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CRÍTICAS

Crítica – Confinado

Crítica – Confinado
  • Publishedmaio 23, 2025

Cansado de viver com a insegurança das cidades grandes, em 2016, Roberto Desum Villa, na cidade argentina de Córdoba, resolveu transformar seu carro numa arapuca para estranhos, leia-se ladrões. Certa feita, esse carro parou numa rua da região central e um indivíduo gritava desesperado dentro do veículo, que estava sem luz, com os vidros abaixados e as portas travadas. O meliante então foi preso e Roberto, que tinha um trauma de a filha ter sofrido violência num roubo, consegue se vingar. Esse episódio rendeu uma adaptação cinematográfica no país do Maradona, o filme 4×4 (2019), de Mariano Cohn. No Brasil, tivemos uma adaptação de João Wainer, chamada A Jaula (2021). Com produção de Sam Raimi e direção de David Yarovesky, não demorou muito pra Hollywood trazer para a língua inglesa a história da SUV com jeito de jaula. Confinado (Locked, 2025) estreia essa semana nos cinemas brasileiros.

Eddie é um entregador que comete pequenos delitos, como arrombar carros. Seu furgão está na oficina, e ele não tem grana para pagar o conserto. A fim de descolar esse dinheiro, vai atrás de algum carro para depenar. Percorre uma cidade onde indigentes se misturam a endinheirados e pobres pedem esmolas ao lado de carrões. Em um estacionamento, encontra uma SUV preta. Para ele não é difícil arrombar o carro para buscar algo de valor. Só que, para a sua surpresa, acaba preso no veículo. Com vidros blindados, à prova de som e portas travadas, Eddie está preso numa arapuca. Quem está por trás disso é Wiiliam, um veterano médico, com uma doença terminal. Como perdeu a filha num assalto, cria um carro jaula para se vingar da bandidagem. Quem paga o pato é Eddie, que fica preso, sem água, comida e à mercê das torturas do Dr. William, que se comunica através do rádio com ele. 

Confinado é a  terceira adaptação para o cinema do experimento de vingança feito por um argentino na década passada. Essa talvez seja a mais fraca delas. O filme tem menos de 90 minutos, mas poderia ter se resolvido em um curta de 25 minutos. A quase uma hora e meia de filme se torna uma eternidade, nem pelo sofrimento que o sádico Dr. William causa a Eddie, mas sim pela falta de o que mostrar em um filme que se passa quase que inteiramente dentro de um carro. O roteiro de Michael Arlen Ross, adaptado do original argentino, cria quase uma aura santa no punguista para fazer o espectador ter pena dele, um cara quebrado, com problemas no casamento,  pai amável e que inclusive dá água para um cachorro preso dentro de um carro.

Mas mesmo com toda essa santificação pro bandido, não chegamos a ficar com dó do personagem, que sofre um bocado nas mãos do vingativo algoz. Faltou um quê de carisma pro Bill Skarsgard, ator superestimado, em uma fraca e pouco convincente atuação, apesar de ser nítido o esforço dele, mas falta é talento mesmo. Anthony Hopkins é outro que não merecia um filme desses nessa altura da vida, mas dinheiro é bom demais, né? Com uma aura de Jigsaw dos Jogos Mortais, até funciona como a voz enigmática que tortura o personagem confinado na SUV Dolus (carro feito especiamemte para o filme, aliás os dois carros utilizados custaram 1,3 milhões de dólares), mas sua aparição no terceiro ato da película em nada acrescenta, só afunda mais o barco do filme. Os dois personagens tem pouco fascínio e o embate entre torturador e torturado não dá muita liga. O que poderia ser um jogo psicológico dos bons, acaba sendo um raso exercício de justiça pelas próprias mãos com uma parafernália tecnológica para ajudar.

O trabalho de fazer um filme quase todo dentro da tal SUV requer uma criatividade imensa e saber usar as câmeras. O diretor até consegue boas imagens utilizando vários ângulos de dentro do carro e misturando câmeras de segurança para tentar dar aquela sensação de claustrofobia da situação, sob o olhar do observador, mas chega um momento que a premissa cansa, tornado-se repetitiva, um looping de imagens que apenas cansam o espectador. 

O filme logicamente nos deixa o questionamento no ar, de quanto é moral a vingança pelas próprias mãos, cutuca a elite que se isola em fortalezas de segurança e no papel de carrasco, gostaria de utilizar na prática aquela fala constante de que bandido bom é bandido morto. Tudo isso personalizado na imagem do Dr. William, amargurado, com um trauma familiar e com dinheiro para se proteger, pula etapas da justiça, fazendo seu experimento pessoal no estilo de vigiar e punir. Talvez o erro do filme tenha sido tentar humanizar demais o Eddie, um cara que, por mais que o filme tente mostrar suas  virtudes, não tem a humildade de nos provocar compaixão.

Confinado mostra que por mais desafiadora e criativa a história de manter o panóptico de Foucault, na figura da observação constante e punição expressa de uma sociedade vigilante e vingativa contra os desvirtuados do sistema, acaba tornando-se um filme que não se sustenta. Literalmente, perde a gasolina pela metade. E tenta ainda dar uma reviravolta mudando o rumo do confinamento e se transforma num constrangedor final que estraga até o que tinha de melhor, que era a tensão da vigilância e o sofrimento do cárcere de Eddie. Infelizmente falha como crítica social, não consegue nos prender nem por 20 minutos no sofrimento do Skarsgard e desperdiça o talento de Hopkins tornando-se uma grande decepção.

Written By
Lauro Roth