Crítica – Como Treinar Seu Dragão

Como Treinar Seu Dragão (How To Train Your Dragon) é uma série de livros infanto-juvenis, de autoria da britânica Cressida Cowell, que teve início em 2003 e virou uma febre entre a molecada. Não demorou muito e a DreamWorks resolveu adaptar para o cinema, com direção de Chris Sanders e Dean DeBlois, em 2010, em uma prestigiada animação. Tivemos ainda duas continuações que mantiveram o sucesso e o nível do original. Mas como tudo que toca em dragão vira ouro (ou vikings, clima medieval, castelos e escandinávia), a Universal chamou Dean DeBlois para levar às telonas um live action sobre a saga do Dragão Banguela e seu amigo Soluço. Com cara de muita bilheteria no ar, essa semana chega oficialmente nos cinemas Como Treinar Seu Dragão (How To Train Your Dragon, 2025).

No vilarejo escandinavo de Berk, a brava população vive em constantes ameaças e passa a vida a tentar se defender de diversos dragões, que além de roubar seus suprimentos mutilam e matam os cidadãos do local. Soluço é filho de Stoico O Imenso, um bravo viking. A mãe de Soluço morreu devido a um ataque dos cuspidores de fogo e o pai sempre incentivou o filho a aprender as técnicas para capturar e matar os animais fantásticos à moda antiga. Mas Soluço, aprendiz de ferreiro, quer criar armadilhas complexas para pegá-los. Um dia, o adolescente ajuda um dragão, o temido Fúria da Noite, que estava preso devido a uma das armadilhas do rapaz. Solto, ele se surpreende que o animal não o ataca. Com isso, surge uma amizade inesperada entre os dois, em que Soluço descobre que os dragões não são tão malvados assim, inclusive dá o nome a ele de Banguela. Ao mesmo tempo, acaba tendo aulas com o mestre Bocão, de como enfrentar os monstros alados. Uma espécie de escola de como lutar contra eles. Devido a sua amizade com Banguela, passa para as aulas os conhecimentos que tem de como domar e enfrentar de forma humana os dragões, encantando seus colegas, em especial Astrid, sua paixão platônica. Mas um dia, Soluço será obrigado a enfrentar e matar dragões, o que faz com que o menino fique com dois corações, devido ao afeto que teve com tais criaturas.

Mais óbvio que dois mais dois são quatro (ou cinco conforme a música), é que a necessidade de fazer um live action de uma animação de extremo sucesso, indicações para o Oscar e culto de uma geração, é apenas financeira. Não satisfeita com tanta grana já ganha com os desenhos, a Universal quis seu quinhão e criou sua live action de um filme que todos já conhecem. E como o recém lançado Lilo e Stitch, não é que o filme funciona? A presença de Dean DeBlois é o maior acerto nessa adaptação. O responsável pela direção da animação é aqui também quem adapta o roteiro do livro para o formato, e como em time que se está ganhando não se mexe, o filme de 2025 é praticamente igual ao de 2010. Uma mexida e acréscimo ali, Como Treinar Seu Dragão, é feito tanto para adultos que eram crianças em 2010, que se emocionaram com o filme, quanto para a molecada de hoje, fissurada por temas como dragões e histórias fantásticas em reinos nórdicos. E dessa vez manter o que agradou é certeza de sucesso. Em tempos de poucas histórias criativas, é mais fácil fazer um live action de algo que vai vender que tentar inventar a roda, o que custa grana demais.

Mas mesmo com esse ar de nostalgia (se 15 anos pode ser chamado nostalgia), o filme é um espetáculo de imagens. Com uma fotografia exuberante de Bill Poppe, com tomadas aéreas dos fiordes, montanhas e florestas (foi gravado na Islândia), naquela beleza natural imponente, que só os países escandinavos têm, a reconstituição da era viking, com figurinos caprichados, cabelos e vestes impecáveis e uma trilha sonora épica, que lembram a de filmes de fantasia dos anos 1980, que embalaram nossas tardes na televisão. Esse combo fecha perfeitamente com a incrível caracterização dos efeitos visuais do filme. Os dragões são perfeitos, as batalhas críveis, os vôos de Soluço e Banguela pelas paisagens belíssimas do vilarejo são emocionantes, lembram às vezes o encantador História Sem Fim, de 1985. E apesar de frenético, tudo é muito bem montado, sem exageros. Tanto as cenas noturnas e sombrias na dose certa e a acertada ênfase dada à ação, se passando na luz do dia, o que surpreende e emociona ainda mais o espectador. O recurso de abusar de CGI em cenas escuras facilita a execução e acaba estragando o espetáculo, mas aqui não, ele funciona em qualquer ambiente. O Dragão Banguela, o Fúria da Noite, é de um realismo inacreditável. Se tínhamos dúvidas de que o filme poderia naufragar na adaptação graças aos efeitos, a Framestore, empresa responsável por eles, sob supervisão de Christian Manz, nos queima a língua, nos entregando alguns dos espetáculos visuais mais convincentes e elogiáveis dos últimos tempos.

No meio de tantas criaturas fantásticas feitas em CGI, os atores também tem seu destaque. Mason Thames está ótimo, esbanjando carisma como o humanista e corajoso Soluço, numa adaptação perfeita da animação para a vida real. Nico Parker, como Astrid, a paixão do menino, também atua muito bem como a aspirante a caçadora de dragões, Gerard Butler está à vontade como o viking Stoico, com um visual caprichado que lembra nosso Jimmy London do Matanza. É divertido quando deve ser e forte e sério nos momentos de tensão. Mas o filme é mesmo dos dragões, Banguela rouba o filme para si e junto com os outros monstrengos, são a alma da produção!
Como Treinar Seu Dragão é uma aventura clássica, com aquelas virtudes como amizade, respeito às diferenças, senso de comunidade e família, coragem, e o principal: que às vezes a violência só gera violência, e a harmonia, mesmo com seres tão distintos, pode ser a única solução. Um passatempo lindo e divertido, repleto de imagens estonteantes, com uma trilha inspirada e um tema universal contagiante. Uma adaptação de luxo para um sucesso recente e que com certeza vai retornar e com sobra o investimento feito. Mas felizmente, nesse caso aqui, ganham todos, tanto os estúdios, com sua insistência em reciclar velhas ideias e nós, que fomos presenteados com uma grande película!
