Crítica | A Maldição de Espelho (Queen of Spades: Through the Looking Glass)
A Rússia sempre foi um país fértil para grandes histórias. Falar de literatura russa chega a ser covardia, um território que nos deu Púchkin, Gógol, Dostoievski, Tolstói, Turguêniev e mais dezenas de nomes de igual importância, só pode ter inspiração quase divina para criar histórias. A Rússia também é rica em lendas e histórias de terror. Temos Baba Yaga, bruxa que inspirou a imagem que temos das bruxas deformadas e suas vassouras, morando na floresta e provocando pavor na população; Rusalka, uma ninfa do mar que se sente provocada quando sabe de alguma violência contra mulheres e que se vinga afogando homens e roubando crianças; é famoso também o Dragão de Brosno, espécie de Monstro do Lago Ness, do lago Brosno, o mais profundo da Europa, que atormenta navegadores, com sua ferocidade e seus cinco metros de comprimento; o Pássaro Negro de Chernobyl, lenda mais recente, é uma ave negra com tons vermelhos, feroz, que voa velozmente e aparece sempre em dias que ocorrem grandes tragédias, dizem que no dia do desastre do reator foi vista sobrevoando os céus da cidade de Pripyat; os corredores do Kremlin também tem seus fantasmas, relatos de funcionários e visitantes juram que Ivan o Terrível caminha incessantemente por eles e o fantasma de Lenin assombra tanto comunistas quanto os novos magnatas russos que passam pelos corredores do local. O cinema também aproveita esse farto repertório de histórias e uma produção russa de terror transpôs para a tela uma lenda local de uma condessa sanguinária, que estreia essa semana, A Maldição do Espelho (Queen of Spades: Though the Looking Glass, 2019), de direção de Aleksandr Domogarov Jr.
O filme começa com uma tragédia: um acidente acaba matando a mãe de Olga e Artyom, que morre afogada ao cair de uma ponte. Os filhos acabam ficando órfãos e são transferidos para uma escola interna. Lá são obrigados a conviver com novos jovens, uma fauna adolescente estereotipada: a garota descolada, a menina com problemas de peso, o bonzinho e o corajoso. Artyom ainda está muito abalado com a morte da mãe e vive ouvindo vozes, vendo imagens que assombram, atormentado o menino. Um dia, os irmãos e a turma da escola descobrem um porão com alguns espelhos. Lá alguém apresenta a lenda da Rainha dos Espelhos, uma Condessa assassina que fora morta por camponeses no século 19 e que hoje vive com sua alma presa dentro de espelhos. Só que ela tem o poder de realizar desejos se invocada. A turma empolgada não perde tempo e começa a liberar a imaginação e pede um a um que seus desejos sejam realizados. O que eles não sabiam é que acabaram liberando a Rainha, que em troca de realizar os desejos, quer derramar muito sangue e vingança.
A Maldição do Espelho parece aqueles filmecos de terror que saíam diretamente em VHS nos anos 1980, onde as distribuidoras caprichavam nas capinhas e faziam a molecada locar muitas vezes apenas por causa delas. Mas ao assistir, era aquela decepção. Essa produção russa é um caso parecido, mas que infelizmente vai passar nas telonas. Praticamente nada funciona no filme. Primeiro a dublagem em inglês dos diálogos em russo são uma tristeza com uma falta de sincronia absurda. Claro, os produtores russos querem vender para o mercado norte-americano o filme, como fizeram em produções recentes russas como A Noiva e a Sereia: Lago dos Mortos, mas que em tempos de sucesso do sul-coreano Parasita se dar o trabalho de ouvir o áudio original e ler legendas deveria estimular os norte-americanos. Enfim, voltando ao filme, o roteiro feito a 10 mãos também é uma colcha de retalhos mal resolvida. Extremamente apressada e sem surpresas. Como disse, a Rússia é riquíssima em histórias e lendas assustadoras, a tal lenda da Condessa Obolenskaya que sacrificava crianças para tentar ressuscitar seu filho, teria tudo para dar uma boa história, mas é extremamente fugaz, mal conduzida e recheada de clichês do gênero. Um dos pontos positivos é que o filme abusa pouco dos Jump Scares, febre das pífias produções recentes. Ao menos aqui a Rainha é mais comedida nos alucinados e previsíveis sustos. Aliás, sustos são quase nulos. Em relação aos atores, a menina que faz Olga, a rebelde irmã de Artyom (Angelina Strechina), talvez seja uma das únicas que ao menos passe um pouco de personalidade na atuação. O diretor também se perde em tentar contar a história de uma maneira apressada, apresentando a lenda quase sem nenhum suspense e tensão com efeitos fracos e uma fotografia que pouco explora o clima que era para ser sinistro da mansão que abriga a escola. Uma pena que uma história com certo potencial foi tão desperdiçada em menos de uma hora meia (o que foi ótimo, ao menos o filme é bem curto…). Às vezes o filme lembra um pouco produções dos anos 90, reuniões de adolescentes, espíritos, vingança, castigos por invocar o além, um pouco de filmes como Premonição e Jovens Bruxas, mas claro com um nível estratosfericamente abaixo deles.
A Maldição do Espelho vem como forte candidato a um dos piores filmes de terror do ano, apesar de que em 2020 a competição anda acirrada, bombas como Possessão de Mary e O Grito estão colados junto a A Rainha do Espelho, e isso que estamos apenas em março…
Sinopse – A Maldição do Espelho: O sinistro fantasma da Rainha de Espadas está novamente sedento por sangue, e, desta vez, suas vítimas são os alunos do internato localizado numa antiga mansão, envolta em rumores sombrios. Divertindo-se com as histórias de terror sobre os assassinatos de crianças nesta casa no século XIX, os adolescentes encontram na ala abandonada do edifício um espelho misterioso coberto de desenhos misteriosos. Por diversão, os alunos iniciam diante desse espelho o ritual místico de chamar o espírito da Rainha de Espadas para realizar seus desejos mais íntimos, esperando que o fantasma os cumpra. Os jovens não sabem que suas próprias almas serão o preço a pagar por cada capricho que virá, e que a Rainha de Espadas não descansará até conseguir todos eles.
Ficha Técnica
Diretor: Aleksandr Domogarov Jr.
Roteirista: Maria Ogneva
Elenco: Daniil Muravyov-Izotov, Angelina Strechina, Vladislav Konoplyov, Anastasia Talyzina, Alyona Shvidenkova, Vladimir Kanukhin
Duração: 83 minutos
Classificação indicativa: 16 anos
Gênero: Terror