverendo Drew, tenta dar aquele ar de personagem nonsense dos filmes do diretor, mas seu lado histriônico e sem graça acabam se tornando descartáveis, até pra trama. Aubrey Plaza manda bem como a policial MG Falcone, que tem um caso com Honey. Na mesma vibe da parceira, procurar mais prazer que amor, sai do estereótipo da policial lésbica, em uma bela atuação.

Honey, Não!, o segundo filme da trinca de Coen em parceria com Cooke, tem mais cara da velha parceria com o irmão, tem personagens bem construídos, uma Margaret Qualley botando banca com galhardia e faz das situações absurdas o mote, deixando o riso fácil e idiota de lado. Mas se perde em não ter recheio suficiente para sustentar 90 minutos de filme. Um desperdício de uma história que tinha todos os artifícios para prender o espectador, mas a condução preguiçosa dela, a perda de tempo em certas passagens e um carretel de fios soltos na trama auto sabotam tudo, fazem a gente ter saudades do irmão Joel ao lado dele…
