Close
CRÍTICAS

Crítica – A Verdadeira Dor

Crítica – A Verdadeira Dor
  • Publicado em: janeiro 27, 2025

Em certo momento do filme A Verdadeira Dor, o personagem Benji, depois de passar por locais como campos de concentração na Polônia, se pergunta e levanta um questionamento ao grupo que o acompanha na trip turística por um dos países que mais sofreu na história da humanidade: ‘’Podemos sorrir enquanto há tanta maldade no mundo?” Em suma, como podemos viver uma vida normal com tantas agruras e estupidez humana? Indagação essa vinda de Benji, um cara que rompe regras, vive uma montanha-russa de vida, vai da euforia à depressão em minutos, mas está ainda em busca de entender a vida. Com o tema de um filme de autoaceitação e de conhecer o passado para valorizar o presente, estreia finalmente o excelente filme A Verdadeira Dor (The Real Pain, 2024), com direção de Jesse Eisenberg.

David e Benji são primos. Enquanto David é um cara bem sucedido (ao menos parece), tem um bom emprego, família, Benji é um cara que vive a vida a cada dia, ao seu jeito, mas ainda não deu a ela um rumo aceitável pra sociedade. Com a morte da avó, uma polonesa que sobreviveu a campos de concentração, juntos fazem uma viagem para a Polônia, onde com um grupo de turistas que também tem raízes judaicas, querem conhecer alguns locais chave da história da segunda guerra e tentar sentir o que seus antepassados passaram. David é um cara ansioso, mas centrado, procura fazer as coisas de maneira racional. Já Benji é um cara que muda da água pro vinho em minutos, o que acaba bagunçando a viagem, mas devido a sua autenticidade acaba ganhando simpatia, desde o guia turísticos aos colegas de excursão. Mas por trás de toda aquela vida louca, Benji carrega do passado uma tentativa de suicídio que faz com que o primo jamais o entenda, e que talvez com essa viagem e conexão eles possam vencer seus traumas do passado e presente, tendo como pano de fundo a terra de sua avó.

Considero Jesse Eisenberg quase que um Woody Allen do século 21. Não pelo talento de fazer rir, mas ele parece sempre interpretar o mesmo papel, caras com altos graus de ansiedade, que falam muito mas são pouco ouvidos, sempre desconfiados do mundo, enfim parece ser sempre ele mesmo nos papeis. No caso, em A Verdadeira Dor, dirige e escreve esse sensacional filme, em que ele abre alas para o ator KIeran Culkin dar um banho de interpretação. O ator dá vida a Benji, um personagem tão intenso, dono de si, mas de uma fragilidade gritante. Conviver com ele é uma caixinha de surpresas, não mede palavras, cria situações e consegue para o bem ou mal mudar o rumo da excursão daquele grupo. Um cara que ou amamos ou odiamos, mas que sabe que sua presença sempre será marcante. 

 Jesse, com uma premissa aparentemente simples, uma viagem entre dois primos muito diferentes apesar de terem sido criados tão próximos, reacende o holocausto, um tema que o cinema explorou muito bem, de uma maneira nova. Enfim, como passado tanto tempo, as novas gerações encaram aquele período tão sombrio da história e como é a sensação de estar em locais onde aconteceram tamanhas atrocidades.

Um dos momentos mais tocantes do filme é quando eles visitam um campo de concentração de Majdanek. Ao invés de explorar em imagens o local com uma música tocante, Jesse apenas usa o silêncio e explora as expressões nos olhares do grupo observando o local onde tanta maldade ocorreu. A cena em que visitou um cemitério judaico, onde Benji questiona o guia turístico James (Will Sharpe) de que apenas história e fatos documentais não geram conexão emocional e humanismo e que a experiência de convívio entre as pessoas, talvez seja mais importante que tantos monumentos, gera um desconforto que nos abre a mente para o que vale mesmo à pena numa viagem. Ou quando ele consegue juntar todos os colegas de viagem junto ao monumento do Gueto de Varsóvia quebrando o gelo de maneira inusitada e divertida. Incrível que um filme com 90 minutos possa ter tantos momentos marcantes.

Com gravações na própria Polônia, a fotografia de Michal Dymek expõe sem moderação as belezas do país do leste europeu, tanto na arquitetura urbana de Varsóvia, herança dos tempos comunistas, nas paisagens bucólicas dos campos e a cidade de Lublin, que ainda mantém resquícios de uma Polônia antiga. A música também ajuda, muito Chopin abrihantando os maravilhosos cenários. Vale destacar que como coadjuvante temos Jennifer Grey, nossa eterna Baby de Dirty Dancing, no papel de Marcia, filha de uma sobrevivente do holocausto.

A Verdadeira Dor fala de laços familiares, explora o luto e as dúvidas existenciais do ser humano. É vida real mesmo, a cada dia temos que provar para nós mesmos por que estamos aqui. Ou como David fala, que mesmo com a avó deles, que lutou incansavelmente pela vida, sofrendo os horrores da estupidez humana de uma guerra, Benji, seu primo, pode ter tentado tirar a sua vida? São indagações difíceis de responder, como atrás daquele divertido e questionador rapaz, possa existir uma depressão, que ao olhar simples da vida, pareça impossível de entender?

Mas respondendo à questão do início do texto e indagada no filme: ainda fico com a resposta das crianças que o Gonzaguinha entoava em O que é o que é. Mesmo com um mundo de dor e sofrimento, podemos sorrir? Acredito que sim, porque a vida mesmo assim é bonita, é bonita e é bonita! E as dores, tanto as verdadeiras ou as criadas por tanto complicarmos o mundo, fazem parte dessa aventura tão valiosa chamada vida.

Written By
Lauro Roth